Quem tem medo dos clones?
O avanço dos experimentos coma clonagem humana abre enormes perspectivas. E causa muita polêmica
Lia Hama
Em fevereiro de 2004, uma equipe de cientistas da Universidade Nacional de Seul, na Coréia do Sul, anunciou ter conseguido pela primeira vez clonar embriões humanos e desenvolvê-los até o estágio necessário para extrair células-tronco – células com capacidade de se transformar em qualquer tipo de tecido. A experiência torna mais próxima da realidade a clonagem humana completa, seja para fins terapêuticos, seja para fins reprodutivos.
A clonagem terapêutica possibilitaria, por exemplo, reconstituir a medula de um paraplégico ou substituir o tecido cardíaco de uma pessoa que sofreu infarto. Já a clonagem reprodutiva seria a tentativa de produzir uma cópia de um indivíduo – uma prática condenada pela maioria dos cientistas. Os pesquisadores sul-coreanos defendem a clonagem apenas para o combate a doenças e são contrários à clonagem reprodutiva.
A clonagem humana já havia sido anunciada anteriormente. Foi a primeira vez, porém, que os cientistas descreveram detalhadamente todos os passos de seu estudo. A técnica utilizada pelos sul-coreanos é semelhante à que criou a ovelha Dolly, em 1996, na Escócia. Eles coletaram óvulos de 16 mulheres, removeram o núcleo e colocaram no lugar o material genético de uma célula adulta das doadoras. Depois, usaram uma combinação química para simular um efeito semelhante a uma fecundação. A técnica funcionou em parte dos óvulos. Eles desenvolveram-se até chegar ao estágio de embriões de cinco dias, chamados blastocistos, um conjunto de cerca de 100 células. De alguns desses blastocistos os cientistas conseguiram retirar as células-tronco, que dão origem a diferentes órgãos na formação do feto. A técnica é polêmica porque, para obter as células-tronco, é necessário destruir embriões humanos. O Vaticano comparou o experimento à ação nazista em campos de concentração. “Não se pode destruir a vida humana na esperança de encontrar remédios para salvar outras vidas”, afirmou o monsenhor Elio Sgrecia.
Sinal amarelo
Morte precoce daovelha Dolly acendeu aluz de advertência
Primeiro animal clonado a partir da célula adulta de um mamífero, a ovelha Dolly nasceu em 5 de julho de 1996, em um experimento conduzido pelo Instituto Roslin, de Edimburgo, na Escócia. Anunciada como um verdadeiro “milagre” da ciência, Dolly logo se tornou a ovelha mais famosa do mundo. De aparência externa normal, o animal nasceu, porém, com anomalias cromossômicas. Em 1999, os cientistas perceberam que as células de Dolly sofriam de envelhecimento precoce. Em 2002, quando estava com 5 anos e meio, foi diagnosticado que ela sofria de artrite. Finalmente, em fevereiro de 2003, depois de desenvolver uma doença pulmonar progressiva, típica de ovelhas com o dobro da sua idade, Dolly teve de ser sacrificada.
A morte prematura do animal acendeu uma luz amarela para os riscos da técnica de clonagem, ainda mais diante dos rumores de que a empresa Clonaid, ligada a uma seita religiosa, já teria clonado bebês, embora nunca tenha apresentado comprovação científica. O cientista escocês Ian Wilmut, do Instituto Roslin, considerado o “pai da Dolly”, manifestou-se várias vezes contra a clonagem reprodutiva de seres humanos, pelos riscos envolvidos. Para ele, “seria completamente irresponsável pensar em produzir uma pessoa”. Wilmut, no entanto, em artigo publicado em fevereiro deste ano na revista New Scientist, mostrou-se menos inflexível em relação ao uso da técnica para finalidades terapêuticas. “A clonagem pode oferecer tantos benefícios que seria imoral não fazê-la”, escreveu Wilmut.
O impacto da descoberta
A clonagem de embriões humanos abre a possibilidade de, no futuro, uma pessoa usar suas próprias células para curar doenças, graças à capacidade das células-tronco de se transformar em tecidos. Mas a técnica envolve várias questões legais e éticas