Satélites: nuvens por encomenda
Chuvas artificiais, furacões desviados para o mar, nevoeiros como arma de guerra. Tem cientistas querendo tornar a previsão do tempo uma certeza.
Tarso Araújo
Já pensou se o mundo fosse como as notícias aí ao lado? Nenhum tempo ruim, nada daquela chuva no fim de semana de praia, ninguém sofrendo por causa de furacões ou pela seca. Existem cientistas que imaginam cenas assim todo dia. Com satélites mais precisos, um conhecimento maior do clima e supercomputadores capazes de processar as centenas de variáveis climáticas, eles trabalham para domar os fenômenos meteorológicos que mais incomodam: furacões, tempestades e períodos de seca que arrasam colheitas. E cada vez mais gente estuda como utilizar a tecnologia do futuro – como nanorrobôs e satélites captores de energia solar – para transformar nevoeiros, trovões e chuva em armas de guerra.
O Instituto de Conceitos Avançados da Nasa financia há 4 anos estudos sobre a possibilidade de se controlar o clima. O Wisconsin, estado do oeste americano que vive às voltas com a falta de água, investe 8,8 milhões de dólares em uma pesquisa de chuvas artificiais com a empresa Weather Modification Inc. No Colorado, parques de esqui contratam empresas de chuva artificial para aumentar a quantidade de neve nas montanhas. E a China anunciou que a Olimpíada de 2008, em Pequim, terá um departamento especializado em evitar inconveniências criadas por São Pedro.
Dança da chuva
Tentativas de mudar o tempo são antigas. Em 1946, a General Eletric criou, com financiamento do governo americano, a técnica de fazer a umidade do ar se transformar em chuva lançando na atmosfera iodeto de prata. Esse sal, em contato com as gotículas de água, as faz se atrair, ficando pesadas o bastante para virar chuva. Em 1966, essa técnica foi usada na Operação Popeye, durante a Guerra do Vietnã. A idéia era prolongar o período de chuva das monções do Sudeste Asiático para prejudicar o abastecimento inimigo com inundações.
Hoje, a técnica é batida: aviões teco-teco freqüentemente espalham sais em nuvens para fazer chover em plantações, represas ou cidades. Foi o que a China fez em março para varrer a areia que se espalhou por Pequim depois de uma tempestade vinda da Mongólia. O problema é que nem sempre o método funciona como se espera: às vezes não tem efeito nenhum, outras provoca devastadoras tempestades de granizo.
Os cientistas ainda não têm o poder de fazer chuvas com 100% de acerto, mas sabem da tecnologia que precisam para isso. O principal é aumentar, em muito, a força da previsão do tempo. Hoje, além dos satélites que identificam correntes de ar, a previsão é feita com radares que medem a quantidade de água na atmosfera; balões para detectar temperatura, umidade, direção e velocidade do vento; e bóias meteorológicas espalhadas pelo mar, medidoras da temperatura da água na superfície e em profundidade, além da velocidade e direção das correntezas. A previsão em áreas bem munidas com esses aparelhos chega a 94% de acerto, com 24 horas de antecedência.
É uma boa média, mas com pouca resolução. Os satélites e computadores atuais trabalham com divisões da Terra em uma grade de quadrados com 100 quilômetros de longitude por 100 quilômetros de latitude. Para ser possível realizar intervenções conscientes, o lado desses quadrados precisa diminuir para 10 ou até 1 quilômetro. “A maior dificuldade é saber o local e a hora certa para agir”, diz Carlos Morales, meteorologista da USP.
A previsão é importante porque os fenômenos meteorológicos são exemplos dos chamados sistemas de variáveis não-lineares, uma pedra no sapato dos matemáticos contemporâneos. Esses sistemas não possibilitam a criação de regras e são enormemente influenciados por modificações mínimas do processo. Como diz a famosa frase do meteorologista e matemático Edward Lorenz, um dos pioneiros da Teoria do Caos, “o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode despertar um tornado no Texas”. Com uma boa previsão do tempo em mãos, os meteorologistas pretendem agir justamente sobre as borboletas que fazem os fenômenos começar. “Pequenas modificações podem influenciar fortemente a força e a trajetória de um furacão”, afirma Ross Hoffman, geólogo e meteorologista americano.
Domando tornados
Furacões são o melhor exemplo. São formados quando vários fatores – correntes de ar quente, ventos, nuvens carregadas e correntes marítimas quentes – agem sincronicamente. Sua trajetória segue a presença de áreas quentes. Se um desses fatores não existir, o furacão simplesmente não acontece, virando uma tempestade comum. “A melhor forma de lutar contra um tornado é agindo sobre os fenômenos que o fazem nascer”, diz Hoffman.
Por isso, uma forma de evitar furacões é cortar sua fonte de calor. Furacões se alimentam da retirada de cerca de 1000 watts por metro quadrado da evaporação da água do mar. Uma camada fina de óleo biodegradável – de peixe ou vegetais – funcionaria como uma barreira contra a evaporação, deixando o furacão sem força. Em todos os casos, o sucesso depende de intervir na hora e lugar certos. E traria um grande impacto ambiental.
