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Bruno Garattoni

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Vencedor de 15 prêmios de Jornalismo. Editor da Super.
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O voto impresso é uma boa ideia? Entenda a polêmica, e saiba a resposta

O presidente Jair Bolsonaro e alguns deputados querem que as eleições de 2022 tenham voto impresso em papel, com uma impressora conectada à urna eletrônica. Esse sistema já é usado em outros países, e pode tornar o voto mais seguro. Mas seria muito difícil implantá-lo já no ano que vem - inclusive porque ele traz consigo seus próprios riscos

Por Bruno Garattoni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 6 set 2024, 09h31 - Publicado em 15 jun 2021, 14h39

O presidente Jair Bolsonaro e alguns deputados querem que as eleições de 2022 tenham voto em papel, com uma impressora conectada à urna eletrônica. Esse sistema já é usado em outros países, e pode tornar o processo mais seguro. Mas seria muito difícil implantá-lo já no ano que vem – inclusive porque ele traz consigo seus próprios riscos 

O Brasil usa urna eletrônica desde 1996. De lá para cá foram onze eleições, sem grandes problemas técnicos nem acusações de fraude. As urnas têm funcionado bem. Mas, nas últimas semanas, surgiu uma polêmica envolvendo o voto impresso. As pessoas a favor dessa medida, entre elas o presidente Jair Bolsonaro, querem que cada urna eletrônica seja conectada a uma impressora. Assim que o eleitor confirmasse seus votos, a urna imprimiria um papelzinho com eles. A pessoa veria esse papel através de uma janelinha, daria o OK, e o papel cairia dentro de uma urna física, ou seja, um saco lacrado. O eleitor não poderia pegar ou levar o comprovante, e o número do seu título não seria impresso, preservando o sigilo do voto. 

A ideia é que, se o resultado das eleições for questionado, os sacos possam ser abertos e os votos impressos sejam usados para fazer uma recontagem manual. Alguns deputados querem colocar em votação, no Congresso Nacional, uma emenda constitucional para implantar esse novo sistema já nas eleições do ano que vem, 2022.   

Quem é contra a medida diz que ela é desnecessária, pois as urnas eletrônicas são seguras, o novo sistema pode atrapalhar as eleições – já que muitos candidatos derrotados vão pedir recontagens simplesmente para tumultuar as coisas -, e o voto impresso também está sujeito a fraudes (alguém poderia imprimir votos falsos, por exemplo, e tentar colocá-los dentro das urnas físicas). Quem está com a razão? Afinal de contas: o voto impresso é uma boa ideia, ou não é? Vamos por partes.

A primeira coisa que você precisa saber é: essa discussão não é nova. Em outubro do ano 2000, o engenheiro Amilcar Brunazo publicou um estudo questionando a segurança da urna eletrônica – eu escrevi uma reportagem a respeito na Folha de S. Paulo, onde trabalhava na época. O questionamento era exatamente o mesmo de hoje: a urna eletrônica não permite recontagem de votos. E a solução proposta também era a mesma. A impressão do voto, com um papelzinho sendo depositado automaticamente em uma urna física. 

Esse sistema chegou a ser testado nas eleições de 2002. Naquele ano cerca de 19 mil urnas, distribuídas por todos os Estados brasileiros, tinham impressora. Isso dá aproximadamente 5% do total de urnas usadas naquele pleito, 406 mil. E o resultado foi o seguinte: as urnas com impressora deram mais problemas técnicos. No Distrito Federal, onde todos os votos foram impressos, 5,3% das urnas tiveram que ser trocadas no dia da eleição. É um índice de falhas bem maior que o do Brasil como um todo, que registrou defeito em 1,4% das urnas eletrônicas naquele ano. 

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Isso é esperado (a impressora é um aparelho mecânico, com partes móveis, e portanto está mais sujeito a falhas), e não é necessariamente o fim do mundo: se o voto impresso fosse usado mais vezes, com aperfeiçoamento das impressoras e treinamento dos mesários, o índice de problemas tenderia a cair. Tanto é que no segundo turno daquela mesma eleição, em 2002, a taxa de defeitos das urnas com impressora já caiu pela metade, para 2,7%. E a quantidade de problemas nas impressoras em si foi ainda menor, 1,6%. É um índice similar ao registrado nas urnas em geral, sem impressora, que deram defeito em 1,4% dos casos. 

