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Revolução invisível

Você não poderá vê-las. Você não poderá tocá-las. Mas elas estarão por toda parte - dentro de você e até mesmo em um pé de alface no supermercado. Prepare-se para a menor e mais poderosa das transformações tecnológicas: o nascimento das nanomáquinas

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h51 - Publicado em 31 out 2000, 22h00

Eduardo Azevedo

De manhã, você chega ao escritório e robôs flutuam, eliminando fumaça e outras toxinas do ar. No almoço, a salada que você come vem de plantações vigiadas por milhões de máquinas, grudadas nas folhas e nas raízes, que equilibram a umidade e a temperatura do solo. À noite, você chega em casa e cisma de mudar aquele quadro de lugar. Arranca o prego, mas não há buraco, pois dispositivos eletrônicos reorganizam a argamassa, os tijolos e a pintura, átomo por átomo. O mais incrível: você não vê máquina nenhuma diante dos seus olhos. Bem-vindo ao menor dos mundos, onde impera a nanotecnologia.

Antes de mais nada, vamos dar um referencial de quão pequena é a escala de que estamos falando. O prefixo nano, que em grego quer di-zer anão, refere-se também ao conceito de 10-9 m: 1 bilionésimo de metro. Para quem não achou tão nanico assim, uma sugestão: faça de conta que você tem um robô dessa escala e uma régua de 1 metro lado a lado. Aumente-os na mesma proporção. Quando a régua chegar a 2 000 quilômetros, o equivalente à distância entre São Paulo e Salvador, o robô ainda estaria do tamanho de uma formiga.

A visão do planeta sendo ocupado por minúsculos aparelhos digitais não é exatamente nova para o homem. Ela já figurou nas clássicas obras de Isaac Asimov e no paranóico seriado Arquivo X. Mas, desta vez, a verdade pode estar aqui dentro mesmo. Dezenas de laboratórios dos Estados Unidos, do Japão e de alguns países da Europa trabalham incessantemente no desenvolvimento dessa revolução invisível.

O que já se conseguiu até agora ainda está longe do que querem os cientistas, mas é capaz de maravilhar aqueles que ainda sentem certa satisfação por terem acabado de comprar o menor modelo de celular disponível no mercado. Há três anos, por exemplo, cientistas da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, esculpiram numa placa de silício uma guitarra menor que uma célula de sangue. Dela não saiu nada digno de um Jimi Hendrix, mas os cientistas conseguiram obter sons de suas cordas por meio de vibrações de ondas magnéticas.

Aos poucos, a nanotecnologia deixa o reino das curiosidades para ganhar importância estratégica no cenário da ciência mundial. No início deste ano, Bill Clinton turbinou o setor com um investimento de 500 milhões de dólares. “Essa certamente será a tecnologia que terá mais impacto em nossa vida nos próximos anos, mais até que a genética”, afirma à Super Jean Paul Jacob, gerente de pesquisas dos laboratórios da IBM em Almaden, Califórnia. “Não é uma revolução que ainda vai acontecer – já está acontecendo. Os novos chips tendem a ter apenas alguns nanômetros de espessura”, diz.

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Quão pequena uma máquina precisa ser para merecer o conceito de nanotecnológico? Os cientistas ainda não se entenderam completamente em relação a esse ponto. Para alguns, nanotecnologia diz respeito apenas a objetos que só possam ser medidos em nanos, coisa de, no máximo, alguns bilionésimos de metro. De acordo com esse ponto de vista, um robô do tamanho de uma bactéria seria grande demais para ser considerado nanotecnologia. Ou seja, uma máquina assim pertenceria ao grupo de algo muito, muito maior – a microtecnologia, que já começa a ter aplicação comercial, como em telefones celulares. Para você que está assistindo a essa discussão de longe importa a perspectiva de que logo os robôs invisíveis serão como vírus e bactérias – estarão por todos os cantos. Assim, quando você entrar numa sala vazia, não saberá se está vazia mesmo.