Se o furacão já tiver começado, também há alternativas. Com o apoio da Nasa, Hoffman desenhou os equipamentos necessários para montar uma vigilância contra furacões. “Computadores ficariam 24 horas processando dados meteorológicos e calculando a probabilidade de um furacão acontecer”, diz ele.
Quando o computador soar o alerta de furacão à vista, trará ao mesmo tempo sugestões da menor mudança do clima necessária para evitar tragédias. No ano passado, Hoffman fez simulações para ver como pequenas mudanças em condições iniciais mudaram dois furacões reais de 1992: o Iniki, que passou sobre o Havaí, e o Andrew, que chegou ao sul da Flórida. No primeiro caso, uma mudança de 2 ºC da temperatura a 100 quilômetros do olho do furacão fez a velocidade dos ventos iniciais diminuir até 30 km/h. Seis horas depois, o furacão tinha se transformado em uma tempestade, que se dirigia à área aquecida. “Isso mostra que intervenções sob encomenda podem levar às conseqüências desejadas”, afirmou Hoffman na revista Scientific American, dos EUA.
O desafio é botar essa idéia em prática. Para aumentar em 1 ºC a temperatura de regiões com o tamanho de uma cidade, os meteorologistas precisam de uma quantidade inimaginável de energia. Hoffman aposta no uso de satélites que captariam energia solar em órbita baixa. Com placas fotovoltaicas na escala de quilômetros quadrados, eles armazenariam a energia e a enviariam, por microondas, às áreas a serem aquecidas. Parece absurdo, mas ele fala sério. “Microondas conseguem passar pelo ar sem aquecê-lo. Só aumentam a temperatura quando atingem o mar”, diz.
Os satélites refletores serviriam para criar ou evitar outros fenômenos meteorológicos. Se uma determinada região da atmosfera tiver sua temperatura poucos graus acima das áreas ao redor, vai atrair nuvens e, com ela, umidade e provavelmente chuva. O mesmo acontece com a neblina. Ela é formada por gotículas de água suspensas no ar, é uma nuvem de baixa altitude. Se a temperatura aumentar, as gotículas viram vapor d’água e a neblina desaparece. Também dá para usar raios laser para aquecer grandes regiões. Dependendo da potência, o laser tem o poder de elevar a temperatura. Com o objetivo de evitar neblina em aeroportos, engenheiros europeus calcularam em 20 milhões de dólares o custo de um aparelho de laser assim.
Fechou o tempo
Também há estudos sobre o clima imaginando não como evitar os fenômenos, mas como usá-los em caso de guerra. Em 1996, o Pentágono assustou meio mundo ao publicar um relatório chamado O Tempo como Multiplicador de Forças: Controlando o Tempo em 2025. No documento, militares analisam quais as operações climáticas que poderão ser feitas com a tecnologia de a daqui duas décadas. “A modificação do tempo provavelmente se tornará parte da política de segurança nacional, com aplicações domésticas e internacionais”, afirmam os militares. “Uma tecnologia de controle do tempo global, precisa, em tempo real, confiável e sistemática forneceria aos nossos comandantes de guerra um potente multiplicador de forças para atingir objetivos militares.”
O relatório reflete sobre chuvas, nevoeiros e furacões. Longas chuvas podem servir para atrapalhar a movimentação das tropas terrestres, acabar com o conforto e o moral dos soldados inimigos. Já a falta delas acaba com o abastecimento de água inimigo. Tempestades seriam usadas para inviabilizar missões aéreas e a neblina influenciaria bombardeios. Os militares prevêem até a utilização de nanopartículas que, quando acionadas eletricamente, por uma espécie de controle remoto, mudem sua polaridade e passem a atrair moléculas de água, funcionando como catalisadores de chuva. “Os combatentes poderão formatar o campo de batalha ideal, de formas que nunca foram possíveis”, afirma o relatório.
O grande problema da modificação do tempo é que é muito difícil prever as conseqüências dela para o clima global. Uma mudança artificial no regime de chuvas de um país como o Brasil pode alterar a precipitação em países vizinhos e bagunçar a produtividade agrícola e o abastecimento de água. “Furacões são importantes para a troca de calor entre a zona equatorial e regiões mais frias. Infelizmente, eles são um mal necessário”, diz Pedro Dias, meteorologista pesquisador da USP. “Modificações artificiais no tempo podem causar sérios problemas legais entre os governos de diferentes estados e países. É uma questão delicada.”
Outro quebra-cabeça é a dificuldade de verificar se as modificações no tempo foram obra de são Pedro ou da intervenção humana. Sempre haverá um chato para perguntar se o fenômeno climático não aconteceria na mesma hora, local e com a mesma intensidade sem a intervenção. Por isso, quem é contra a modificação do tempo questiona o valor científico desse procedimento. Do outro lado, estão os que lutam para conquistar a confiança dos governos e outros potenciais financiadores das pesquisas. Só esses estudos poderão dar ao homem o controle do tempo. E, quando essa tecnologia estiver disponível, ainda caberá a nós decidir como, quando e quem poderá usar o novo prodígio. Alguém arrisca uma previsão?