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IgM ou IgG? Tire todas as dúvidas sobre anticorpos e os testes de covid-19

Entenda o funcionamento do sistema imunológico humano – e o que as imunoglobinas que defendem seu corpo têm a dizer sobre a infecção pelo novo coronavírus.

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 5 set 2024, 09h07 - Publicado em 10 jul 2020, 15h40

Os testes de anticorpos para covid-19 estão confundindo a internet. Afinal, o que significam as siglas IgM e IgG? Como se deve interpretar a presença ou ausência de cada um desses anticorpos no sangue de um paciente? Quem já pegou a doença está realmente imunizado? Para responder a essas e outras questões, a SUPER conversou com a microbiologista Natalia Pasternak, pesquisadora colaboradora da USP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC).

O primeiro passo é entender, em linhas gerais, como funciona o sistema imunológico humano. (Se você, caro leitor, quiser pular a explicação introdutória e ir direto para a interpretação dos resultados dos testes, é só rolar a página até o final. Seria uma pena: o sistema imunológico é uma dos artefatos mais fascinantes criados pela seleção natural – ao conhecê-lo, você vai entender como você sobreviveu a todas as vezes em que comeu areia ou lambeu o chão quando era bebê).

Nossas defesas se organizam em dois grupos de células: as inatas e as adaptativas. As inatas são as primeiras a entrar em ação quando surge uma ameaça como um coronavírus – os soldados rasos, que seguram a bronca enquanto o corpo monta uma estratégia. Por sua vez, as adaptativas formam a tropa de elite.

Vamos começar com as inatas. As mais conhecidas são os macrófagos. “Macrófago” significa, ao pé da letra, “comilão”. É a junção das palavras gregas makrós (“grande”) e phagein (“comer”). Eles são bolinhas flexíveis de 0,02 mm capazes de englobar e digerir qualquer coisa: micróbios, células mortas do próprio corpo, células potencialmente cancerígenas e até substâncias inorgânicas. O pigmento de uma tatuagem passa o dia sendo engolido e regurgitado por macrófagos.

O segredo dessa versatilidade está em certas proteínas que eles carregam, chamadas receptores do tipo Toll. Essas proteínas são como buracos de fechadura. Se rola um encaixe, os macrófagos são ativados. A chave correta, nesse caso, são pedacinhos de molécula que muitos vírus, bactérias e outras ameaças exibem, mas que não existem normalmente em nós. Por exemplo: alguns vírus têm RNA de fita dupla, humanos não têm. Bactérias têm uma proteína chamada flagelina, humanos não têm.

É um sistema simples. Como um antivírus gratuito que protege o PC de algo que você pode pegar baixando um filme pirata, mas não daria conta de um hacker do governo russo. E algumas bactérias são hackers mesmo: a da pneumonia, por exemplo, é protegida por uma cápsula que impede a deglutição pelo macrófago; já a da tuberculose se deixa deglutir de propósito, e então arma acampamento no interior dele.

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É por isso que as células do sistema inato apresentam as ameaças para suas superiores hierárquicas, do sistema adaptativo. Elas são chamadas linfócitos.

Ao contrário dos macrófagos e afins, que usam os receptores versáteis do tipo Toll, cada linfócito tem apenas um receptor, capaz de detectar um único antígeno. Você tem milhões de linfócitos aí dentro. E não existem dois iguais.

O objetivo dessa aleatoriedade é o seguinte: se cada um deles tem um buraco de fechadura especializado em uma chave diferente, são grandes as chances de que, independentemente de qual ameaça adentre o seu organismo, haja um linfócito ideal para tentar combatê-la, por mais extraterrestre que ela seja.

Os linfócitos T CD4, chamados auxiliares, são os mais importantes. Quando uma célula do sistema inato chamada dendrítica engole uma ameaça – seja ela um vírus, bactéria ou câncer –, ela vai até os linfócitos e apresenta um pedacinho da ameaça a eles, um por um, até encontrar um linfócito com o encaixe ideal para iniciar o combate. Quando esse linfócito magia é encontrado, ele começa a se multiplicar e forma um exército de clones. Além disso, ele corre para ativar dois de seus funcionários, os linfócitos B e T CD8.

