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Por redação Super
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O vírus de computador que evoluiu por seleção natural

E como ele explica um dos maiores mistérios da biologia: por que nós fazemos sexo e misturamos nossos genes, em vez de termos filhos clonados?

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 17 mar 2020, 12h20 - Publicado em 25 set 2018, 19h45

Tierra é um programa de computador rudimentar, com 200 linhas de código e um objetivo simples: criar cópias de si mesmo. Para alcançá-lo, o dito cujo exige dois recursos. Um é espaço no disco rígido para si e suas crias – não há por que se reproduzir se não houver onde armazenar a prole. Outro é tempo para usar a central de processamento (CPU) da máquina. É esse o componente que executa as instruções; em outras palavras, que fornece a infraestrutura necessária para gerar filhotes informáticos.

Tierra rodou pela primeira vez no começo da década de 1990, no computador do biólogo Thomas Ray, da Universidade de Delaware – o autor do código. Em seu entorno, centenas de clones disputavam exatamente as mesmas necessidades básicas. Todos queriam tempo e espaço. Você pode imaginar Tierra como uma espécie de bichinho virtual – que em vez de ganhar comida do dono, disputa o pão de cada dia com outros bichinhos virtuais.

Por algum tempo, a luta pela sobrevivência virtual foi bastante equilibrada. Todos os Tierras lutavam com o mesmo código, todo tinham as mesmas armas. Até que, num belo dia, um dos clones foi gerado com um erro de cópia. É bem provável que o erro tenha inutilizado o dito cujo. Incapaz de peitar os programas saudáveis de igual para igual, ele não conseguiu tempo de CPU e espaço de HD para se reproduzir. Eventualmente, foi excluído da máquina.

Não foi um acidente: Ray planejou o código de Tierra de maneira que esse tipo de deslize acontecesse de tempos em tempos. Essas mudanças aleatórias em certos programas são equivalentes às mutações que o material genético de todos os seres vivos sofre periodicamente. O negócio é que nem todo deslize é, de fato, um deslize. Às vezes, uma cópia que nascia com uma linha de código corrompida acabava, por pura sorte, se tornando mais rápida e leve que suas concorrentes. Ela se reproduzia mais, e lotava o HD de Ray com sua família. Assim, a competição se acirrou. E uma revolução ocorreu.

Um certo Tierra percebeu que não havia a menor necessidade de arrastar duzentas linhas de código por aí. Se ele ocupasse menos espaço, poderia gerar mais filhotes. O malandro abandonou metade de si, como uma lagartixa que solta o próprio rabo. E começou a alugar as linhas de código de outros Tierras para se reproduzir. Por um lado, ele se tornou um programa incompleto: um pedaço de informação sem começo ou fim. Por outro, aprendeu a se aproveitar da infraestrutura oferecida pelos outros programas para seus próprios fins.

Ele era um parasita. O primeiro vírus de computador criado por seleção natural. Em pouquíssimo tempo, os programas maiores aprenderam a enganar esses vírus, ocultando trechos de próprio código para se camuflar. Os vírus, por sua vez, aprenderam a superar essas barreiras, desencadeando uma corrida armamentista em que todos os indivíduos precisavam aperfeiçoar constantemente seus sistemas de segurança e táticas de infecção. Não para ganhar alguma vantagem uns sobre os outros, que fique bem claro. Mas simplesmente para sobreviver.

É como o burrinho que persegue eternamente uma cenoura pendurada em uma vara de pescar – e assim puxa a carroça. Afinal, nas palavras de Dilma Rousseff, ao alcançar a meta, você dobra a meta. A Rainha Vermelha, personagem de Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll, diz em certo ponto do livro: “você precisa correr o máximo que puder só para permanecer no lugar”. Com base nessa fala, a Guerra Fria evolutiva entre parasitas e hospedeiros foi apelidada pelos biólogos de efeito da Rainha Vermelha.

Os vírus da vida real, e não de código binário, assumem o maquinário de produção de proteínas das nossas células (que eles não possuem) e o utilizam para o que bem entenderem. Novas vacinas contra a gripe são lançadas todos os anos para evitar que eles façam isso, mas elas estão sempre um passo atrás dos agentes infecciosos, simplesmente porque eles se reproduzem muito rápido – o que aumenta a velocidade com que a seleção natural atua sobre eles.

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Antes da invenção das vacinas pelo ser humano, porém, a natureza já tinha criado sua própria vacina: o sexo. O objetivo do sexo nada mais é do que gerar crias que sejam diferentes de seus pais (em vez dos clones gerados pela reprodução assexuada de bactérias). A mistura do material genético de dois indivíduos confunde os parasitas: a tática que um vírus usou para invadir os pais muito provavelmente não vai funcionar nos filhos. E essa é uma das principais hipóteses para explicar porque nós transamos. Para resistir.

Quem quiser saber mais sobre o assunto pode (e deve) ir atrás de um livro chamado The Red Queen, de Matt Ridley – que infelizmente não foi traduzido em português. Ele é uma espécie de história do sexo contada do ponto de vista biológico. Já quem levar jeito com computadores pré-históricos e quiser usar o Tierra em casa pode descobrir aqui como proceder.

 

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