Mas a Justiça Eleitoral encontrou outro problema: no Distrito Federal, onde todas as urnas tinham impressora, 42% das seções eleitorais acabaram tendo que usar o sistema de “voto cantado” no primeiro turno. Esse sistema é adotado quando a urna eletrônica dá algum problema (seja no módulo interno ou na impressora), e os mesários não conseguem substituí-la por outra. Aí a eleição é feita em cédulas de papel mesmo. Ao final da votação, os mesários pegam essas cédulas e leem em voz alta para que outros mesários digitem os votos, um por um, em uma outra urna eletrônica, que esteja funcionando. 

O “voto cantado” é ruim, porque deixa o processo de apuração mais lento e mais perigoso também – já que os mesários poderiam digitar os números de outros candidatos, fraudando a eleição. Segundo a Justiça Eleitoral, as falhas nas impressoras foram o principal motivo de ter que utilizar o voto cantado. Mas peraí, um momento. Se apenas 5,3% das urnas com impressora deram problema, por que motivo 42% das seções eleitorais tiveram de usar o voto cantado? A culpa foi mesmo das impressoras? Os números não batem – e o relatório da Justiça Eleitoral não explica isso. Seja como for, o voto impresso acabou abandonado depois daquele teste em 2002. E, de lá pra cá, o Brasil teve apenas o voto eletrônico. 

Ele é seguro, pois tem uma série de mecanismos de proteção. O software da urna eletrônica foi desenvolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral, e é submetido a dois tipos de auditoria. Periodicamente, ele passa por “testes de integridade”: o TSE permite que especialistas em segurança da informação tentem violar o programa, num ambiente controlado – se encontrarem alguma possível brecha, ela é corrigida. Além disso, seis meses antes de cada eleição, a Justiça Eleitoral permite que os partidos políticos, e especialistas indicados por eles, vistoriem o código-fonte do programa, para se certificar de que está tudo certo. 

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Faltando duas semanas para a eleição, as urnas eletrônicas são “inseminadas”, ou seja, o software é gravado nelas pelo TSE. O programa é assinado digitalmente, e não pode ser alterado – se um mesário tentar instalar outra coisa na urna, como por exemplo um programa de votação hackeado, ele simplesmente não roda. Também não dá para abrir fisicamente a urna sem levantar suspeitas, pois ela é lacrada. Em suma: o voto eletrônico tem um conjunto bem forte de mecanismos de segurança. Mas não é perfeito. Há elementos que, sim, poderiam ser mais seguros. 

A primeira questão é que a vistoria do código-fonte é limitada: o software da urna só pode ser analisado durante um determinado período, por indivíduos e instituições aprovadas pelo TSE. Ele não é como o Linux e outros projetos de código aberto, que ficam disponíveis para consulta por qualquer pessoa, o tempo todo – e, por isso mesmo, acabam se tornando mais seguros, já que são vistoriados e aperfeiçoados por milhares de programadores. O TSE até já cogitou abrir o código-fonte da urna, mas não há previsão de data para isso.   

O outro ponto é que nenhum software, por mais seguro que seja, é totalmente invulnerável. Tecnicamente seria possível, embora difícil, fraudar uma eleição se você conseguisse adulterar o software das urnas. Por isso, entre os países que usam urna eletrônica, a maioria tem algum tipo de comprovante do voto em papel. Foi o que apontou um levantamento feito agora, em 2021, pela Folha de S. Paulo. EUA, Rússia, Bélgica, Índia e Argentina adotam diferentes sistemas de voto eletrônico, mas sempre com comprovante ou cédula de papel. Nos Estados Unidos, por exemplo, há processos diferentes: em alguns distritos, você vota preenchendo uma cédula de papel, que é escaneada na hora; em outros, vota usando uma urna eletrônica, que imprime a cédula e deposita automaticamente numa urna física. Só o Brasil, o Butão e Bangladesh, segundo a pesquisa da Folha, têm voto eletrônico sem comprovante impresso. 

