Pangeia não foi o primeiro supercontinente – e não será o último
Columbia, Rodínia, Gondwana. Esses são só alguns dos grandes continentes do passado. Saiba como eles se formaram – e como será o próximo supercontinente.
Este é o décimo sétimo texto do blog Deriva Continental, escrito por Fernando F. Alkmim.
“É verdade que aqui já foi fundo de mar?”. Como professor de Geologia, recebo essa pergunta com frequência. Se, nessas situações, percebo um interesse real de diálogo, começo assim a conversa: “Primeiramente, temos que levar em conta que aqui não era aqui”.
Quase sempre percebida como algo desconcertante ou mesmo provocativo, esta afirmação só pôde ser feita com certeza científica a partir dos anos 1970. Foi somente no decorrer daquela década, com a consolidação da Teoria da Tectônica de Placas, que ficou definitivamente provado que não há pontos fixos nosso planeta. Tudo está à deriva. Continentes e oceanos movem-se continuamente, ainda que com velocidades de apenas alguns centímetros por ano.
A Terra possui um revestimento sólido e rígido, mas ele não é íntegro. Chamado de litosfera, este revestimento é segmentado em várias peças, semelhante aos gomos de uma bola de futebol – só que com formas, tamanhos e constituições totalmente desiguais. Essas peças (que têm espessura média de 100 km) são as placas litosféricas.
Em constante movimento, a maioria das placas litosféricas possui uma parte espessa e relativamente mais leve, que corresponde aos continentes. Uma outra parte, mais delgada e densa, forma o substrato dos oceanos.
A litosfera oceânica recicla-se continuamente. Ela é mais densa que o material viscoso sobre o qual se assenta, chamado astenosfera. Ela se forma por atividade vulcânica nas dorsais oceânicas e afunda em longas fossas para ser, então, consumida no interior da Terra.
Já a parte continental das placas (a litosfera continental) flutua sobre a astenosfera. Por ser relativamente mais leve, não pode ser consumida no interior terrestre. Os continentes são, então, condenados a derivar pelo globo terrestre – e assim fazem desde que começaram a se individualizar na Terra primitiva.
Supercontinentes e seu ciclo
A convergência científica que levou à Teoria da Tectônica de Placas teve como hipótese fundadora a Deriva Continental, que preconizava o movimento dos continentes. Ela foi apresentada à comunidade científica pelo meteorologista alemão Alfred Wegener em 1912 e previa que, no passado, todos os continentes atuais estavam reunidos em uma terra única, o supercontinente Pangeia. Ele estava circundado pelo superoceano Pantalassa.
Passados mais de 60 anos da divulgação e oposição quase unânime às ideias de Wegener, ficou finalmente demonstrado que não somente os continentes e tudo mais sobre a Terra se move, mas também que, há 260 milhões de anos, praticamente toda a massa continental existente reuniu-se na Pangeia. Este supercontinente permaneceu íntegro por aproximadamente 90 milhões de anos. A sua fragmentação, que resultou nos continentes atuais, iniciou-se no período Jurássico, com a geração de novos oceanos e consumo progressivo do Pantalassa.
Conhecidas a dinâmica e a idade de 4,51 bilhões de anos do nosso planeta, poderíamos nos perguntar: existiram outros supercontinentes antes da Pangeia? Sabe-se hoje que a Pangeia foi precedida por duas outras reuniões mais de 75% da massa continental, além de algumas aglutinações de continentes relativamente grandes.
Contatou-se, além disso, que estas reuniões são cíclicas. Hoje, fala-se do ciclo de supercontinentes, caracterizado por aglutinações que perduram entre 80 e 200 milhões de anos, alternadas por períodos deriva até nova reunião, os quais se estendem por aproximadamente 500 milhões de anos.
Uma vez caracterizado, verificou-se que o ciclo de supercontinentes teve enorme impacto na dinâmica das esferas interiores e exteriores do sistema Terra, incluindo a biosfera.
Reconstruindo supercontinentes
A reconstrução da Pangeia não parece ter sido uma tarefa muito difícil para Wegener. Bastou-lhe ousadia científica e constatação da grande similaridade geológica dos continentes hoje separados pelos oceanos. Além de, claro, a congruência entre os traçados em mapa das suas linhas de costa – fato que já havia chamado a atenção de vários outros cientistas que lhe antecederam.
A reconstrução de supercontinentes anteriores à Pangeia não é, todavia, uma tarefa simples, e torna-se cada vez mais complexa à medida que retrocedemos no tempo.
Sabemos da existência de outros supercontinentes graças às aglutinações e dispersões que deixaram pistas na forma de grandes edifícios geológicos, tais como cadeias de montanhas e bacias sedimentares, além da formação de novas rochas e transformação de rochas pré-existentes. O grande problema das reconstruções é a determinação das posições relativas das várias peças do quebra-cabeça, uma vez que elas se encontram muito modificadas e seus contornos não mais se encaixam.
Para este fim, os geocientistas dispõem de múltiplas ferramentas, como os métodos geocronológicos, que possibilitam a determinação de idade das rochas, e o paleomagnetismo, que permite, por meio do estudo do magnetismo preservado em determinados minerais, determinar a latitude da placa que os contém, ao tempo de sua formação. Mesmo assim, muitas das reconstruções publicadas ainda são, em grande parte, carentes de testes e confirmações.
