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Vamos todos morrer

Espécie nenhuma é imortal. Assim como os dinossauros, o mamute, o homem de Neandertal e a preguiça-gigante, o Homo sapiens um dia também vai se extinguir. Saiba como e quando

Por Rafael Kenski
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 31 out 2000, 22h00

Cedo ou tarde, a profecia que dá título a esta matéria vai acabar se concretizando. Animais maiores e mais fortes que o homem já desapareceram do planeta – não há por que acreditar que vá ser diferente conosco Pode acontecer na semana que vem, se um ditador lunático muito poderoso acordar de mau humor; pode ser daqui a cinco bilhões de anos, quando o Sol explodir. Mas um dia o Homo sapiens, que, bem ou mal, tem se mantido vivo pelos últimos 220 000 anos, encerrará seus felizes dias sobre a Terra.

“A espécie humana tem 30% de chances de desaparecer nos próximos quatro séculos”, afirma o filósofo canadense John Leslie, autor de The End of the World. O principal candidato a nos exterminar? Nós mesmos. “As nossas chances melhoram se nos preocuparmos com o ambiente e proibirmos tecnologias perigosas”, diz Leslie. Em 1993, Edward Wilson, um dos mais conceituados biólogos do mundo, levantou a hipótese de que toda a inteligência é suicida – seres “espertos” demais tendem a esgotar os recursos rápido e, contraditoriamente, tornam-se alvo fácil da impiedosa seleção natural. Para entender como isso pode acontecer, a Super reuniu as opiniões de gente importante do mundo da ciência e elegeu os seis maiores candidatos a carrascos da humanidade.

 

Asteróides

Nosso fim pode vir do espaço, como aconteceu com muitos bichos antes de nós. Cometas ou asteróides, ao colidir com a Terra, levantariam tanta poeira que cobririam a luz do Sol por anos, matando as plantas primeiro e, depois, os animais que dependem delas – nós inclusive. Um desastre global só aconteceria se fôssemos atingidos por um asteróide de, no mínimo, 1 quilômetro de diâmetro – um décimo daquele que provavelmente matou os dinossauros há 65 milhões de anos. Pancadas desse tipo acontecem, em média, uma vez a cada 100 000 anos.

Segundo o antropólogo Benny Peiser, da Universidade John Moores, na Inglaterra, a humanidade já enfrentou um impacto desses. Um meteoro teria sido responsável pelo declínio de civilizações no Egito, na Mesopotâmia e na China em 2300 a.C. “Ele causou mudanças climáticas e terremotos que desestruturaram essas civilizações”, diz Peiser. Felizmente, sobrou gente para contar a história e propagar a espécie. Apesar de muitos pesquisadores discordarem da teoria de Peiser, ninguém duvida que astros desgovernados sejam uma séria ameaça ao nosso planeta – e à nossa espécie.

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“É para diminuir o risco que nos preocupamos tanto em rastrear o espaço”, afirma David Morrison, diretor da divisão da Nasa que caça asteróides. “Um dia, seremos capazes de dar o alarme décadas antes de uma colisão. Daí, será fácil evitá-lo com armas nucleares ou laser”, diz Morrison. Mas, por enquanto, não estamos 100% seguros. Ninguém garante que, enquanto os astrônomos estão ocupados olhando para um lado, não haja algo se aproximando pelo outro.

 

Guerra nuclear

Em 25 janeiro de 1995, os técnicos de uma estação de radares russa receberam o aviso de que um foguete vinha em direção ao país. Pânico. A situação foi levada ao então presidente Boris Ieltsin, que tornou-se o primeiro líder da história a abrir a maleta onde fica o famigerado botão que ordena o lançamento de mísseis nucleares. Os russos tinham apenas oito minutos para decidir se contra-atacavam ou não.

Naquele momento, eu e você estivemos bem perto da morte. Tivesse Ieltsin tomado uma dose de vodca a mais, entrariam em guerra duas potências atômicas que dominam 30 000 das 31 000 bombas nucleares do mundo, um arsenal equivalente a 250 000 bombas de Hiroshima. Mais do que suficiente para tampar a luz solar por meses. Seria nosso fim. “Uma guerra de proporções globais começaria”, diz Stephen Young, diretor da Coalizão para Redução de Perigos Nucleares, em Washington, Estados Unidos.

