Não, provavelmente não seremos extintos
Num clima de ceticismo, alardear o apocalipse absoluto é contraproducente Cenas do Antropogeno: devastação na Amazônia [Alberto Cesar – Greenpeace – HO/AP] Por Fábio Marton As más notícias sobre a grande extinção causada pelos seres humanos fizeram muita gente entender que isso significa o fim da linha para nós. Lá atrás, nos idos de […]
Num clima de ceticismo, alardear o apocalipse absoluto é contraproducente
Cenas do Antropogeno: devastação na Amazônia [Alberto Cesar – Greenpeace – HO/AP]
Por Fábio Marton
As más notícias sobre a grande extinção causada pelos seres humanos fizeram muita gente entender que isso significa o fim da linha para nós. Lá atrás, nos idos de 2010, o cientista australiano Frank Fenner já dizia que não passamos de 2100. O ecologista Paul Ehrlich, parte do estudo que calculou que espécies estão sendo extintas 100 vezes mais rápido que o normal, disse que estamos na frente da fila nesta sexta grande extinção. E ninguém menos que Stephen Hawking acredita que estamos no fim da linha, ainda que com um prazo bem mais generoso: mil anos.
A arte da apocalipselogia
Com todo o respeito, é provável que esses cientistas estejam sendo muito otimistas(do ponto de vista do resto das espécies). Essas afirmações não partiram de estudos voltados especificamente à nossa extinção – uma verdadeira “apocalipselogia” teria que considerar, além de ecologia, fatores como economia, história, antropologia, geopolítica, demografia, epidemiologia, guerra e até agronomia.
Ehrlich é o mais próximo de ser um especialista, mas seus resultados ficaram algo a dever. Há mais de 40 anos ele vem prevendo que vamos morrer de uma forma outra: em 1968, a causa seria a fome global causada por superpopulação, que ia destruir centenas de milhões nas duas décadas seguintes. Não rolou: a fome diminuiu desde então. Daí ele começou a falar em apocalipse nuclear, que também meio que saiu de moda e esperamos que continue assim.
Por mais que evitar, ou ao menos remediar, uma catástrofe ambiental global seja certamente a causa deste século, a atitude apocalíptica é contraproducente. Combater nosso impacto no ambiente é uma causa com muitos inimigos e boa parte da população se mantém cética – desgastar a credibilidade com exageros não é um luxo ao qual os defensores do ambiente possam se dar.
E a humanidade é dura de derrubar. Se não fosse, não haveria o problema. Somos o único caso da história da vida em que um animal fez tanto sucesso que passa a ameaçar o planeta inteiro. Mas essa ameaça não é, por si só, uma ameaça ao próprio ser humano: a gente, como todo o resto da vida na terra, depende do ciclo do oxigênio – que vem muito mais do fitoplâncton que das florestas – há um debate imenso sobre os efeitos do aquecimento global sobre o fitoplâncton, mas mesmo as estimativas mais negativas não prevêm que a Terra fique completamente sem oxigênio. De resto, não dependemos diretamente da natureza, mas do ambiente altamente artificial das fazendas.
Nós somos os ratos
Olhando de forma objetiva, vejamos o que poderia acabar com nossa espécie. As razões principais para extinções são:
1) Perder a fonte principal de alimentos. Isso provavelmente aconteceu com o tigre dentes de sabre quando suas presas favoritas, as preguiças e tatus gigantes, desapareceram das Américas.
2) De forma relacionada, o ambiente mudar rápido demais para a espécie se adaptar. O mais clássico sendo o impacto do cometa há 66 milhões de anos, criando uma nuvem de poeira que causou um inverno de dez anos, que deu fim aos dinossauros. Herbívoros não tinham vegetais com que se alimentar, carnívoros perderam os herbívoros.
