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Ciência

Física quântica: entenda de uma vez – ou não

O mundo quântico é incompreensível por natureza. Lá, as coisas atravessam paredes, se comunicam por "telepatia" e existem em vários lugares ao mesmo tempo. Essa é a parte fácil. Saiba qual é a difícil no texto abaixo – caso ele realmente esteja lá.

Atualizado em 29 mar 2023, 15h23 - Publicado em
13 out 2020
07h43

Texto: Bruno Vaiano | Arte: Carlos Eduardo Hara

O

Prêmio Nobel (e piadista) Richard Feynman disse certa vez: “Se você acha que entendeu a física quântica, é porque você não entendeu”. E ele está certo.

Para saber o que há de ininteligível ali, vamos começar pelo básico: física quântica é o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica. Suas equações mostram, com mais de dez casas decimais de precisão, o comportamento das partículas fundamentais, os tijolinhos indivisíveis que constroem tudo que há no Universo.

Essas partículas formam átomos, que formam moléculas, que formam tecidos e órgãos, que formam você. Uma precisão de dez casas decimais equivale a medir a distância entre Porto Alegre e Natal com a margem de erro de um fio de cabelo. Eis o grau de intimidade com que conhecemos a nós mesmos.

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Esse sucesso espetacular da física quântica foi possível graças a mais de um século de esforços de alguns gênios célebres e uma multidão de pesquisadores desconhecidos do público. Atualmente, o relatório de um único experimento no acelerador de partículas LHC pode ser publicado com mais de 3 mil assinaturas, tamanha a mão de obra necessária para destrinchar os dados.

O Modelo Padrão – que você pode imaginar como uma tabela com os números e características de cada partícula fundamental, e as equações que regem a interação entre elas – talvez seja o maior esforço intelectual coletivo da história da civilização.

Se é assim, por que Feynman considera o mundo quântico ininteligível? Toda graduação em Física dá uma introdução ao tema. Incontáveis tecnologias – lasers, máquinas de ressonância magnética e até smartphones – dependem da mecânica quântica para funcionar. E funcionam. Isso não é entender?

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É e não é. As equações que regem o mundo microscópico dão resultados precisos, mas elas também nos dizem que coisas bizarras podem acontecer: partículas atravessam paredes e se conectam por distâncias imensas. Elas têm posição e velocidade, mas, se você mede um desses dados, elas escondem o outro de você. Um elétron se comporta como onda até ser detectado – quando manifesta seu lado partícula.

Toda essa estranheza é bem descrita pela matemática e foi verificada na prática repetidas vezes. Nós sabemos que é assim. Mas não entendemos por que é assim. O mundo microscópico é uma caixa-preta. Nas próximas páginas, vamos mergulhar nessa escuridão. Tudo começa com a luz.

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Pt. 1 – Os fótons e a luz

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m 1905, Einstein tinha 26 anos e trabalhava em um escritório em Berna, na Suíça, examinando pedidos de patente. Em um intervalo de meses, dedicando-se à pesquisa em física teórica só no tempo livre, publicou quatro artigos científicos revolucionários. Com um deles, fundou a Teoria da Relatividade. Com o outro, chegou a uma das conclusões fundadoras da mecânica quântica. É esse segundo que interessa para nós.

O artigo, baseado em um trabalho anterior de Max Planck, versa sobre um fenômeno chamado efeito fotoelétrico, em que um metal, quando exposto à luz, libera elétrons ao acaso. É assim, diga-se, que os postes de luz da rua sabem que precisam acender quando anoitece: o Sol se põe, e um detector nota que o fluxo de elétrons parou.

Vamos explicar do início. Um átomo é feito de um núcleo compacto envolto em uma nuvem de elétrons. Quando átomos se juntam para formar um pedaço de metal, os elétrons soltam a mão dos núcleos e formam uma só nuvem, que engloba todo o pedaço. Se uma luz incide sobre o metal, ela fornece energia para os átomos ali. Alguns elétrons aproveitam esse shot de Red Bull para pular fora. É daí que vem a corrente elétrica.

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(Bruno Vaiano/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)
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Einstein sabia disso, mas havia um mistério: a luz é uma onda que pode vir em vários comprimentos. Nossos olhos diferenciam esses comprimentos como cores. O vermelho é a onda de comprimento maior; o violeta, a mais curta. Quanto mais curta a onda, maior sua frequência (o número de ondulações por segundo) e maior sua energia. É de se esperar, então, que o violeta, mais vibrante, seja um Red Bull de elétrons mais potente que o vermelho, uma luz de frequência mais calma.

