Variante “IHU”, descoberta na França, não é mais contagiosa que a Ômicron – e também não é nova
B.1.640.2 tem ao todo 83 alterações genéticas, sendo 46 mutações e 37 supressões de nucleotídeos; número assusta e ganhou manchetes da imprensa, mas sozinho não significa nada; variante existe desde o começo de dezembro, e até hoje não foi capaz de competir com a Ômicron
B.1.640.2 tem ao todo 83 alterações genéticas, sendo 46 mutações e 37 supressões de nucleotídeos; número assusta e ganhou manchetes da imprensa, mas sozinho não significa nada; variante existe desde o começo de dezembro, e não foi capaz de competir com a Ômicron
Talvez você tenha visto, ou vá começar a ver nos próximos dias, uma série de notícias falando sobre a variante “IHU” do coronavírus, que foi identificada na França e chama a atenção pela grande quantidade de alterações genéticas: nada menos do que 83, sendo 46 mutações e 37 supressões de nucleotídeos (que juntos provocam a troca de 30 aminoácidos e a remoção de 12).
Ela teria sido detectada em 12 pessoas no sul da França, uma das quais havia retornado recentemente de uma viagem a Camarões. A variante, cujo nome oficial é B.1.640.2, ainda não recebeu uma letra grega – pois não é considerada uma “variante de preocupação” pela OMS. A sigla IHU, pela qual vem sendo chamada, significa Institut Hospitalier Universitaire: é o nome do hospital e centro de pesquisas em Marselha onde ela foi identificada.
Ele é dirigido pelo médico Didier Raoult, que em 2020 ficou conhecido por sua polêmica defesa da cloroquina. Os resultados supostamente obtidos por Raoult com o medicamento nunca foram replicados, e ele se envolveu em suspeitas de falsificação de dados.
Apesar desse pedigree questionável, a variante IHU de fato existe. Mas pode não ser a ameaça que as manchetes mais alarmistas sugerem. Em primeiro lugar, o número de mutações/supressões em si não significa nada. Ter mais alterações genéticas não é necessariamente uma vantagem para o vírus; o que importa é a ação de cada uma delas e o resultado conjunto.
Além disso, a IHU não é nova. Ela foi denominada no começo de dezembro, e é uma sublinhagem da variante B.1.640, identificada em setembro (o que é novo é o artigo científico que a descreve, publicado dia 29 de dezembro). Isso significa que as duas variantes, IHU e Ômicron, coexistiram por pelo menos um mês (a Ômicron foi descoberta em 25 de novembro).
Durante esse período, enquanto a Ômicron ganhava o mundo – ela já responde por 95% dos novos casos de Covid nos EUA, e caminha para se tornar dominante em todos os outros países -, a IHU não conseguiu se espalhar de forma significativa. Portanto, não há indícios de que seja mais contagiosa do que a outra; pelo contrário.
Isso não significa, necessariamente, que a IHU seja irrelevante e esteja fadada ao desaparecimento. Ela pode vir a se espalhar mais amplamente no futuro (a variante Delta, por exemplo, teve um longo período quase totalmente restrita à Índia antes de se tornar dominante no mundo). Mas não é a ameaça clara e imediata que o noticiário mais superficial pode dar a entender.