Que aparência terão as nanomáquinas? Nada de cópias idênticas dos robôs atuais reduzidos um bilhão de vezes. Nada de braços ou pernas. Sua aparência será geométrica, formada por cadeias de átomos. Um exemplo são os nanotubos. Compostos por umas poucas dezenas de átomos de carbono, esses cilindros servem de ferramenta para interagir no universo atômico. De tão pequenos, não podem ser simplesmente agarrados. O único jeito de movimentá-los é com repulsão elétrica. À primeira vista, parece coisa de gente tentando construir barco em garrafa, mas os efeitos são práticos e partem de um raciocínio simples: se todas as coisas são feitas de átomos e moléculas, bastaria rearranjá-las para transformar um objeto em outro. Assim, nanodispositivos seriam capazes de reorganizar um pedaço de carvão para transformá-lo em diamante, considerando-se que ambos são compostos de átomos de carbono. “A natureza, com a criação e o desenvolvimento da vida, tem sido nossa mestra”, diz Richard Smalley, Prêmio Nobel de Química em 1996 e pesquisador da Rice University, que possui um dos melhores laboratórios do setor. “Tentamos construir objetos com perfeição até o último átomo”, diz.

De materiais mais resistentes a satélites microscópicos, as aplicações da nanotecnologia vão além da imaginação. Uma das promessas para as próximas décadas é a poeira digital, formada por robôs com alto poder de análise. Ao ser jogados num incêndio, por exemplo, milhões de transmissores a laser, propulsores e outras superminiparafernálias serão capazes de identificar os focos do fogo e estabelecer táticas de combate ao incêndio. Na agricultura, eles estarão ligados a cada vegetal, criando plantações inteiras com o poder de se livrar das pragas sem a ajuda do homem.

“Até 2025 o planeta será envolvido por uma gigantesca teia invisível de comunicação composta de termostatos, detectores de pressão, câmeras e microfones monitorando as ruas, as cidades e o meio ambiente”, afirma Murray Hill, presidente do Bell Labs, o maior centro de pesquisas tecnológicas do mundo. “Eles transmitirão dados constantemente, assim como a nossa pele passa informações para o cérebro.”

A busca por chips cada vez mais rápidos tem dado um bom empurrão no desenvolvimento da nanotecnologia. As placas de silício estão chegando ao seu limite físico e cabe à nanotecnologia dar soluções para esse dilema, como chips construídos átomo por átomo por meio de processos químicos.

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“Graças à nanotecnologia, por volta de 2020 teremos mais poder num computador do tamanho de um cubo de açúcar do que em todas as máquinas de hoje somadas”, diz Ralph Merkle, engenheiro molecular e dono da americana Zyvex, que se autointitula a “primeira empresa do mundo voltada exclusivamente para a nanotecnologia”.

A Zyvex está na linha de frente de um debate que promete crescer à medida que os cidadãos comuns começarem a entrar em contato com o tema. Merkle afirma ter conseguido construir microrrobôs que se reproduzem sozinhos. Eles fariam parte da poeira eletrônica que, pelos objetivos da Zyvex, seria elaborada para entrar no corpo humano a fim de combater doenças, coágulos e gerar diagnósticos precisos. Algo mais ou menos assim: você acorda se sentindo mal, vai até o armário, pega uma dose de poeira digital, engole e volta a dormir. No dia seguinte, seu médico recebe por e-mail um recado dos nanorrobôs: “Seu paciente Fulano de Tal pegou a gripe da última novela das 8. Podemos combater?” Seu médico pressiona a tecla Enter e pronto. Em pouco tempo, os nanorrobôs se autoduplicam, conforme a gravidade da doença, encontram e destroem os microorganismos invasores. Você sara – e os honorários do médico saem automaticamente da sua conta bancária para a conta dele (veja reportagem na pág. 40).

A idéia de uma máquina do tamanho de uma bactéria com o poder de se reproduzir e de andar por dentro das pessoas tem gerado muita polêmica. É grande o medo de que tudo isso saia do controle. O Pentágono já demonstrou interesse por uma das facetas destruidoras dessa tecnologia, as nanobombas. Trata-se de nanorrobôs feitos para explodir ao entrar em contato com o alvo. Podem ser um microorganismo nocivo ao homem ou qualquer outra coisa devastadora. Nos Estados Unidos, por exemplo, foram testados, com sucesso, explosivos 5 000 vezes menores que a cabeça de uma agulha.