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(Bruno Vaiano/Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)

Teoricamente, deveria ser possível regular essa diferença: se você aumentar muito o brilho da luz vermelha, esse brilho compensa a falta de energia inerente a ela e faz os elétrons pularem. Já uma luz violeta muito fraquinha não deveria ser capaz de libertar nenhum. Porém, na prática, o que se verificou é que nem a luz vermelha mais intensa e ofuscante do mundo dava um peteleco em um elétron. Mas qualquer luz violeta, mesmo a mais suave, conseguia.

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Einstein propôs o seguinte. Suponha que a luz seja formada por pacotinhos de energia indivisíveis, os “quanta de luz” (quanta é “quantos” em latim, o nome também é invenção de Planck). E que uma cor com mais energia, tipo o violeta, tem pacotinhos mais gordos. O elétron só pula fora se ele receber um pacotinho do tamanho violeta. O tamanho vermelho não serve, é magro demais. Quando você aumenta a intensidade da luz vermelha, você está despejando muito mais pacotinhos, mas cada pacotinho ainda vale pouco. É como tentar arrancar um fio de cabelo dando várias puxadinhas em vez de um puxão firme.

Eis um fenômeno que só podia ser explicado considerando que a luz é feita de partículas. Mas o problema é que, ao longo de todo o século 19, os físicos haviam conseguido provas e mais provas de que ela é feita de ondas.

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(Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)
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Em 1801, Thomas Young fez o seguinte experimento. Em uma sala escura, cortou dois buracos retangulares e paralelos em uma placa opaca e acendeu uma luz na frente da placa. A luz “se espremeu” para passar pelas fendas e iluminou a parede lá atrás. Caso a luz fosse feita de partículas, elas percorreriam uma linha reta até a parede e formariam duas faixas de luz claramente discerníveis. Como tinta de spray passando por um estêncil de grafiteiro.

Mas não foi o que ocorreu: a luz formou várias faixas (veja o gráfico abaixo). Isso é porque a luz se comporta como uma onda. Quando a onda se divide para passar pelos dois buracos, emerge do outro lado como duas ondas distintas. Essas ondas interferem uma com a outra. Onde dois picos se encontram, a luz é reforçada. Onde um pico e um vale se trombam, as ondas se cancelam e não há luz. O nome disso é padrão de interferência. Mantenha esse experimento em mente. Ele vai voltar mais para a frente no texto (no gráfico abaixo, você lê um aperitivo do que vem por aí).

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1. O original de 1801
Young fez a luz passar por duas fendas paralelas. As ondas, duplicadas, se reencontram do outro lado e interferem entre si, formando um padrão listrado (as faixas apagadas são onde o vale de uma onda e a crista de outra se cancelam). É a prova de que a luz é onda.

Lembre-se: também há evidência de que a luz é feita de partículas, os fótons. Porém, os fótons sabem que precisam agir como onda: mesmo que você atire um de cada vez, de modo que eles não interfiram um com o outro, o padrão listrado vai aparecer lá atrás.

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2 Privacidade, por favor
E se você colocar um detector nas fendas, para saber exatamente por qual das duas cada fóton individual passa? Aí eles param de se comportar feito ondas e atingem a parede lá atrás em linha reta. A presença do observador tem o poder de mudar o experimento.

O experimento da dupla-fenda deixava pouco espaço para discussão. A luz é uma onda. Tanto é que, para descobrir a energia de cada pacotinho, Einstein multiplicava a constante de Planck chamada “h”, que é o número essencial da descrição quântica do mundo, pela frequência “f”. E = hf. Ou seja: a equação que fornece o dado central sobre a tal partícula de luz depende do número de ciclos por segundo da onda correspondente. Algo unitário como uma bola de bilhar tem um valor em Hertz, como se fosse uma estação de rádio.

Com o passar dos anos, todos começaram a suspeitar que, na verdade, a luz era onda e partícula ao mesmo tempo, e que a chave para descrevê-la de forma bem-sucedida era unificar as explicações. “É da minha opinião”, disse Einstein em 1909, “que o próximo estágio no desenvolvimento da física nos trará uma teoria da luz que pode ser interpretada como uma fusão das teorias de onda e partícula”. Anos depois, em 1927, o dinamarquês Niels Bohr concordou: onda e partícula não eram explicações concorrentes, e sim complementares.

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Pt. 2 – Os elétrons e a matéria

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ohr estava se debatendo com seu próprio dilema quântico: já dissemos que um átomo é um núcleo cercado de uma nuvem de elétrons. Esses elétrons podem ter certas energias, e Bohr notou que elas eram fixas. Um elétron pulava direto de um nível de energia para o inferior ou superior, como se subisse um degrau em vez de escalar lentamente uma rampa. Um jovem físico da nobreza francesa chamado Louis de Broglie percebeu que o jeito como os elétrons pulavam de nível em nível se assemelha à forma uma corda de violão produz notas que são frações umas das outras. 

