Física quântica é isto aqui. O resto é picaretagem
"Se você acha que entendeu a física quântica, é porque você não entendeu", disse Richard Feynman. Entenda aqui por que o mundo quântico está além de qualquer coisa que a imaginação pura possa conceber.
“Se você acha que entendeu a física quântica, é porque você não entendeu”. Essa frase circular, do físico Richard Feynman (1918-1988), é a melhor tradução da quântica. A única tradução, na verdade.
Se você for arrogante o suficiente para achar que quem não entendeu nada mesmo foi o Feynman, então é hora de você entender por que é que não dá para entender quântica. E a melhor ferramenta para isso, é o experimento de fenda dupla, que os americanos Clinton Davisson e Lester Germer desenvolveram há 90 anos, em 1927, e que depois foi aprimorado por vários outros cientistas.
A versão mais clássica do tal experimento consiste em lançar elétrons contra uma chapa com duas fendas abertas. Um elétron é uma partícula com massa. Grosso modo, a única coisa que difere um elétron de uma pedra, ou do seu corpo, ou de um carro, é o tamanho: um elétron é uma pedra de 2,8 décimos de trilionésimos de centímetro.
Então. Pegue um monte dessas pedras e taque contra uma chapa com duas fendas. Atrás das fendas tem uma chapa de detectção (imagine como se fosse uma lousa, ou qualquer outra superfície em que os elétrons batam). Lançados os elétrons, ficamos com algo assim:
Beleza? Beleza. Isso é o normal. Os elétrons reproduzem a imagem da fenda na lousa. Mas e se, em vez de lançar elétrons, você iluminasse as fendas com uma laterna? Nesse caso, você não estará lançando partículas contra a lousa, mas ondas. Ondas eletromagnéticas do espectro visível – o nome científico para aquilo que a gente chama de “luz”. E aí o desenho que aparece é um pouco diferente. Assim:
Mas e aí? Bom, eu ainda não mostrei o que acontece DE FATO no experimento de fenda dupla. A real é que, quando você lança elétrons contra as fendas, o que você obtém na lousa é isto aqui:
Trata-se de um padrão de interferência de onda. Isso prova que, quando uma partícula é pequena o bastante, ela não se comporta como um pedaço de matéria, mas como uma onda. Lembre-se: um elétron é basicamente uma pedra. Isso não deveria acontecer. Mas é o que acontece. É como se um elétron interferisse no outro à distância.
Mas e se você jogar UM ELÉTRON por vez? Vamos lá:
Faça isso, e o que você vai obter na lousa, de novo, é um padrão de interferência de onda. Primeiro, bate um elétron. Depois outro. Depois mais outro. E, com o tempo, o que se forma é uma imagem idêntica àquela que apareceria de você tivesse lançado a luz de uma lanterna contra as fendas.
É como se o elétron interferisse COM ELE MESMO ao passar pelas fendas. Para que isso acontecesse, e é o que acontece, cada um dos elétrons deveria passar pelas duas fendas ao mesmo tempo. Deveria estar em dois lugares ao mesmo tempo. Como coisas não ficam em dois lugares ao mesmo tempo, o que aconteceu?
Para tentar descobrir, os criadores do experimento colocaram um detector em cada fenda. Se o elétron passasse pela fenda da esquerda, o detector dela apitava. Se passasse pelo da direira, idem. Se passasse pelas duas, apitavam os dois.
Nesse cenário, com os detectores instalados, o que acontece? Isto aqui:
Presta atenção: o elétron deixa de se comportar como onda. Ele vira uma pedra… O que surge na lousa é exatamente o que apareceria se você estivesse tacando pedras, ou pessoas, ou carros, contra a chapa de fenda dupla.
Não faz sentido. Mas é o que acontece.
Você pode imaginar que a presença física do detector atrapalha alguma coisa. Mas não é isso. Se você largar o detector lá e tirá-lo da tomada, de modo que ele cotinue “atrapalhando” o fluxo de elétrons, mas não tenha como transmitir a informação sobre qual partícula está passando por qual fenda, e o que você obtém é isto aqui:
O safado do elétron vira onda de novo – olha o padrão de interferência na lousa. Como o elétron “sabe” se o detector está ligado ou desligado? Ele não sabe, claro. Mas a natureza é assim. Ponto. Tanto que antes mesmo desse experimento, os mestres jedi da física quântica já tinham previsto em suas equações que as partículas se comportariam assim. A bizarrice apareceu em cálculos na década de 1920, e só depois foi comprovada em laboratório.
E não: jamais houve uma explicação intuitiva para o que acontece com esses elétrons. É como se a natureza, no fundo, não fizesse sentido para cérebros humanos. Como se a realidade fosse um filme do David Lynch.
Essa é a essência da física quântica: ela deixa na clara as limitações da própria intuição humana. Como um amigo meu doutorando em física, o João Lucas Crepaldi, traduziu: “A quântica mostra que a matemática, a racionalidade, ultrapassou a nossa intuição (forjada pela cultura e pela seleção natural). Ela deixa na cara que a perfeição, no sentido platônico da palavra, não nos pertence”.
Durma com isso.