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Tecnologia para dar e vender

Criada na década de 60, a Coppe é responsável pela formação de boa parte dos melhores técnicos e cientistas de que o país tem necessidade para enfrentar o permanente desafio da modernização.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 30 set 1991, 22h00

São 240 professores-doutores, 120 engenheiros, 350 técnicos e 130 funcionários de administração e manutenção. No conjunto, eles ocupam uma área construída de 10 000 metros quadrados, na Ilha do Fundão, subúrbio do Rio de Janeiro e operam nada menos que 64 laboratórios científicos. Sua meta: gerar tecnologia para a indústria e formar pessoal especializado, capaz de lidar com essa tecnologia e, naturalmente, dar prosseguimento às pesquisas. Ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, essa instituição existe desde 1963 sob o nome de Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia, conhecida como Coppe.

Em três décadas, ela deu origem a mais de 3 500 teses—idéias e experimentos que, em muitos casos, se transformaram em equipamentos inovadores. O exemplo mais notório, mundialmente reconhecido, são as plataformas para prospecção de petróleo em alto mar — graças às quais, na costa brasileira, perfura-se o leito oceânico em profundidades inigualadas. Mas à medida que se desfila pelos laboratórios, descobre-se, num mundo de máquinas e produtos de aparência exótica, que as novidades se multiplicam em praticamente todas as doze áreas de pesquisa em que a Coppe atua. A começar pelo setor de energia onde sob encomenda da empresa Furnas Centrais Elétricas, montou-se um sofisticado sistema eletrônico para controlar todo o funcionamento do reator da usina nuclear Angra I, em Angra dos Reis, RJ.O SSPS, como é chamado o sistema, demorou pouco mais de um ano para ficar pronto e emprega um computador de novíssima geração, projetado pela própria Coppe.
 
Já instalado, ele incorpora o que se aprendeu com o acidente de 1979 na usina Three Mile Island, nos Estados Unidos, quando um defeito sem importância, numa bomba de água, gerou uma cascata imprevista de falhas e poderia ter levado a uma catástrofe maior que a de Chernobyl, na União Soviética. Em Angra I, para evitar surpresas desagradáveis, o computador acompanha o reator a cada passo e em tempo real. Isto é, durante uma emergência, relata os fatos à medida que vão acontecendo, e seleciona as ações mais eficazes de combate à anomalia.”O operador toma conhecimento da importância de cada problema e pode adotar as providências cabíveis”, explica Norberto Ribeiro Bellas, um dos, especialistas envolvidos no projeto. Fora da usina, o sistema está preparado para informar a dimensão, a trajetória e os possíveis efeitos de nuvens radioativas expelidas durante um acidente. 

De quebra, como subproduto, o SSPS gerou o XPTO, com o qual as mais variadas empresas podem fazer a manutenção e monitorar, em tempo real, todas as suas atividades. Como se vê, valeram a pena os quatro anos de pesquisa no setor de inteligência artificial, empregados para projetar e construir um novo tipo de computador.Pertencente à família dos hipercubos—a mesma que a agência espacial americana, NASA, emprega para lançar seus foguetes e monitorar o vôo de suas naves—, esse tipo de máquina diferencia-se das tradicionais porque não ataca os problemas passo a passo. Em vez disso, opera simultaneamente em diversas frentes, numa lógica que se supõe parecida com a do cérebro humano. Assim, o protótipo construído no Rio é, de fato, uma rede de oito computadores independentes, mas interligados num único bloco. O número de unidades básicas— ou processadores—só não é maior porque o dinheiro era curto, explicam os responsáveis pelo projeto.

Um deles, o engenheiro Valmir Barbosa, afirma, porém, que a rede pode ser ampliada, futuramente, e isso aumentará a velocidade de processamento. “O hipercubo da NASA dispõe de 512 unidades e seu poder de cálculo é 64 vezes maior que o do nosso, que realiza 400 milhões de operações por segundo.” Na prática, embora o hipercubo custe vinte ou trinta vezes menos, tem características operacionais semelhantes às de um supercomputador.