Suponha que um violão tenha cordas de 1 m de comprimento. Quando você toca a corda, ela vibra com uma onda de um 1 m. Mas outras ondas, com comprimentos que são subdivisões dessa onda maior – como meio metro ou 25 cm –, também se formam na corda. É mais fácil entender isso pensando em Lego. Uma peça com 16 bolinhas ocupa o mesmo espaço que duas de oito bolinhas (2 x 8 = 16) ou quatro de quatro bolinhas (4 x 4 = 16). Ou seja, a corda soa várias ondas mais agudas ao mesmo tempo, os chamados harmônicos, que se encaixam no mesmo comprimento da onda maior, que é a mais grave. 

Baseado nesse raciocínio, de Broglie sugeriu, em 1924, que o elétron e todas as demais partículas agiam como o fóton: meio onda, meio partícula, mas não exatamente uma coisa ou outra. Quando o elétron muda para um nível de energia mais alto, ele está fazendo o equivalente a soar uma nota mais aguda, cuja vibração é mais rápida – e o comprimento de onda, menor. Essas ondas, é claro, não tem nada a ver com som. Um físico austríaco chamado Erwin Schrödinger construiu uma equação capaz de descrevê-las. Ao fazê-lo, ele oficializou a natureza contraintuitiva do mundo microscópico. Foi um sucesso no laboratório, e um caos filosófico.

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Pt. 3 – A equação de Schrödinger

Nunca saberemos a real a aparência de um átomo, pois ele é pequeno demais para ter uma aparência. A ilustração acima mostra as nuvens de probabilidade de elétrons em diferentes níveis de energia. Em português claro: as áreas verdes são as regiões em torno do núcleo do átomo onde há mais chances de um elétron estar. É impossível ter certeza absoluta sobre sua posição. Essas nuvens são regidas pela equação de Schrödinger.
Nunca saberemos a real a aparência de um átomo, pois ele é pequeno demais para ter uma aparência. A ilustração acima mostra as nuvens de probabilidade de elétrons em diferentes níveis de energia. Em português claro: as áreas verdes são as regiões em torno do núcleo do átomo onde há mais chances de um elétron estar. É impossível ter certeza absoluta sobre sua posição. Essas nuvens são regidas pela equação de Schrödinger. (Carlos Eduardo Hara/Superinteressante)
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a mecânica de Newton, as equações tinham uma correspondência perceptível com a vida real: a velocidade de um carro são quantos metros ele percorre em um segundo. Ponto final. Já a equação de Schrödinger descrevia algo pequeno demais para se ver, cuja existência só é verificável indiretamente: um elétron. E aí ficou a dúvida: será que o elétron é, de fato, uma onda – no sentido em que ondas do mar são ondas? Ou será que a matemática típica das ondas serviu bem para descrevê-lo por mera coincidência, mas, na verdade, a equação não diz nada sobre o que o elétron é no mundo real?

Pela primeira vez, os físicos sabiam fazer contas para obter resultados corretos, mas não conheciam o objeto por trás das contas. Era como se uma pessoa soubesse que precisa esperar três pontos de ônibus para chegar ao seu destino, mas não fizesse ideia de que ônibus são veículos sobre rodas com motor a combustão.

Werner Heisenberg e Paul Dirac, dois outros monstros sagrados da física quântica, desenvolveram um pouco antes seus próprios métodos para determinar o comportamento do elétron. E, para agonia geral, usaram ferramentas matemáticas totalmente diferentes das de Schrödinger, que não tinham nada a ver com ondas (mas forneciam os mesmos resultados com a mesma exatidão). Como interpretar a onda, então?

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Foi aí que entrou em campo Max Born. Born elevou a onda de Schrödinger ao quadrado. (Sim, físicos conseguem elevar ondas ao quadrado.) Ao fazê-lo, obteve outra onda, também com seus picos e vales. Então ele sacou que essa onda ao quadrado é uma espécie de gráfico: onde ela é mais alta, é maior a probabilidade do elétron estar. Onde ela é mais baixa, menor a probabilidade do elétron estar.

Façamos um experimento com valores imaginários, só para ilustrar: tranque dez elétrons em dez caixinhas. De acordo com o cálculo de Born, haverá 70% de chance de cada um dos elétrons estar no canto esquerdo e 30% de estar no canto direito. Se você abrir as dez caixinhas, vai verificar exatamente isso: três elétrons num canto, sete no outro.

