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O que acontece quando a matéria escura atinge a Terra?

Bem, nada – a matéria escura não tem esse nome à toa. Mesmo assim, um físico calculou o que aconteceria se ela resolvesse interagir com átomos normais

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 13h37 - Publicado em 11 dez 2017, 18h50

Eu, você, o céu, os planetas e estrelas – inclusive os que formam outras galáxias – são feitos de algo chamado matéria bariônica: a matéria que podemos pegar com as mãos, que é acessível ao tato e aos olhos. Onde não há matéria, há vácuo, espaço vazio. E isso completa a lista de coisas que existem no Universo, certo?

Pois é, não. Na verdade isso é 4,9% de tudo que existe. Os 95,1% são feitos de duas coisas que não podemos ver, tocar ou detectar, e que, ao que tudo indica, nos atravessam o tempo todo: matéria escura (26,8%) e energia escura (68,3%). O que levanta uma pergunta importante: se não podemos vê-las, tocá-las ou detectá-las, como é que sabemos que essa dupla de emos está mesmo lá?

Bem, é o seguinte. Suponha que você sempre deixe a bolinha do seu cachorro no chão quando sai para trabalhar. Um belo dia, voltando do trabalho, você abre a porta e vê a bolinha em cima do sofá. Não é razoável pressupor que um objeto inanimado subiu no móvel, contrariando as leis da gravidade. Só há uma conclusão óbvia: o cachorro subiu lá com a bolinha.

Quando os astrônomos olham para o céu, eles veem uma porção de bolinhas que, como a do seu cachorro, contrariam as leis da natureza. Galáxias inteiras percorrem trajetórias que não correspondem com as equações conhecidas. Mas há um probleminha: no espaço, não há um cachorro para levar a culpa.

O que você faz então? Inventa um cachorro, é claro. Esse cachorro se chama hipótese. A matéria escura é uma hipótese muito popular entre cientistas. A popularidade vem do fato de que ela responde de maneira satisfatória e bastante plausível a questões para as quais a simples observação não trouxe respostas. O Universo é como uma casa em que ninguém viu o cachorro, mas em que as bolinhas vão parar em cima do sofá o tempo todo.

Nada te impede de explicar o fenômeno supondo a existência de um rinoceronte que goste de brincar com bolinhas. Ou supondo a existência de bolinhas que têm vida própria. Mas é mais razoável imaginar que existe mesmo um cachorro ali – e que ele está escondido de nós.

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A matéria escura é composta por partículas que só se manifestam por meio da influência gravitacional que exercem sobre as outras coisas. Não podemos vê-las, pois elas não interagem com a luz – na verdade, elas sequer podem se chocar com outros objetos. Da próxima vez que você vir uma enorme galáxia sendo atraída para um lugar em que não parece haver nada, pode apostar: há uma bolha inconcebivelmente grande de matéria escura escondida ali.

O ponto é: se a matéria escura existe, ela atrai a matéria normal. O que significa que lugares com bastante matéria normal – como nosso planeta (na real, a Via Láctea toda) – também estão mergulhados em matéria escura.

Um cientista da Universidade do Sul da Dinamarca resolveu levar tudo isso às últimas consequências, e criou uma simulação de computador que mostra que trajetória as bilhões de partículas escuras que penetram a Terra todos os dias percorrem quando nos atingem.

“E se as partículas de matéria escura não seguirem o paradigma padrão?”, questiona Chris Kouvaris. “E se elas, na verdade, interagirem de maneira intensa com átomos normais, e, ao cruzarem a superfície da Terra e viajarem no subterrâneo, percam tanta energia que se tornem indetectáveis? Nesse caso, nós nunca as encontraremos usando as técnicas comuns.”

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Kouvaris falou grego – como entrega o sobrenome –, então vamos lá. Atualmente, para a surpresa de nós, meros mortais, há alguns detectores de matéria escura instalados na Terra. Esses detectores de cachorros invisíveis costumam ficar a vários quilômetros de profundidade, e isso é por um motivo bem simples: se a matéria escura realmente não interage com a matéria comum, então ela é o único tipo de matéria capaz de passear no interior da Terra sem perder energia. O próprio planeta se torna um filtro de informação.

Acontece que há alguma possibilidade de que a matéria escura interaja com átomos normais depois que penetra na Terra. Isso mudaria sua trajetória e energia, gerando sinais diferentes, que os detectores não conseguiriam interpretar corretamente – porque eles foram regulados partindo da premissa de que a matéria escura passa reto por qualquer coisa. Usando um supercomputador para calcular esses cenários possíveis, os cientistas aumentarão o número de pistas disponíveis para encontrar o cachorro invisível. Uma descoberta que seria digna de um Nobel.

No vídeo abaixo, é possível ver as partículas de matéria escura de Kouvaris ricocheteando no interior da Terra, como balas perdidas. É claro que nem todas as apostas esperançosas da ciência se provam reais. Mas seria legal descobrir que a matéria escura, na verdade, não é tão escura assim. Aos interessados, o último artigo científico de Kouvaris, publicado em setembro, está disponível no arXiv.org.

https://www.youtube.com/watch?v=qMyRC4-N9NU

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