A tendência é que ele ocupe espaço crescente na economia e a Coppe está preparada para colocar seus modelos à disposição do mercado. “Como todos os países querem a independência tecnológica nesse campo, o Brasil saiu na frente”, festeja Barbosa. Da mesma forma, na área biomédica, a Coppe está em via de entregar a duas empresas um equipamento automático para medir o tempo de coagulação sangüínea. O aparelho, que funciona à base de ultra-som, promete simplificar esse tipo de exame, dispensando operadores supertreinados. Basta misturar uma amostra de plasma e minúsculas esferas de vidro num tubo de ensaio, e submeter o conjunto a um feixe de ultra-som. Isso provoca nas esferas uma vibração que é captada por um sensor: assim, quando o plasma coagula e bloqueia as vibrações, o sensor registra imediatamente o tempo decorrido.

Também está em curso um mapeamento das doenças endêmicas no Brasil, encomendado por um instituto de pesquisas do Canadá. O objetivo é auxiliar o diagnóstico de males tropicais como malária, esquistossomose e doença de Chagas. A lista de endemias, arquivada em computador, poderá ser usada como base para um programa capaz de imitar o raciocínio do médico e fazer diagnósticos automaticamente. Até agora foram registradas 38 doenças, com 59 formas diversas. “Só a-doença de Chagas tem nove formas clínicas diferentes”, conta o engenheiro Antônio Fernando Infantosi, especialista na área.A Medicina também poderá lucrar com os projetos do laboratório de Engenharia química, que este ano foi selecionado para receber a dotação de 450 000 dólares da Secretaria de Ciência e Tecnologia do governo federal. O dinheiro extra deve acelerar o trabalho de criar revolucionárias membranas de separação de fluídos e gases. Pesquisadas há vinte anos, essas películas têm sucesso onde fracassam os métodos tradicionais de destilação, absorção, centrifugação ou filtração. Há grande expectativa, por exemplo, com relação à filtração artificial do sangue, a hemodiálise. “Pode-se até pensar em acabar com a hemodiálise”, prevê Ronaldo Nóbrega, que atualmente coordena um esforço conjunto, com o Hospital Universitário da UFRJ, para aperfeiçoar os hemodialisadores.

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A tecnologia para fabricar membranas foi aperfeiçoada há apenas oito anos, e, entre outras aplicações, tornou mais barata e mais rápida a produção de substâncias de origem biológica, como os antibióticos. Seu desempenho deve melhorar ainda mais, com o advento das películas do tipo fibra oca—que têm a forma de um tubo, e não de uma superfície plana. A separação, ou filtragem, é feita pelas paredes do tubo à medida que o gás ou o fluído correm no seu interior, cujo diâmetro varia de 0,1 a 2 milímetros. Isso amplia a área onde ocorre a separação, resultando em considerável economia de tempo, até a microfiltração.

A tendência é a rápida e maciça substituição das membranas planas pelas ocas, uma das últimas conquistas da Engenharia química. Como têm a mesma eficiência que o rim em eliminar toxinas do sangue, são empregadas nos atuais aparelhos de hemodiálise. Mais do que isso, no entanto, elas prometem tornar-se parte de um verdadeiro rim artificial—que poderia ser diretamente implantado no corpo de um doente. Finalmente, uma breve visita ao laboratório de metalurgia revela outro material que tem tudo para fazer parte da rotina de muitas pessoas.

Trata-se das capas de diamante, em princípio destinadas a revestir peças e ferramentas industriais e dar-lhes maior dureza. Mais tarde, a proteção das características dessas preciosas pedras beneficiará os aparelhos eletrônicos, de toca-fitas a computadores, cujos dispositivos poderão ser integrados em muito menor espaço sem o risco de superaquecimento. Também os detectores de luz de foguetes e mísseis podem se tornar mais resistentes se forem cobertos por uma fina camada de diamante. Propiciado pela tecnologia de altas pressões, tal revestimento é resultante, curiosamente, da decomposição de um gás natural—o metano.