Newton chorou. Até então, toda a física havia girado em torno da ideia de que, se você tiver todas as informações sobre um carro em movimento no presente, é possível calcular onde ele estará no futuro. Mas, no mundo das coisas pequenas, nos resta apenas uma probabilidade de saber que algo estará em tal lugar. É impossível bater o martelo.

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Um elétron está em vários lugares ao mesmo tempo porque nosso conhecimento sobre ele é limitado? Ou ele de fato é assim?

Calma que piora. Do mesmo jeito que os picos da onda (isto é, a amplitude) nos dizem onde o elétron tem mais chances de estar, o comprimento da onda nos dá informações sobre a velocidade com que o elétron se desloca. O problema é que, se uma onda tem um comprimento estável – oscilando em intervalos regulares, como o mar em um desenho de criança –, então os picos dela são todos iguais. E aí o elétron pode estar em qualquer pico. Ou seja: você consegue descobrir a velocidade do elétron com precisão, mas a onda não diz nada sobre a localização dele.

Por outro lado, se a onda tiver um pico só muito agudo – o que nos dá certeza quase absoluta da posição –, fica impossível saber o comprimento (que é a distância entre dois picos), posto que não há um segundo pico. E aí você não obtém dado nenhum sobre a velocidade. Esse é o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Cada tijolinho que compõe seu corpo está sujeito a ele. A natureza nos nega a capacidade de calcular com precisão absoluta informações básicas sobre as partículas de que nós mesmos somos feitos. Se você sabe bem a velocidade, não sabe bem a posição. Se sabe bem a posição, não sabe bem a velocidade.

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1. Retrato oscilante
Você vê acima, congelada no tempo, uma onda gerada pela equação de Schrödinger. É só um exemplo, várias ondas são possíveis. A onda tem amplitude, que é sua altura, e comprimento, que é sua largura.

2. Escrito na onda
A onda tem vários picos, cada um com uma amplitude. Essa amplitude, ao quadrado, nos dá a porcentagem de chance de encontrar o elétron em uma certa posição. Já o comprimento dá informações sobre o “momento” do elétron (sua velocidade vezes a massa).

3. O Princípio da Incerteza
Se a onda for como o ex. 1 acima, é fácil calcular o momento, mas a posição é incerta: o elétron pode estar em qualquer pico (e estará em todos). Já o elétron do ex. 2 só tem uma posição possível, mas não dá para saber nada sobre seu momento. Eis o Princípio da Incerteza.

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Esse é só o começo. Partículas regidas por uma função de onda (o nome técnico da coisa que acabamos de descrever) são capazes de bizarrices dignas de super-herói. Imagine que um elétron está bem pertinho de uma barreira. E que a onda de probabilidade dele está disposta no espaço de tal forma que uma pontinha dela sai do outro lado da barreira. Qualquer lugar em que a função de onda tem alguma amplitude é um lugar em que o elétron pode estar. Portanto, há uma porcentagem de chance de que o elétron apareça do outro lado da barreira. Esse fenômeno, batizado de tunelamento quântico, parece ficção científica, mas tem uma importância central para a vida na Terra: é ele que faz o Sol brilhar. Entenda no gráfico abaixo.

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O Sol é uma usina de fusão nuclear, em que átomos de hidrogênio se fundem para formar átomos de hélio. O núcleo de um átomo de hidrogênio tem só um próton, o de hélio tem dois. Ou seja: a fusão envolve aproximar dois prótons, que se repelem porque têm carga elétrica positiva. Como aproximá-los? Com o tunelamento quântico.

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Todo átomo tem prótons no núcleo. Eles são todos positivos e, por serem iguais, se repelem. Porém, existe outra força, chamada força nuclear forte, que os mantém juntinhos. Ao contrário do eletromagnetismo e da gravidade, essa força só se manifesta no nível microscópico.

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1. Superando a barreira
Para grudar dois prótons que estão separados, é preciso aproximá-los o suficiente para superar a barreira da repulsão eletromagnética. Assim, a força forte entra em cena e cola os dois. Mas o próton não vai subir esse morro sozinho. Ele não tem essa energia toda.

2. Amigos para sempre
Porém, se a função de onda do próton ficar com só uma pontinha do outro lado da barreira, então há uma chance real de que ele brote do outro lado e forme um hélio com o outro próton. Isso acontece no núcleo do Sol o tempo todo, e permite que ele ilumine a Terra.

