São 300 Tiriricas com crachá de autoridade
Por menos estado na economia, por austeridade fiscal, pelo fim do uso de ministérios como moeda de troca, que transformou a Esplanada numa comédia de mau gosto, eu votaria sim. Mas “pelos militares de 64″? “Pelo ‘Grande Arquiteto do Universo’”? “Pela minha família”?, “Pelo Coronel Ustra”?, “Pela nação evangélica”? “Pela paz em Jerusalém”?, “Pelo povo […]
Por menos estado na economia, por austeridade fiscal, pelo fim do uso de ministérios como moeda de troca, que transformou a Esplanada numa comédia de mau gosto, eu votaria sim.
Mas “pelos militares de 64″? “Pelo ‘Grande Arquiteto do Universo’”? “Pela minha família”?, “Pelo Coronel Ustra”?, “Pela nação evangélica”? “Pela paz em Jerusalém”?, “Pelo povo da minha linda puta-que-o-pariu?”
Vergonha desse obscurantismo.
Mas uma coisa me deixa feliz, porque houve um momento histórico ontem. Não exatamente o impeachment, já que este nem é o primeiro de uma geração que ainda lembra bem do último. Histórico mesmo foi a população inteira ter passado o domingo ouvindo cada um dos deputados discursar, e então constatarmos todos que ferrou, que a Câmara hoje é uma versão mal roteirizada da Escolinha do Professor Raimundo. Uns 300 Tiriricas com crachá de “autoridade”.
Isso coloca no mesmo barco quem até agora vinha cruzando o mar em naus diferentes.
A minha embarcação é o dos que defendem o seguinte: que a estrada para o bem-estar comum é a do empreendedorismo individual, do livre comércio, do fim das estatais. O outro barco, que eu vejo a bombordo aqui do meu convés, é o que entende o empreendedorismo estatal, em suas diversas formas, como o caminho para a diminuição da desigualdade. O objetivo mais concreto dos dois barcos é o mesmo: exterminar a miséria, promover uma vida digna para a população inteira. Mas as vias são tão díspares que na maior parte das vezes as tripulações dos dois barcos, o da esquerda e o da direita, passam boa parte do tempo atirando bolas de canhão um contra o outro no oceano dos debates.
Mas hoje é um dia especial. A acefalia explícita do congresso uniu os nossos barcos: tornou-se o inimigo comum. Ficou nítido que o grosso do parlamento não representa porcaria nenhuma além da própria família – daí as citações infinitas a cônjuges, mães, filhos. Até porque que o “bem da família” é a grande justificativa para que boa parte deles roube. Temos um congresso de Walter Whites – sujeitos que usam a família como desculpa moral para seus ilícitos.
Não é exagero: dos 108 congressistas mais votados, 40 são investigados pela justiça – entre eles, claro, Eduardo Cunha, o vigésimo mais votado. Um índice de 37%. É como se o Congresso tivesse tantos criminosos de fato quanto o SISTEMA PRISIONAL – caso descontarmos da população de criminosos do sistema prisional quem está ali mais pelo delito de ser preto e pobre do que pela transgressão que realmente cometeu.
Bom, esteja você à direita ou à esquerda, numa coisa nós concordamos: o problema real do país tem mais a ver com boletins de ocorrência do que com folhetins ideológicos. A começar pela ficha suja do próprio grupo que está assumindo o poder, que tem Cunha, um delinquente serial, na “articulação política”.
A solução mais redonda aí seria convocar eleições presidenciais em outubro. Mas, como Temer não consegue votos nem para se eleger deputado por conta própria, as urnas não lhe interessam.
Cabe a nós, então, exigir um novo pleito e um sistema eleitoral mais eficiente, porque não são esses 300 Tiriricas que vão fazer isso.
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Artigo atualizado em 19/04