Sob a ação das conhecidas ondas de rádio, o metano libera o elemento carbono, e este, em seguida, se deposita sobre a peça que se quer recobrir. O carbono toma a forma de um filme de ínfima espessura e estrutura idêntica à do diamante. “Não poderia haver material mais adequado para revestimentos”, ensina o físico Sérgio Camargo, autor das pesquisas. O diamante, de fato, é a substância mais dura que existe, ótimo condutor de calor, excelente isolante elétrico e não reage quimicamente com nada.O mostruário de criações tecnológicas, porém, não é tudo: formar profissionais capazes de lidar com tecnologia é igualmente importante. No caso da Coppe, desde o início, essa foi uma preocupação essencial, como diz seu fundador, o engenheiro químico Alberto Luis Coimbra, com 67 anos de idade. “Começamos com bastante gente, pouco dinheiro e muito amor. Tínhamos uma visão humanista. Queríamos que o Brasil se tornasse um centro de bem-estar social e as empresas fossem distribuidoras dos benefícios trazidos pela tecnologia.” Ele conta que nos dois primeiros anos de vida a instituição sobreviveu com recursos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e da Comissão Fulbright, do Senado norte-americano. Só então passou a receber verbas do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico).

Além disso, lembra Coimbra, não havia técnicos habilitados no país e a solução foi convidar especialistas do exterior. Da Holanda e da União Soviética vieram engenheiros navais e hidráulicos; dos Estados Unidos, especialistas em computação, e da Inglaterra, engenheiros mecânicos e nucleares, químicos e pesquisadores da área biomédica. A situação inverteu-se, de certa forma, pois a Coppe tornou-se verdadeira fábrica de pessoal especializado —ela conta atualmente com 1800 alunos de pós-graduação, dos quais se dedicam em tempo integral a pesquisas 680 candidatos a mestres, e 160, a doutores. Desde a década de 70, parte desses profissionais vem ajudando a criar centros de pesquisas em outros Estados.”Alguns dos melhores centros de pesquisa do país foram criados por equipes saídas da Coppe”, testemunha o engenheiro químico Saul D’Ávila. 

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Em 1976, ele aceitou o convite para trabalhar no Departamento de Processos Químicos, então em via de ser montado na Unicamp (Universidade de Campinas), SP, e hoje chefiado por D’Ávilla Igualmente importante é o apoio que esses especialistas prestam, por intermédio da própria Coppe, à indústria. Para isso, desde 1971, existe na instituição um setor cuja função é desenvolver tecnologias solicitadas por empresas; professores que se dispõem a trabalhar nessas encomendas podem ter complementação salarial. O pagamento por esse serviço, nos últimos anos, tornou-se uma fonte de renda extra, que alcançou 6 milhões de dólares em 1989.Na avaliação do atual diretor, Luiz Bevilacqua, a Coppe superou suas metas originais com relação à formação de mestres e doutores, assim como na cooperação com o setor industrial. Agora, a palavra de ordem é a integração dos professores que trabalham em diferentes áreas da Engenharia e o aumento da proporção de doutores em relação ao número de mestres que são formados.

Ele acredita que produzir tecnologia é uma das chaves para o desenvolvimento, mas que o país só começara a abrir portas se houver muito apoio à pesquisa em todas as áreas da ciência. “A indústria acha mais barato comprar tecnologia lá fora, já desenvolvida e testada. Mas isso, a longo prazo, incapacita a indústria nacional, porque sempre haverá necessidade de comprar novas tecnologias. Então, eu penso que a esperança, hoje, está nos jovens. Eles estão se formando com a mentalidade de que é preciso inovar. Por que não apostar neles?”