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Ainda mais bizarro é outro fenômeno: o do entrelaçamento, que “une” partículas por mágica, mesmo se uma estiver aqui e a outra em Plutão. E dá-lhe mais um gráfico:

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1. Indecisão crônica
Toda partícula fica em uma sobreposição de estados diferentes até que você realiza uma medição e ela “escolhe” um dos estados. Vamos supor dois estados simples e fictícios, o azul e o vermelho. A partícula aí embaixo acabou de ser observada e “optou” pelo amarelo.

2. Namoro à distância
Quando duas partículas estão entrelaçadas, no momento em que uma colapsa e assume o vermelho, a outra imediatamente toma a decisão oposta e assume o azul. Mesmo que elas já tenham se afastado e estejam milhares de anos-luz distantes entre si.

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3. É truque
Einstein e sua turma acreditavam que as partículas já haviam decidido sua cor antes de se afastarem fisicamente, e que portanto, na hora da observação, uma não precisa mandar informação para a outra para elas tomarem a decisão juntas.

4. É verdade
Por sua vez, Bohr e sua turma acreditavam que as partículas realmente se mantêm indecisas até o momento da observação, e colapsam em sincronia apesar da distância entre si. Em 1964, o Teorema de Bell deu evidências a favor de Bohr.

Você já deve estar se perguntando: “Se eu sou feito de partículas que se comportam de maneiras bizarras, então por que é que eu sou um objeto newtoniano e careta, que tem 100% de chance de estar no sofá a qualquer dado momento?” É uma pena decepcioná-lo, mas um ser humano médio é construído por 7 bilhões de bilhões de bilhões de átomos. Sete seguido de 27 zeros. Isso é mais do que a largura do Universo visível medida em metros. É fato que toda partícula está atrelada a um risco inerente de fazer uma maluquice, como atravessar paredes. Mas a probabilidade de que todas partículas do seu corpo façam a mesma piração simultaneamente é irrisória e pode ser desconsiderada. Você nunca vai atravessar uma parede.

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Pt. 4 – Sobre fendas e gatos

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ntão quer dizer que a luz é uma onda que descobrimos se comportar também como partícula. E que o elétron é uma partícula que descobrimos se comportar como onda. Tudo exibe a dualidade onda-partícula. Para piorar, a matemática das ondas descreve satisfatoriamente essa situação, mas existem outros caminhos matemáticos que realizam a tarefa igualmente bem. Diante disso, Niels Bohr e sua turma concluíram que o único jeito honesto de abordar a questão é admitir que não sabemos realmente o que é um elétron – e que a física não deve mesmo se preocupar com coisas impossíveis de verificar. O que importa é que as contas dão certo.

Para entender essa postura filosófica, vamos voltar para o experimento da dupla-fenda. A luz se divide em duas ondas, essas ondas interagem e formam um padrão de interferência, certo? Mas, como De Broglie definiu, os elétrons também agem como ondas. Então, se você realizar o experimento com elétrons, em vez de luz, eles também devem formar um padrão de interferência na parede lá atrás. De fato, é isso que acontece no laboratório. As funções de onda dos elétrons interagem entre si. Eles manifestam sua natureza ondulatória. Mas calma: não acabamos de dizer que na verdade essas ondas são um artifício matemático, que elas não têm existência física?

Então, aqui vem o pulo do gato: mesmo que você atire um elétron de cada vez, eles continuam formando o padrão de interferência. Pense bem no significado dessa afirmação. Esses elétrons não têm como realmente sofrer a interferência de outros elétrons – afinal, estão percorrendo o trajeto sozinhos. Mas, de alguma forma, eles sofrem. É como dizer que houve uma colisão em uma estrada em que há um carro só. Isso acontece porque a função de onda do elétron cruza as duas fendas, se divide ao meio e interfere consigo mesma.

Outra modificação no experimento da dupla-fenda: coloque um detector ao lado das fendas, para descobrir exatamente por qual delas cada elétron passa. Quando isso acontece, eles abandonam o padrão de interferência. Desistem de se comportar como ondas e passam a agir como partículas, que atravessam as fendas em linha reta. Isso acontece por causa de algo chamado colapso da função de onda. Quando você mede um sistema quântico, o sistema “opta” por uma das probabilidades oferecidas pela equação de Schrödinger e descarta as outras. Lembra que a amplitude da onda, ao quadrado, indica a porcentagem de chance de que o elétron esteja em cada lugar? Então: ele escolhe um dos lugares.