Foto mostrando o sistema de biometria utilizado nas eleições brasileiras.
Urna eletrônica com terminal de biometria, sistema que começou a ser implantado em 2005 (RafaPress/Getty Images)
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O voto impresso não é um retrocesso nem uma substituição à urna eletrônica; ele é um complemento, que pode deixar a eleição ainda mais segura do que já é. Mas só se for implementado da maneira correta. E se alguém tentasse falsificar os votos impressos, por exemplo? Para evitar isso, eles precisam conter algum tipo de autenticação. Poderia ser um QR Code único, gerado automaticamente pela urna a partir de informações como o horário exato de cada voto, com minuto e segundo (como o fraudador não tem acesso a essa informação, não conseguiria reproduzi-la). Mas o sistema de voto impresso que chegou a ser testado no Brasil não tinha essa proteção – que precisaria ser desenvolvida do zero, testada e implantada agora. 

Isso também vale para as impressoras em si. A Justiça Eleitoral teria que criar um novo padrão tecnológico com todas as especificações e mecanismos de segurança, submetê-lo à revisão de especialistas independentes, fazer uma licitação gigantesca e complexa, que envolve até questões de segurança e soberania nacional (empresas estrangeiras poderiam participar, por exemplo?), para então encomendar, receber e testar mais de 500 mil impressoras. 

(A urna eletrônica atual até tem uma impressora, mas ela é de baixa capacidade, pois só é usada para imprimir dois documentos: a “zerésima”, um papel que é gerado de manhã, logo antes da votação começar e mostra que a urna não está com nenhum voto na memória, e o boletim de urna, ao final do dia de votação, com o número de votos que cada candidato recebeu. Essa impressora não conseguiria imprimir, um por um, os comprovantes de todos os votos. Ou seja: para implantar o voto impresso, o TSE precisaria comprar novas impressoras – ou novos modelos de urna, com essas novas impressoras já embutidas.)

A Justiça Eleitoral também precisaria definir normas para os pedidos de recontagem de votos, como é feito em outros países, e aprová-las no Congresso. E treinar pelo menos alguns dos 2 milhões de mesários que trabalham nas eleições. Tudo isso em pouco mais de um ano.

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Parece muito difícil, talvez impossível, passar por todas essas etapas com segurança em tão pouco tempo. Veja bem: com segurança. Pois o processo tem de ser feito com cuidado. Se o sistema de voto impresso for mal desenhado e implementado, ele pode acabar deixando as eleições menos seguras. Se a impressora for externa e não tiver um sistema robusto de autenticação, por exemplo, alguém poderia conectar impressoras adulteradas às urnas, para gerar resultados falsos, causar tumulto nas zonas eleitorais e impedir a votação eletrônica – forçando o uso de cédulas de papel com posterior transcrição pelo tal de “voto cantado”, que é péssimo. Essa é só uma de várias possibilidades que podem se abrir se o sistema for mal projetado. Ele tem que ser bem pensado, debatido e testado – como a urna eletrônica foi.  

Em suma: o voto impresso é uma boa ideia. Ele é usado pela maioria dos países onde há urna eletrônica, e pode deixar a nossa votação mais segura. Mas não para as eleições de 2022. Simplesmente não dá mais tempo de desenvolver, licitar, comprar, testar e implantar todo o hardware e o software envolvidos.

Se o presidente Jair Bolsonaro e sua base no Congresso de fato querem o voto impresso, poderiam ter começado a trabalhar por isso há mais tempo: no dia 1 de fevereiro de 2019, quando os atuais deputados tomaram posse (Bolsonaro entrou um mês antes, em 1 de janeiro). A verdade é essa. Exigir o voto impresso agora, em cima da hora, não vai deixar as eleições de 2022 mais seguras – e pode acabar fazendo, justamente, o contrário disso. 

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