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Felizmente, segundos antes de o russo apertar o botão, alguém notou que o míssil estava muito alto e distante de alvos estratégicos para representar uma ameaça. Ieltsin fechou a maleta. Descobriu-se depois que era apenas o lançamento de um satélite científico americano.

Russos e americanos hoje cooperam em vários programas e já não têm tantas armas apontadas uns para os outros. Mas o risco nuclear continua, talvez maior que antes. “Aumentou a chance de uma catástrofe nuclear começar por acidente”, afirma Stephen Schwartz, diretor da Fundação Educacional de Ciência Nuclear, em Chicago, Estados Unidos. “Os mísseis continuam prontos para serem lançados em segundos e a manutenção dos sistemas de segurança é fraca, principalmente na Rússia.”

Para piorar, países com governos radicais e rivalidades históricas, como a Índia e o Paquistão, já têm suas bombinhas. Iraque e Coréia do Norte talvez também estejam perto de conseguir as suas. Outro risco é que terroristas consigam tomar posse de uma ogiva nuclear. Escapamos da morte atômica em 1995. Sabe-se lá por quanto tempo.

 

Colapso ambiental

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Espera-se que o aquecimento derreta metade das massas de gelo em montanhas até 2100, o que elevará o nível de rios e inundará muitas regiões. Mas a maior preocupação é que os mantos de gelo da Antártica derretam. Se isso acontecer, o nível do mar se elevaria 60 metros, o que jogaria debaixo d’água todas as cidades litorâneas, onde mora metade da população mundial. A longo prazo, a temperatura poderá aumentar até o ponto de transformar o planeta em uma sauna. “Temo que a atmosfera continue a se aquecer até chegarmos no estado de Vênus, em que o ácido sulfúrico entra espontaneamente em ebulição”, afirmou à imprensa inglesa Stephen Hawking, o físico mais renomado do mundo.

Mas o aquecimento não é o único dano que causamos ao ambiente e que pode nos matar. Os 8,9 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2050 (hoje há 6 bilhões) enfrentarão problemas que vão muito além das filas no supermercado. “O crescimento populacional aumentará a emissão de poluentes e tornará mais escassas as terras aráveis e a água potável”, afirma Brian Halweil, biólogo do Instituto Worldwatch. A poluição poderá vir dos lugares mais inesperados, até dos telefones. “Os novos sistemas de comunicação utilizarão freqüências cada vez mais altas, que são nocivas ao ser humano”, diz o físico Inácio Malmonge Martin, da Unicamp. “Existe o perigo de um envenenamento global por meio das telecomunicações.”

 

Doenças

Em 2000, o vírus do Nilo, que mata por encefalite, saiu do oeste da África e apareceu em Nova York. O caso é um exemplo de por que epidemias são cada vez mais perigosas. “A facilidade de transporte permite espalhar a doença para qualquer parte do mundo muito rapidamente”, afirma o epidemiologista Stefan Ujvari, do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo. Para piorar, a aglomeração urbana facilita bem o contágio.

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Imagine o que aconteceria se fosse um vírus mais letal, como o Ebola, que é transmitido facilmente de pessoa para pessoa (sem a necessidade de um mosquito, como a febre do Nilo) e mata mais da metade das vítimas. Apesar de já ter sido controlado várias vezes, ele ressurge misteriosamente de tempos em tempos. Existe também o risco de que epidemias ainda mais perigosas sejam passadas por animais. “Um novo vírus pode ser transmitido por porcos ou galinhas para o homem”, diz Ujvari. O perigo aumenta se pusermos em prática a idéia de transplantar órgãos de animais para pessoas.

O homem também pode piorar esse cenário se inventar novos vírus com a engenharia genética. “O desenvolvimento de armas biológicas é a principal ameaça para a humanidade nos próximos séculos”, afirma o filósofo Leslie. Os humanos não teriam defesas imunológicas para um ser artificial, que, por isso, seria mais perigoso do que qualquer microorganismo existente.