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O problema é que a equação de Schrödinger não diz nada sobre o momento do colapso. Não existe consenso sobre o que acontece quando o elétron opta por uma alternativa e descarta as demais. Aqui surgem as interpretações da mecânica quântica. A interpretação mais típica e ensinada é a de Copenhague, associada a Niels Bohr e sua turma (ele era dinamarquês, daí o nome). Foi essa interpretação, grosso modo, que seguimos até aqui: o elétron existe como uma sobreposição de estados, descrita pela função de onda, até ele interagir com o instrumento de medição no laboratório e optar por um estado.

O próprio Schrödinger não gostava nada dessa história. Ele não achava que a natureza funcionasse dessa maneira. Que um elétron de fato não está em um estado definido até que um instrumento o observe. Não é porque a câmera está fora de foco que o objeto lá atrás está realmente borrado. Nossas equações dão uma visão tremulante, mas a realidade microscópica deve ser cristalina.

O gato de Schrödinger não fica vivo e morto simultaneamente. A ideia é justamente ilustrar que isso seria absurdo.

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Para explicar seu ponto, ele usou um exemplo que ele próprio chamou de “ridículo”: trancar um gato numa caixa com um mecanismo radioativo que tem 50% de chance de matá-lo – e então dizer que ele está vivo ou morto ao mesmo tempo até que alguém abra a caixa e veja se ele morreu ou não. É óbvio que, se for para o bichano morrer, ele já terá morrido antes da abertura; o ato de observar não pode decidir isso. Com a metáfora do gato, Schrödinger quis dizer que, quando a matemática afirma que o elétron tem uma certa porcentagem de chance de estar aqui ou ali, na verdade o elétron já está em um desses lugares. Nossa capacidade de previsão que é incompleta.

O felino também se tornou protagonista de um outro debate: será que a função de onda só entra em colapso quando um observador humano consciente abre a caixa? Ou será que o bichano (ou mesmo alguma peça do mecanismo) já conta como observador – e é capaz de tirar a si próprio da suspensão entre a vida e a morte? Para Bohr, estava tudo bem: ele nunca disse que o colapso só ocorre na presença de um ser consciente, embora outros físicos já tenham defendido algo nessa linha. O experimento permanece, porém, como um artifício em discussões mais filosóficas sobre a mecânica quântica, e sinônimo da estranheza do mundo microscópico no imaginário popular.

Enquanto essas dúvidas assombravam vários dos veteranos, as gerações seguintes deram o próximo passo na descrição do mundo microscópico.

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Pt. 5 – A teoria quântica de campos

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ma palavra nem sempre significa a mesma coisa para nós e para um físico. É o caso de “campo”, que definitivamente não é uma pradaria gaúcha. Campo é qualquer coisa que tem um valor em cada ponto do espaço. Imagine uma piscina de 1,80 m de profundidade com a água parada. Se você analisar a superfície da piscina como um campo, dirá que todos os pontos têm o valor de 1,80 m. Esse é o valor de equilíbrio. Quando alguém pula na piscina, gera ondas. Essas ondas fazem a superfície da água oscilar. O campo fica acima ou abaixo do valor de equilíbrio conforme a onda está na crista ou no vale.

Por que estamos falando de campos? Bem: os físicos do século 19 pensavam que a luz era uma onda, e isso você já está careca de saber. Mas o que ondula, afinal? Do mesmo jeito que a onda de água é uma oscilação no campo da piscina, a luz é uma oscilação em um campo eletromagnético. Isso significa que, se a luz é feita de partículas, conforme concluiu Einstein, então esse próprio campo, de alguma forma, pode ser descrito em termos de partículas. Esse se tornou o principal objetivo dos físicos após o sucesso da equação de Schrödinger. Dar um passo além e descrever campos, como o eletromagnético, da perspectiva quântica.

Dirac realizou essa tarefa e, em 1948, Richard Feynman, Julian Schwinger e Sin-Itiro Tomonaga arremataram seu trabalho. Essa espécie de expansão da mecânica quântica ganhou o nome de eletrodinâmica quântica (QED). Na QED, quando duas partículas se repelem ou se atraem por causa de suas cargas elétricas positivas ou negativas, na verdade elas estão trocando fótons. “Fóton”, para deixar claro, é o nome que foi dado depois para os pacotinhos de luz de Einstein, que você já viu aqui. Esses pacotinhos são partículas mensageiras. Telegramas que informam do afastamento ou da aproximação.

A incorporação de campos à física quântica permitiu previsões ainda mais precisas. Da década de 1970 em diante, passou a vigorar a ideia de que toda partícula tem um campo correspondente, e que interações entre partículas são interações entre campos. Do ponto de vista matemático, fótons e elétrons seriam apenas perturbações energéticas nessas teias de extensão indeterminada, que ocupam todo o Universo. Nascia a teoria quântica de campos. E, com ela, um zoológico de novas partículas.