 

 

 

 

Boxes da reportagem

Ao balanço das ondas

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O desenvolvimento de plataformas de petróleo em alto-mar catorze anos depois de iniciado, ainda é o maior projeto da Coppe. Desde 1977, a profundidade do leito perfurado cresce em média 150 metros por ano, e hoje atinge 720 metros. No próximo ano, a Petrobrás e os técnicos da Coppe pretendem superar o próprio recorde, com a prospecção de petróleo a 900 metros abaixo da superfície do oceano.Na Europa, no Mar do Norte, os poços não passam de 400 metros, e no Golfo do México, de 600 metros. O salto na capacitação brasileira foi possível graças a estudos intensivos de Engenharia civil e oceânica, de computação e de análise de estruturas— que permitem avaliar a condição das torres de exploração, protegê-las contra a corrosão, a fadiga e o eterno balanço das ondas, causa de vibrações destrutivas. Junto a isso evoluíram os notáveis robôs submarinos, que alcançam abismos perigosos para os homens e têm tarefas tão simples quanto essenciais: abrir e fechar válvulas, ajustar vigas e apertar parafusos. Esse serviço é complementado por um conjunto de sensores que a todo momento informam como se comporta a plataforma e o riser, duto por onde flui o petróleo.Os sensores se comunicam, em terra, com um computador que substitui o especialista em aquisição de dados, pois analisa informações e toma medidas como ligar e desligar equipamentos na hora certa. “Somos informados automaticamente de tudo o que acontece em alto-mar”, gaba-se Severino Fonseca Neto, um dos responsáveis por essa tecnologia.

 

 

 

 

A técnica no dia-a-dia

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A tecnologia é essencial não apenas à produção industrial: tornou-se um recurso para enfrentar corretamente espinhosos problemas modernos—da Engenharia de trânsito até o monitoramento da poluição pluvial e a análise de aterros sanitários. Bastante procurada por governos e órgãos públicos devido a seus recursos técnicos, a Coppe também fornece consultoria em emergências, como enchentes e desabamentos. Quando o maior estádio do mundo, o Maracanã, era preparado para abrigar um grande festival de música, realizado no último verão, dúvidas surgidas sobre a integridade das estruturas de suas arquibancadas foram eliminadas graças à análise dos especialistas do programa de Engenharia civil. A mesma equipe afastou a hipótese de desmoronamento das encostas próximas à usina nuclear em Angra dos Reis, RJ.

Um dos seus trabalhos atuais mais relevantes visa a estimar o impacto da atividade industrial da Petrobrás na Amazônia, tendo em conta, inclusive, o transporte do petróleo para os centros consumidores. Técnicos se dedicam a monitorar as condições de poluição do Rio Paraíba, principal fonte de água potável da capital fluminense. Para a Prefeitura carioca fizeram estudos sobre a Praia do Leblon, que estava perdendo areia, e a Lagoa Rodrigo de Freitas, que não tinha aeração e, com isso, impossibilitava o desenvolvimento de várias formas de vida. A cidade de Petrópolis, RJ, ganhou do programa de Engenharia de transportes um plano diretor, que definiu veículos e as melhores rotas para os coletivos. Com isso pretende-se otimizar as rotas já existentes, indicando os veículos ideais e seus pontos de parada, com uma nova distribuição de placas de sinalização e maior controle dos acidentes. Cristo em fibra de vidro

Desde que foi inaugurado pelo então chefe de Estado Getúlio Vargas, em 1931, o Cristo Redentor maior símbolo da cidade do Rio de Janeiro plantado no alto do Morro do Corcovado, acumulou, sem reparos, efeitos de corrosão e feias rachaduras externas que comprometiam a segurança da monumental estátua de 38 metros, altura equivalente à de um prédio de dez andares. Sua primeira grande reforma foi realizada somente no ano passado pela empresa de engenharia Jatocret, sob os auspícios da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Não foi pequeno o esforço tecnológico necessário. Um diagnóstico detectou pontos de infiltração e fissuras em 25% da área total do Cristo. Essas partes foram restauradas a partir de moldes de fibra de vidro que reproduziam fielmente as formas e as dimensões originais. A ferrugem na estrutura metálica foi tratada com uma tinta especial desenvolvida nos laboratórios da Coppe: por conter magnetita, o produto protege o metal contra a insidiosa oxidação. Além disso, as estruturas de ferro foram ligadas a fios terra contra a ação de correntes telúricas—eletricidade que, sob ação de nuvens carregadas, flui da terra para o alto do Corcovado e assim facilita a corrosão.

 

 

 

 

 

 

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