Os continentes primitivos
Todos os continentes contêm núcleos muito antigos, preservados das grandes transformações que seus hospedeiros experimentaram ao longo de mais de dois bilhões de anos de deriva e colisões. São os chamados crátons. Um grupo de geocientistas verificou, entre grupos de crátons, notáveis similaridades na natureza e idades das rochas de que são formados. Propuseram, então, a existência de famílias de núcleos continentais que, provavelmente, formaram continentes de dimensões consideráveis em tempos muito remotos.
São eles os seguintes:
- Vaalbara: de 2,9 bilhões de anos, reuniria o Cráton do Kaapval, que hoje se encontra na África do Sul, com o Cráton de Pilbara, hoje no extremo noroeste da Austrália;
- Superia: de 2,7 bilhões de anos, englobaria os crátons Superior, Wyoming e Hearne da América do Norte, além da Provincia Kola-Karelia do leste Europeu;
- Sclavia: de 2,6 bilhões de anos, incorporaria os cráton Slave, da América do Norte, e de Dharwar, da Índia.
Dentre outras configurações propostas para os primeiros continentes, a mais arrojada é a que sugere a existência, já há 2,5 bilhões de anos, de um supercontinente: a Protopangeia. Nela estariam reunidos praticamente todos os núcleos continentais antigos.
Columbia, o primeiro supercontinente
Estima-se que, há 1,7 bilhões de anos, o volume dos continentes tenha atingido 85% do seu total atual. E foi neste tempo que, segundo a concepção de vários autores, esteve reunido o primeiro supercontinente.
Chamado originalmente de Nuna (palavra com a qual os povos primitivos da região ártica nomeiam suas terras), ele ficou posteriormente mais conhecido como Columbia. Com desagregação iniciada por volta de 1,5 bilhões de anos, vários são os arranjos de antigas placas postulados para sua constituição. Um deles é mostrado abaixo, que destaca a posição dos núcleos continentais antigos do São Francisco, Amazônico e Rio de la Plata, os quais mais tarde vieram integrar a América do Sul e se expor no território brasileiro.
Rodínia, o segundo supercontinente
Desencadeada por artigos publicados no início dos anos 1990, a pesquisa acerca da existência de um supercontinente formado há um bilhão de anos e – completamente desagregado há 750 milhões de anos – ganhou enorme impulso nos anos seguintes.
A reconstrução de Rodínia (palavra da língua russa que significa “terra mãe”) e a investigação das implicações da sua existência para a evolução da Terra mobilizaram geocientistas em todo o mundo. Devido às incertezas inerentes aos métodos disponíveis, existem inúmeras configurações propostas para este antecessor da Pangeia.
A figura abaixo, onde novamente se destacam as posições dos núcleos continentais antigos formadores do território brasileiro, mostra uma das reconstruções sugeridas para Rodínia.
Gondwana, uma grande reunião antes da Pangeia
Várias placas produzidas a partir da fragmentação e dispersão de Rodínia voltaram a se reunir para formar um grande continente, o Gondwana. Ele chegou a sua montagem final há, aproximadamente, 550 milhões de anos.
Na sua constituição, entraram todos os continentes que hoje se encontram no hemisfério sul. O seu nome (cunhado no século 19 por um dos maiores geocientistas de todos os tempos, o austríaco Edward Suess) significa “terra ou floresta dos gonds”, região da Índia onde foram encontrados fósseis indicativos dessa terra.
Mais tarde, Gondwana encontra a Laurásia, e juntas elas passam a constituir, respectivamente, as partes meridional e setentrional da Pangeia, separadas pelo mar de Tethys primitivo (ou Paleotethys), como mostrado abaixo.
A parte do continente sul-americano correspondente ao território brasileiro tem uma enorme herança gondwânica em sua genealogia. O “berço esplêndido” do Brasil foi construído durante a formação do Gondwana, quando placas continentais desgarradas de Rodínia (juntamente com outras então errantes) convergiram e colidiram.
Dentre estas placas, destacam-se a Amazônica, a do São Francisco-Congo e do Rio de la Plata, que viemos perseguindo desde os tempos de Columbia. As colisões entre elas aconteceram entre 630 e 520 milhões de anos atrás, durante o Evento Brasiliano – chamado assim justamente por ter sido o formador do substrato do território brasileiro.
No seu transcurso, edificaram-se os sistemas montanhosos que hoje correspondem às terras altas do Brasil. Posteriormente, durante a residência no Gondwana, formaram-se as grandes bacias sedimentares do território brasileiro, como as do Paraná, do Solimões, do Amazonas e Paranaíba, além de uma série de outras feições geológicas de grande escala. A ruptura do Gondwana, então incorporado na Pangeia, deu origem ao Oceano Atlântico e às várias bacias sedimentares das costas equatorial e leste do Brasil.
E o próximo supercontinente, como será?
Tendo por base o ciclo de supercontinentes, alguns cientistas já especulam como deverá ser a configuração da Terra no futuro. Umas destas prospecções prevê que, daqui 50 a 200 milhões de anos, um novo supercontinente surgirá. Seria a “Amasia”, que tem como elemento central a conexão entre a América do Norte e a Ásia.
Em uma construção mais bem fundamentada e acompanhada de notável animação computacional, o pesquisador Christopher Scotese da Northwestern University, EUA, prevê a aglutinação, daqui 250 milhões de anos, do supercontinente chamado “Pangaea Proxima”, assim denominado por sua semelhança com a Pangeia.
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