Um pré-sal no meio do mato
Enquanto aqui só se falava em eleições e petróleo, algo tão importante quanto era decidido no Japão: a maior parte dos países concordou em pagar royalties ao Brasil pela riqueza científica da Amazônia
Salvador Nogueira
O craque uruguaio Dario Pereyra foi abordado certa vez por um repórter que, para fazer graça, perguntou: “Por que vocês, jogadores, sempre falam a mesma coisa?” O zagueirão não teve dúvida. “Porque vocês fazem sempre as mesmas perguntas.”
Pois é. E não são só jogadores e jornalistas esportivos que têm esse vício. Essa coisa de bater sempre na mesma tecla também acontece com os políticos.
Na última disputa presidencial, por exemplo, os candidatos que foram para o 2º turno falaram muito de Bolsa Família, aborto e petróleo, mas praticamente não levantaram temas como a proteção da biodiversidade – um assunto que não se resume aos interesses de ecologistas, mas que pode significar muito para a nossa economia. Como? Veja só.
Enquanto os brasileiros estavam elegendo seus novos representantes por aqui, lá no Japão, representantes de cerca de 190 países, inclusive o nosso, estavam discutindo o futuro do planeta. Após muita conversa mole (como normalmente acontece nesses encontros diplomáticos com muitas nações), eles conseguiram o improvável: definir um acordo com objetivos claros para proteger a biodiversidade mundial.
Esse novo acordo estabelece metas para a preservação da biodiversidade e engaja os países no combate à maior extinção maciça de espécies desde que os dinossauros foram para o brejo. Estima-se que a taxa anual média de sumiço de espécies hoje esteja pelo menos 100 vezes mais alta do que deveria ser se apenas a natureza estivesse agindo.
Pelos termos estabelecidos, o ritmo de extinções deve ser reduzido pela metade até 2020, com o aumento de áreas terrestres protegidas para 17% (hoje é de 12,5%) e áreas oceânicas para 10% (atualmente é menos de 1%).
A preservação já é algo que vale por si só, claro. Mas existe um potencial menos óbvio aí. E ele começa com um fato: somos péssimos inventores de remédios. A maioria deles é feita de substâncias químicas que descobrimos, não que inventamos. Para ficar só em dois exemplos, vamos com a mãe dos antibióticos e a mãe dos analgésicos. A penicilina, descoberta por acidente por Alexander Fleming em 1928, é produzida pelo fungo Penicillium notatum. Já a aspirina, que existe desde o século 19, é originária do salgueiro.
Um levantamento feito por pesquisadores americanos em 2007 mostrou que 70% de todos os medicamentos introduzidos no mercado nos 25 anos anteriores eram derivados de produtos naturais. A floresta ainda fabrica drogas com mais eficiência que nós.
E aí é que o problema fica mais sério. Estamos devastando a biodiversidade, extinguindo as espécies (e os medicamentos que poderiam vir delas) antes que possamos descobri-las. Daí o desespero para reduzir o ritmo de destruição.
Estima-se que existam no planeta dezenas de milhões de espécies (incluindo aí todos os micróbios que você possa imaginar). Dessas, pouco mais de 1 milhão foram descritas pela ciência. Ou seja, ainda há muita pesquisa a fazer.
É onde o Brasil entra. Com a maior fonte de biodiversidade do mundo, na floresta Amazônica, poderíamos fazer dinheiro ao explorar esses recursos de forma sustentável. Nesse sentido, o Protocolo de Nagoya é importante, porque ele define basicamente que os recursos genéticos presentes no território de cada país são pertencentes a ele e não podem ser explorados sem autorização.
Basicamente, trata-se de uma declaração de guerra à biopirataria – a transferência dos recursos de um país para que sejam estudados e explorados em outro.
Agora, para usar alguma coisa da Amazônia brasileira no exterior, será preciso pagar royalties ao governo. Isso pode valer como um pré-sal no meio do mato: a indústria farmacêutica mundial fatura US$ 800 bilhões por ano.
Ainda não há uma decisão sobre o valor desses royalties. Mas, se futuros remédios amazônicos um dia renderem um décimo disso, 10% de royalties já pagariam com folga o Bolsa Família (R$ 13 bilhões por ano). E olha que, diante do potencial da Amazônia, essa é uma hipótese modesta: em cada campo de futebol de floresta existem mais espécies de árvores que na Europa toda.
O protocolo, por fim, também obriga as multinacionais a ajudar o país dono dos recursos em outras áreas, como a pesquisa científica. Mas falta um passo. O acordo foi assinado por mais de 100 dos países participantes, mas só passará a valer depois de uma ratificação, uma aprovação final. O Protocolo de Kyoto levou 8 anos entre a assinatura e essa confirmação. Que não demore tanto desta vez.