5 situações que mostram o machismo no mundo da ciência
Por Priscila Bellini
Há mais comentários machistas na ciência do que supõe nossa vã filosofia. Se você ainda acreditava em um campo mais aberto, pautado pela racionalidade e pela neutralidade, as notícias não são boas. Infelizmente, tem muito cientista por aí falando abobrinha e querendo discriminar as mulheres. Relembre alguns dos casos de machismo na ciência.
1. “Três coisas acontecem quando as mulheres estão no laboratório…”
Só pelo começo da frase, dá pra adivinhar que Tim Hunt, ganhador do Nobel de Medicina em 2001, tem potencial para o prêmio de Comentário Babaca da Semana. Segundo o bioquímico, as complicações são as seguintes: “você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você ou, quando você as critica, elas choram”. A pérola foi dita em plena Conferência Mundial de Jornalismo Científico, em Seul, na Coreia do Sul, e não parou por aí. Hunt ainda comentou que era a favor de que os laboratórios fossem separados para homens e mulheres.
Realmente, a gente imagina o quão problemática era a presença de Maria Curie, a única a receber o Nobel em duas áreas científicas distintas. Não à toa, Tim Hunt virou alvo de piada, com a hashtag #distractinglysexy. E ainda tentou se justificar dizendo que “só estava tentando ser sincero”.
Segundo uma reportagem da BBC, Hunt disse que se arrependeu do que disse, mas que é mais ou menos isso mesmo que ele pensa. É que ele já se envolveu com colegas de trabalho e acha que isso atrapalhou suas pesquisas. Coitado. Com a repercussão do caso, Tim Hunt “pediu demissão” do cargo que ocupava na University College of London (UCL). A instituição deu um jeito de se livrar da mancada do cientista. Foi divulgada uma nota dizendo que os comentários do bioquímico eram incompatíveis com a missão da UCL de promover a igualdade de gêneros.
Rosalind Franklin, biofísica britânica que descobriu o formato helicoidal do DNA, obviamente tentando fazer com que algum colega se apaixonasse por ela no laboratório
2. A camisa de Matt Taylor
O cientista britânico Matt Taylor ganhou destaque por ser um dos responsáveis por pousar a sonda Philae em um cometa. Mas, quando foi falar sobre o assunto numa coletiva de imprensa, vacilou. Na hora de escolher o visual para a entrevista, optou por uma camisa cheia de figuras femininas em poses sexy, seminuas… Em resumo, estampada com várias mulheres objetificadas. Ele recebeu uma enxurrada de críticas, e, depois, pediu desculpas.
Marie Curie, física e química polonesa que ficou conhecida por seus trabalhos sobre radioatividade, não ficaria nada feliz vendo uma camiseta dessas
3. “Seria recomendável colocar um ou dois autores homens no estudo”
Submeter os trabalhos para a análise de uma publicação faz parte do caminho para dar visibilidade às pesquisas científicas. Justamente nessa etapa, a geneticista Fiona Ingleby, que cursa pós-douturado na University of Sussex recebeu um feedback inusitado, que inclui a frase que dá título a este item, de um revisor anônimo da PLOS ONE. A razão (se é que existe alguma) por trás da avaliação seria evitar “interpretações que desviem muito das evidências empíricas, levando a conclusões ideologicamente enviesadas”. Outra justificativa seria a maior eficiência “natural” dos homens. A revista pediu desculpas publicamente, eliminou as críticas machistas ao trabalho e o encaminhou para outro revisor. O autor dos absurdos foi demitido.
Mária Telkes, biofísica húngara que inventou o gerador e o refrigerador termoelétricos, daria um risinho só de ouvir esses comentários
4. “É genética”
O ex-reitor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Lawrence Summers, mandou essa quando questionado sobre a presença escassa de mulheres em lugares de destaque na ciência. Podia ter lembrado do assédio frequente em trabalhos científicos de campo? Podia. Podia falar sobre a quantidade de mulheres que foi deixada de lado pela ciência exclusivamente por ser mulher? Podia, também. Mas preferiu alegar que era mera genética e, quando criticado, dizer que pretendia “provocar”.
Rachel Carson, bióloga americana que revolucionou o movimento conservacionista , também não resiste à piada pronta no comentário de Summers.
Bônus: Efeito Matilda e Efeito Matthew
Já se perguntou sobre o porquê de poucos nomes femininos nos livros didáticos e nas pesquisas? Pois isso já foi identificado como um fenômeno bastante comum e chamado de “efeito Matilda”, criado em homenagem à sufragista Matilda Joslyn Gage. Foi ela quem percebeu antes de todo mundo que as contribuições de mulheres para o meio científico costumam ser atribuídas a homens, diminuídas ou até apagadas da História.
Por outro lado, o chamado “Efeito Matthew” descreve como os homens em campos ligados às ciências são mais valorizados (até mais do que deveriam), em especial se eles já forem famosos. O nome “Matthew” vem da Bíblia. O versículo 29 do capítulo 25 do Evangelho de Mateus, do Novo Testamento, diz o seguinte: “Porque a todo o que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, até aquilo que tem ser-lhe-á tirado”. Mas talvez fique mais claro se você se lembrar de um verso famoso da música popular brasileira, que tem o mesmo sentido: “O motivo, todo mundo já conhece: é que o de cima sobe e o de baixo desce.”.
Esse tipo de comportamento reforça os papéis de gênero que já aparecem em todas as áreas e, portanto, apagaria cada vez mais as referências femininas.
Imagens: Wikimedia Commons