O cientista-chefe e diretor da Sun Microsystems, Bill Joy, escreveu, em abril, um artigo épico sobre o assunto, publicado na revista americana Wired. Joy afirma que, se não pararmos agora, a nanotecnologia fugirá do controle, com máquinas de proporções virais passeando por aí, invisíveis, automultiplicando-se desordenadamente. Merkle, da Zyvex, interpreta o futuro de outra maneira: “Quando inventaram o avião, alguém disse: ‘O quê? Uma coisa de metal que voa por aí como uma águia?’ Nem por isso vemos um 747 dando um rasante num pasto, com as garras para baixo, apanhando vacas”. Ou seja, o medo é natural, principalmente quando não temos idéia do que esperar do futuro. E, no caso da nanotecnologia, não temos mesmo.

Frases

“Nos próximos anos o impacto dessa nova tecnologia será ainda maior que o da genética”

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“Os nanorrobôs autoduplicantes podem ser tão perigosos quanto um câncer”

Invasores de corpos

Diretor do laboratório de Robótica Molecular da Southern University of California, nos Estados Unidos, Aristides Requicha faz parte do seleto grupo de pessoas que estão transformando a nanotecnologia em algo real. Há mais de 30 anos pesquisando inteligência artificial, Requicha fala à Super sobre os nanorrobôs e analisa a reação do mundo diante dessa nova tecnologia.

 

Super – Você concorda com a tese de que, com a nanotecnologia, poderemos construir robôs inteligentes?

Requicha – É uma questão complicada. A nanotecnologia não nos dirá como criar máquinas inteligentes. Essa missão é das áreas de inteligência artificial e robótica. O que ela fará por nós será gerar um inimaginável poder de processamento e armazenamento de dados. Poderemos facilmente construir computadores com tantos transistores quanto há neurônios no cérebro. Mas ainda não sabemos como fazê-los aprender o que eles precisam para se tornar inteligentes.

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O que mudará na vida das pessoas com o progresso da nanotecnologia?

Provavelmente as alterações mais significativas surgirão nas aplicações médicas. Essa tecnologia possibilitará formar as bases de uma interação total entre os computadores, que, por sua vez, estarão por toda parte. Será possível monitorar tudo o que acontece pelo mundo, inclusive dentro do próprio corpo humano. Como conseqüência, a Medicina poderá mudar o seu enfoque: passará a tratar das doenças antes que elas apareçam.

 

Fala-se em nanorrobôs que se auto-duplicam sem a ajuda do homem, como bactérias. Isso é mesmo possível?

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Auto-reprodução soa extremamente avançado, mas já temos robôs que podem fazê-la. No entanto, isso é desejável? Acho muito perigoso existirem máquinas que se reproduzem sozinhas, especialmente se elas estiverem em contato com os humanos, como nas aplicações médicas recentemente cogitadas. O que fazer se algo sair errado? E se elas, de repente, não pararem mais de se multiplicar? Qual a diferença entre isso e um câncer?

 

O que está faltando para essa revolução deslanchar?

Muita coisa. Nossa principal carência são as técnicas de fabricação. Podemos planejar todos os tipos de dispositivos maravilhosos, mas, se não pudermos construí-los, eles continuarão no reino da ficção científica.

 

Os Estados Unidos estão à frente da corrida nanotecnológica? Onde estão os grandes templos no assunto?

Os Estados Unidos não têm a liderança em nanotecnologia. Japão e Europa também estão bastante avançados. Temos uma “capela” de nanotecnologia aqui na Southern California e não acredito que já exista uma “catedral” por aí. Mas isso deve mudar com os grandes investimentos do governo americano no setor.

 

Bill Joy, diretor da Sun Microsystems, publicou um artigo dizendo que, se não pararmos agora, a nanotecnologia pode destruir o mundo. Há alguma verdade nas palavras dele?

Se isso serve de conforto, acho que temos maneiras bem mais fáceis e baratas de construir armas terríveis do que usando a nanotecnologia. É o caso da energia nuclear. Mas há verdade, sim, nas palavras de Joy. Qualquer coisa poderosa sempre será passível de ser utilizada para fins maléficos. Os raios laser são usados pelos militares, mas nem por isso vamos abandonar essa tecnologia. Ou vamos?

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