 

Tecnologias

É possível que muitos riscos para a humanidade sejam resolvidos pelas novas tecnologias. A engenharia genética combaterá a fome no mundo, a robótica gerará autômatos que desempenharão as atividades humanas com eficiência e a nanotecnologia fará máquinas minúsculas para manipular átomos um por um. Esses pequenos aparelhos serão colocados dentro do corpo para curar as doenças, ou subirão até a estratosfera para consertar a camada de ozônio.

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Mas as mesmas tecnologias podem ser nossa perdição. “Robôs, organismos geneticamente modificados e nanorrobôs possuem um fator perigoso: podem se reproduzir”, afirmou Bill Joy, o brilhante cientista-chefe da Sun Microssystems, em um artigo assustador publicado na revista Wired. Uma vez na natureza, as “superplantas” competirão com outras espécies e poderão levá-las à extinção, o que causaria um imenso desequilíbrio no ecossistema. Nanomáquinas podem destruir o mundo, átomo por átomo. Robôs podem evoluir e dominar os humanos. Pura ficção científica? Nem tanto. Em agosto deste ano, cientistas da Universidade de Brandeis, em Massachusetts, Estados Unidos, conseguiram que um robô construísse outro, tendo informado a ele só algumas leis da Física e os materiais com que poderia trabalhar.

 

Sabe Deus

Há dois séculos, ninguém tinha dúvidas: o mundo acabaria quando Deus quisesse. Essa visão mística anda meio por baixo nestes tempos cientificistas. Um grupo californiano, porém, não só continua acreditando nela, como tenta acelerar a vontade divina. Ele planeja extrair de relíquias espalhadas pelo mundo o DNA de Jesus Cristo e cloná-lo. Isso provocaria o Juízo Final – afinal, seria a volta de Cristo. Uma espécie de apocalipse turbinado pela biotecnologia. Melhor não duvidar.

 

Para saber mais

Na livraria: The End of the World

John Leslie, Editora Routledge, Reino Unido, 1996

 

Sinais vitais 2000

Worldwatch Institute, Editora Uma, Salvador, 2000 (À venda pelo site https://www.worldwatch.org.br)

 

rkenski@abril.com.br

Auto-extinção

O americano Les U. Knight (um pseudônimo que soa como let’s unite – “vamos nos unir” em inglês) não tem medo da extinção humana. Na verdade, ele acha que deveríamos parar de ter filhos – e, assim, nos destruir por vontade própria. Knight é fundador do Movimento pela Extinção Voluntária da Espécie Humana.

 

Super – O que há de tão errado com a nossa espécie?

Sempre que chegamos em um continente, uma grande extinção ocorre. Há cientistas que acham que somos como um câncer. Acontece que somos mais do que uma doença porque sentimos compaixão por outras espécies. Esses sentimentos me levam a querer extinguir a humanidade.

 

Não podemos apenas controlar o crescimento da população?

Há 12 000 anos, nossa população era sustentável, mas ela cresce muito. Enquanto existir um casal fértil de humanos, toda a vida na Terra estará em perigo.

 

Qual é o alcance do movimento?

Estão envolvidas 6,1 bilhões de pessoas, quer percebam quer não. Pelo número de cartas que recebo, estimo que milhões defendam a extinção voluntária, ainda que nunca tenham ouvido falar no movimento.

 

Você espera mesmo ter sucesso?

Eu sou realista. Sei que a nossa luta é de longo prazo.

 

Não o assusta a idéia de que os seus pais poderiam ter se filiado ao movimento?

Nossos pais decidiram ter filhos e aqui estamos. Agora temos a chance de fazer mais das nossas vidas. Os filhos que não teremos nunca sentirão a diferença de não terem nascido, mas o ecossistema sim.

Sexta extinção

Um desastre que acabe com a nossa espécie não será novidade para a Terra. Desde as primeiras formas de vida, o planeta já passou por, no mínimo, cinco grandes extinções, e alguns pesquisadores elevam esse número para dezenas. Há até quem diga que estamos, neste exato momento, passando por uma dessas catástrofes. Afinal, em épocas normais, o planeta perde de uma a dez espécies por ano – nas últimas décadas, nós humanos fizemos essa taxa subir para algo entre 1 000 e 30 000.

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