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É só agora que os anticorpos entram em cena. Os anticorpos são proteínas produzidas pelos linfócitos B, feitas sob medida para grudar na ameaça em questão (no caso, um coronavírus). O anticorpos fazem o equivalente a algemar o vírus, para impedi-lo de aderir à parede das células do pulmão e infectá-las. Outros anticorpos são como etiquetas que sinalizam o vírus para que os macrófagos possam identificá-lo e fagocitá-lo com mais eficiência.

Os primeiros anticorpos fabricados são as Imunoglobinas do tipo M (IgM). Só depois entram em cena as imunoglobinas do tipo G (IgG). “Quando corre tudo dentro da caixinha, você tem primeiro apresenta uma reposta de IgM e depois ele é gradualmente substituído pelo IgG”, explica Natalia Pasternak. Dependendo do agente infeccioso e da maneira como seu corpo responde a ele, o período de produção de IgM pode ser de alguns dias ou de algumas semanas. Não há uma regra. 

Com isso em mente, ficou fácil concluir que há quatro resultados possíveis para um teste de IgM e IgG específicos para o coronavírus da covid-19. Vamos passar por cada um deles.

IgM e IgG negativos

Há duas hipóteses. A primeira, e mais óbvia, é que você nunca tenha sido infectado pelo novo coronavírus. Mas também existe a possibilidade de que você tenha acabado de ser infectado – e ainda não tenha dado tempo do seu sistema imunológico adaptativo entrar em ação. O processo de buscar o linfócito correto e ativá-lo leva aproximadamente oito dias. Em outras palavras, pessoas que estão exibindo sintomas há poucos dias podem estar com a doença sem exibir anticorpos.

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IgM positivo e IgG negativo

Sinal de que o indivíduo contraiu o vírus recentemente. Mas é impossível saber se ela está transmitindo ou não o dito-cujo para outras pessoas. Para isso, é preciso usar algum outro método de diagnóstico que detecte o vírus em si, e não os anticorpos produzidos em resposta a ele. Faça o teste em um laboratório. Testes de farmácia não são confiáveis. 

IgM e IgG positivos

O sistema imunológico já passou pela reação inicial com os anticorpos IgM e partiu para a próxima etapa, com os anticorpos IgG. Sinal de que o paciente já está infectado há algum tempo. Novamente, é impossível dizer se você está transmitindo o novo coronavírus ou não – os testes de anticorpos medem apenas a reação do seu corpo à covid-19, e não sua capacidade de transmiti-la.

Nessa altura do campeonato, a memória do vírus provavelmente já está armazenada em linfócitos B especializados, que funcionam como bibliotecários. São elas que vão pegar o Sars-CoV-2 com a boca na botija caso ele tente atacar você novamente. Quando sua mãe diz que você “criou imunidade”, ela quer dizer que você agora tem células B especialistas em reconhecer um certo vírus, bactéria ou outro patógeno qualquer.

Perceba que o número de anticorpos IgG não diz nada sobre a sua imunidade de longo prazo. A memória do vírus não fica armazenada nos anticorpos. Eles saem de cena eventualmente. Na verdade, a ficha do vírus fica arquivada nos tais linfócitos bibliotecários que nós já mencionamos. Se seu corpo for atacado novamente, basta esse linfócito ordenar a fabricação de novos anticorpos.

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IgM negativo e IgG positivo

Ufa. O pior já passou e você provavelmente está imune ao vírus. Nós dissemos provavelmente: é sempre bom reforçar que a covid-19 é uma doença nova. Não sabemos muito sobre a memória imunológica em longo prazo. Seja como for, essa é uma ótima notícia.

A tabela acima está disponível neste link para os leitores que tiverem qualquer dúvida – ela foi feita pela própria Natalia em parceria com Maurício Nogueira, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).

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