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Pt. 6 – O Modelo Padrão

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té aqui, focamos em fótons e elétrons. Mas eles são só a ponta do iceberg das partículas. O núcleo do átomo, mencionado só de passagem até aqui, é feito de prótons e nêutrons, que por sua vez são feitos de partículas ainda menores, chamadas quarks. Eles vêm em dois tipos principais: o up e o down. Os quarks são partículas tão fundamentais quanto os fótons e elétrons.

Além de um elétron e dois quarks, a receita do Universo leva ainda uma partícula fundamental chamada neutrino – que, como o próprio nome diz, exibe uma magnânima indiferença: neste exato segundo há 100 quatrilhões (um número de 14 zeros) deles atravessando seu corpo sem causar mal ou bem algum a você.

Todas essas partículas têm seus campos correspondentes, e as interações entre elas, como já dissemos, são interações entre os campos. O problema é que, por motivos que os físicos ainda não compreendem, a natureza também contém dois “sósias” para cada uma dessas quatro partículas.

O elétron, por exemplo, vem acompanhado do múon (µ) e do tau (t). Tal como seu irmão mais famoso, eles também têm carga elétrica -1, e muitas outras características idênticas. Passariam por elétrons não fosse um problema: a massa do múon é 200 vezes maior que a do elétron, e a do tau, 3 mil vezes maior.

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O Modelo Padrão é a maior realização da ciência contemporânea. Uma tabela com todas as informações sobre as partículas fundamentais que compõem o Universo. A questão é que cada uma dessas partículas na verdade não é partícula: é uma agitação em um campo correspondente, e esses campos preenchem todo o Universo – inclusive o vácuo.

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Taxonomia
Na tabela acima, você vê as 17 partículas do Modelo Padrão (as partículas não têm essa aparência: elas não tem aparência nenhuma. Nos restou diferenciá-las por cores e formas). Elas não são “feitas” de nada: são flutuações em campos.

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1. Bóson ou férmion?

Os quarks e elétrons (que compõem a matéria) são chamados de férmions. Já o fóton, que é a partícula responsável pela força eletromagnética, é classificado como um bóson, bem como as partículas das outras forças.

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2. O bóson de Higgs

Ele perfaz o campo de Higgs. Esse campo é como uma geleia que permeia o Universo. As partículas que atolam nele ganham massa, as que passam batido são pura energia. É graças a ele que você é feito de algo palpável, mas a luz, não.

O neutrino que você conhece é o neutrino do elétron, mas o múon e o tau também têm seus próprios neutrinos, tão desinteressados em interagir com você quanto os neutrinos tradicionais (Bela Gil diria que “você pode trocar seu neutrino do elétron, por exemplo, por um neutrino do múon”, e pela primeira vez no programa as duas coisas seriam de fato equivalentes para os espectadores).

Os quarks são ainda mais divertidos, pois, em um momento de inspiração excessiva, os físicos batizaram os dois quarks que tinham carga idêntica ao down de strange e de bottom, e os dois parecidos com quark up de charm e de top. O quark top, aliás, é muito top: tem 85 mil vezes mais massa que o quark up, o que o torna a partícula mais pedaçuda do Modelo Padrão.

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Esses nomes não significam nada; são apenas etiquetas. Certa vez, um jovem aluno perguntou ao físico italiano Enrico Fermi o nome de uma partícula e ele respondeu: “Olha, se eu conseguisse lembrar os nomes dessas partículas, teria sido botânico”. Ademais, as partículas mais exóticas só aparecem em situações que alcançam energias extremas, como as colisões de partículas realizadas no imenso acelerador LHC.

Talvez você esteja sentindo falta de alguém. E o fóton? Bem, agora as coisas ficam legais. Lembre-se: o fóton é a partícula mensageira do eletromagnetismo. Mas o eletromagnetismo não é a única força da natureza. No núcleo do átomo, por exemplo, existe a força nuclear forte. Os prótons têm carga elétrica positiva e adorariam se repelir, mas a força nuclear forte os impede de fugir. Também existe a força nuclear fraca, que dá as caras em processos de desintegração do núcleo que liberam radiação.

Essas duas forças têm sua próprias partículas mensageiras, seus meninos de recados: o glúon é o equivalente ao fóton na força forte. A atração entre prótons no núcleo, portanto, pode ser concebida em termos da troca de glúons entre eles. Na força fraca, os bósons W e Z assumem esse papel.

