Aprender outra língua muda a forma como você enxerga a realidade
Por Fabio Marton A língua que falamos modifica como vemos o mundo. Antes de se tornar famoso – e completamente ilegível sem quatro anos de treino – o filósofo Martin Heidegger afirmou que só era possível filosofar em grego ou alemão. (A frase até virou letra de Caetano Veloso, mas preferimos não incomodar o guru […]
Por Fabio Marton
A língua que falamos modifica como vemos o mundo. Antes de se tornar famoso – e completamente ilegível sem quatro anos de treino – o filósofo Martin Heidegger afirmou que só era possível filosofar em grego ou alemão. (A frase até virou letra de Caetano Veloso, mas preferimos não incomodar o guru máximo da nação sobre o assunto.)
Aqui, retratado a caminho de se tornar um avatar de Lorde Shiva
Havia um pouco de exagero, vamos dizer… patriótico em Heidegger. Mas é cientificamente comprovado que, ao menos em alguns detalhes, o que você fala muda o que você pensa – e enxerga. Por exemplo, um estudo revelou que os russos conseguem distinguir entre tons de azul mais facilmente que os falantes de inglês (e, provavelmente, os de português também) porque eles têm duas palavras diferentes para azul claro e azul escuro.
Putin pode não gostar, mas o arco-íris russo tem mais cores. A questão é: será que é possível ganhar essa percepção mutante russa do azul? Talvez sim: basta aprender russo.
O psicolinguista Panos Athanasopoulos, da Universidade de Lancaster (Reino Unido) fez um estudo testando as diferenças entre os falantes de inglês e alemão. O pulo do gato foi que ele também testou quem havia aprendido a outra língua. “Podem duas mentes diferentes conviver na mesma pessoa?”, perguntou, em entrevista à ScienceMag.
O teste consistiu em mostrar vídeos a alemães e ingleses. Um deles tinha uma mulher que andava pela rua até chegar a um carro estacionado. O segundo mostrava a mesma mulher entrando num prédio. O terceiro, ela simplesmente andando. Os pesquisadores então perguntaram: qual cena se parece mais com a primeira? 40% dos alemães disseram que entrar no prédio era parecido com andar até o carro, enquanto apenas 25% dos ingleses deram essa resposta.
Isso quer dizer que os alemães tendem a ver contexto onde os ingleses não. Por isso, mais deles dizem que o vídeo que mostra uma mulher andando em direção a um carro – que é uma cena ambígua, pode ou não ser o carro dela – é mais parecido com a cena com propósito (entrar na loja) que a que não tem propósito (a mulher apenas andando).
O mesmo teste foi aplicado a alemães bilíngues, em duas situações. Em uma delas, o teste foi aplicado em inglês, na Inglaterra. Na outra, em alemão em sua terra natal. E aí está a descoberta de Athanasopoulos: quando os alemães respondiam em inglês, os resultados eram idênticos aos dos ingleses. Quer dizer que, quando você aprende uma língua, pode torna-se capaz de pensar com a “mente” estrangeira.
O estudo não menciona, mas tem um jeito mais simples de pensar como um alemão
Existe uma explicação para a diferença. A língua inglesa tem tempos verbais como o pretérito contínuo. É diferente dizer, por exemplo, I was going home and a capybara bit me versus I’ve gone home and a capybara bit me. (A tradução é “Estava indo pra casa e uma capivara me mordeu” versus “Fui para casa e uma capivara me mordeu” – o pretérito contínuo não é ensinado na escola, mas também existe, na prática, no português do Brasil.)
O alemão não tem isso. Eles precisam de mais palavras para definir uma mesma situação. Em outros testes, vendo uma cena simples de um sujeito andando na rua, os alemães tendem a descrever todo um contexto. Eles dizem “Um homem saiu de casa e anda para a loja”, enquanto os ingleses se contentam com “O cara está andando” – porque existe em inglês o “está andando”.
Em resumo, aprender uma língua pode ensinar a você toda uma nova mentalidade – sem que você perca os poderes do português. Pense nisso na próxima vez que torcer o nariz para a loja do Jorjão Big Dog’s & Burger’s of Torresmo que abriu na esquina.