3) Uma nova espécie os caça até a extinção ou os vence na competição pelo nicho ecológico. Foi o caso de múltiplas espécies durante a Grande Intercâmbio Americano, quando animais isolados por milhões de anos encontraram rivais através do Istmo do Panamá.
Estamos fazendo tudo isso agora: roubamos o ambiente dos bichos para criar fazendas ou poluímos terras, rios e oceanos, introduzimos espécies invasoras e estamos mudando o clima globalmente. E – a exceção da regra de não dependermos diretamente da natureza – pescamos predatoriamente. Mas tudo isso tem a ver com como é muito difícil que sejamos extintos.
Animais se dividem em especialistas e generalistas. O urso polar depende do gelo não virar grama para sobreviver, e é listado como ameaçado. Já o urso preto revira o lixo das pessoas, e não está sob risco. A gente tenta extinguir os ratos de propósito, desde que conhecemos eles, e, nem com toda nossa capacidade de destruição, fomos capazes. Quando mudanças drásticas ocorrem no ambiente, especialistas são os primeiros a cair. E não existe animal mais generalista que nós.
Nem todos tem a mesma sorte que a gente [Dennis Bromage / Barcroft Media]
Por exemplo, a primeira causa: somos o ser mais onívoro já surgido, capazes de consumir mais de 50 mil espécies diferentes de plantas e, possivelmente, qualquer coisa que tenha patas, tentáculos ou asas. Na prática, a agricultura industrial usa 250 espécies, com três delas – arroz, milho e trigo – responsáveis por metade das calorias vegetais consumidas por nós. Se uma catástrofe cortasse a produção agrícola em quatro quintos, ainda estaríamos produzindo mais que na década de 1950. Obviamente, isso significaria a fome global, mas ainda poderia manter uma população de 2,5 bilhões de pessoas – longe da extinção.
A segunda, exceto se estivermos causando um desastre muito maior do que as agências ambientais estão prevendo, também não deve nos pegar. Não vivemos na natureza, mas num ambiente humano. Por isso, somos o único bicho que consegue viver tanto no Saara no Ártico. E, nisso também, já éramos assim na Idade da Pedra: um animal tropical que colonizou a Europa da Era do Gelo. Existe a teoria que há 70 mil anos, uma grande erupção causou um inverno global, como o da época dos dinossauros. Passou perto, mas não foi aí.
Quanto à última, sem chance. Não há predador natural para o ser humano – não em números significativos. O único lobo do homem é o homem. O mais próximo a isso são as doenças – mas, mesmo sem entender nada de medicina, não apenas sobrevivemos à Peste Negra, provavelmente a pior epidemia de todos os tempos, como a civilização europeia floresceu no século seguinte, o início da Renascença. Se a Grande Mãe Gaia queria se livrar de nós, perdeu sua melhor chance então.
Uma decisão
Se a coisa ficar feia a ponto de que os números da humanidade finalmente comecem a diminuir, é possível que guerras por espaço agrícola ou outros recursos venham a acontecer. Seria uma catástrofe indireta, e talvez, reconheçamos que sim, poderia estar a chave para o fim. Mas, mesmo nesse caso, seria muito difícil ver o último humano entrar para o registro fóssil. É como tentar acabar com os ratos – eles comem qualquer coisa e se reproduzem rápido demais para nos vermos livres deles. Perdemos nesse último ponto, mas podemos criar nosso próprio oxigênio, tirar água da própria urina e gerar nossa própria energia sem influência do sol.
É claro que ninguém quer ver a coisa chegar a esse ponto. Todo mundo, mesmo quem encara a Amazônia com uma motosserra, quer entregar um planeta decente a seus filhos. Nossa escolha não é – provavelmente – entre vida ou morte, mas uma vida miserável, violenta e esfomeada, num planeta dilapidado, ou deixar um mundo ainda reconhecível, em que diversidade natural continue a existir fora de velhos livros de biologia.
A Era da Humanidade veio pra ficar. Será ela mais para Star Trek ou Mad Max?