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Pt. 7 – A gravidade e o futuro

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ão abordamos até aqui, a força mais familiar de todas: a gravidade. O motivo é que ela é a pedra no meio do caminho da física moderna. Ao contrário dos demais componentes do Universo, ela não parece disposta a se submeter à abordagem do Modelo Padrão. A relatividade geral concebe o espaço e o tempo como um lençol esticado, e explica que coisas com massa, como planetas e estrelas, afundam esse lençol, fazendo coisas com menos massa (como nós) escorregarem para perto delas. Isso é a gravidade: você está preso à superfície da Terra porque está preso em uma vala que o planeta forma no tecido do cosmos.

Assim, o problema de considerar o campo gravitacional como um campo quântico é que o tecido do espaço-tempo é o próprio palco do Universo. Ele é o cenário em que os campos quânticos de todas as partículas – quarks, elétrons, fótons etc. – dão seu show e constroem o Universo. Transformá-la em um campo quântico é como pegar o piso do teatro e

descrevê-lo como um ator. A teoria quântica de campos é fã do espaço-tempo plano, coloque um planetinha para afundá-lo e as coisas ficam difíceis. Matematicamente, essa incompatibilidade se manifesta na forma de infinitos. A interpretação quântica da gravidade se nega a passar por um procedimento chamado renormalização, que elimina infinitos problemáticos das contas.

Além disso, a gravidade precisaria de sua partícula mensageira. De seu equivalente ao fóton ou glúon: o gráviton, que daria o recado sobre a atração gravitacional. O problema não é só que o gráviton não foi encontrado, mas também que ele é um desafio filosófico. O que significa dizer que uma partícula é mensageira do espaço e do tempo?

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Além da integração esburacada com a gravidade, muitos outros problemas assombram o Modelo Padrão. Um dos mais periclitantes é o dos ajustes finos: ninguém sabe por que a natureza fez cada quark, elétron ou neutrino virem de fábrica com as massas e cargas que têm, e não outras quaisquer. De fato, se essas partículas fossem diferentes, eles interagiriam de outras maneiras e o mundo seria um lugar bem diferente – o Universo inteiro poderia ser só uma maçaroca disforme de energia, por exemplo.

O físico de partículas Freeman Dyson compara essa situação à da tabela periódica no século 19. Os químicos sabiam que cada elemento tinha suas propriedades, e sistematizaram esses elementos em uma tabela. Eles não sabiam, porém, nada sobre a razão do hidrogênio ou do oxigênio agirem assim, e não assado. Décadas depois, a mecânica quântica e a física nuclear forneceram os porquês. O curioso é que Dyson redigiu o texto citado em 1953 (ele morreu em 2020, aos 96 anos) e sua afirmação ainda vale.

O Modelo Padrão já estava saindo do papel naquela época e ganhou a forma atual em 1973. A última partícula prevista lá, o bóson de Higgs, foi observada no LHC em 2012. Ou seja: faz 50 anos que a tabela periódica da física de partículas está provando seu valor, o que é bom – “A ausência de notícias é uma ótima notícia”, resumiu o físico teórico Lee Smolin –, mas isso também significa que não avançamos nas lacunas. Smolin conta que o Modelo Padrão tem 29 parâmetros flutuantes, isto é: números que não têm explicação, mas precisam estar lá para funcionar. E que só uma nova teoria dará conta de explicá-los. Uma teoria que, além disso, colocaria a gravidade no mesmo balaio do eletromagnetismo e das forças nucleares.

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Candidatas a esse posto não faltam. Há alguns anos, só se falava em Teoria das Cordas, um esquema teórico que substitui as partículas fundamentais por minúsculos filamentos vibrantes sob altíssima tensão. Ela têm a vantagem de incluir um filamento correspondente ao gráviton – mas não conseguiu fornecer boas previsões na prática, e o entusiasmo arrefeceu. Atualmente, há muitas outras candidatas a “Teoria de Tudo”. Por enquanto, porém, temos um comportado e bem-sucedido zoológico de partículas. Nas palavras de Bill Bryson: “A Física nada mais é que a busca pela simplicidade definitiva, mas, até agora, tudo que temos é uma espécie de bagunça elegante.”

Fontes: Osvaldo Pessoa Jr., filósofo da ciência, Unicamp; Silvio Chibeni, filósofo da ciência, Unicamp; Nelson Pinto Neto, físico, CBPF; Juliano Neves, físico, UFABC. Consultamos os livros In search of Schrödinger´s cat e Schrödinger’s kittens de John Gribbin, QED: a estranha teoria da luz e da matéria e Física em seis lições de Richard Feynman; A realidade oculta, O Universo elegante e O tecido do cosmo, de Brian Greene; e os canais de divulgação científica PBS Nova e Domain of Science.

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