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Ossos? Técnica isola DNA humano pré-histórico do chão de cavernas

O método permite traçar com precisão inédita o caminho que nossa espécie percorreu para tomar o planeta

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h16 - Publicado em 28 abr 2017, 14h52

Ninguém te dá uma colher de chá? É que não vale a pena. Dê uma à arqueóloga alemã Viviane Slon, para ver o que acontece. Ela vai com o talher a uma caverna inóspita, tira do chão um tanto de terra igual ao que você põe de açúcar no leite, leva para o laboratório e isola amostras de DNA de um hominídeo pré-histórico.

Isso é que é se contentar com pouco.

É assim, de colherada em colherada, que ela vai mudar a história da ciência — e traçar com uma precisão inédita os caminhos que o Hopo sapiens e seus primos hominídeos percorreram até ocupar todo o planeta.

A ocupação da Terra por primatas espertinhos é um dos quebra-cabeças mais desafiadores da ciência. Há versões oficiais, que são quase consenso entre quem entende do assunto. Uma é a de que a ocupação da América começou há meros 20 mil anos — quando o mar secou entre o Alasca e o cantinho mais solitário da Rússia, e um bando particularmente corajoso de Homo sapiens tentou a sorte e chegou ao Novo Mundo.

De tempos em tempos, porém, surge por aqui uma pedra ou ossada mais antiga do que isso, e aí, com o perdão da rima, a ciência vira um rebuliço. Foi o que aconteceu ontem, quando um esqueleto de mastodonte de 130 mil anos achado na Califórnia em 1992 foi tirado dos arquivos para uma nova análise — e revelou arranhões e marcas que poderiam muito bem ser obra de um ser humano.

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Hoje, é impossível bater o martelo a favor de uma ou outra versão. Espécies do gênero Homo tem o péssimo hábito de não deixar muitos ossos por aí depois da morte. E o melhor jeito de saber se um macacão esperto esteve em tal lugar em tal período é encontrar o cadáver dele — ossos de mamíferos roídos ou pedras com jeitão de ferramenta são boas pistas da presença humana, mas não provas irrefutáveis.

E é aí que entra o trunfo de Slon e da equipe do Instituto Max Planck. Eles deram um jeito de tirar amostras de DNA de centenas de milhares de anos de um montinho de pó. O que é ainda melhor do que encontrar ossos. Afinal, essas moléculas não só provam que alguém passou por ali como também dão a ficha completa do antepassado em questão — uma informação bastante valiosa em uma época em que nós dividimos espaço com Neandertais e os ainda misteriosos hominídeos de Denisova, que viveram no sul da Sibéria há no mínimo 380 mil anos.

A história das relações entre nossa espécie e essas ramificações ainda é cheia de lacunas, e só uma quantidade razoável de análises genéticas — antes impossíveis pela ausência de ossos, mas agora bem plausíveis — pode resolver a questão. A equipe da alemã já coletou oito amostras em quatro cavernas da Eurásia, e com o material genético dos nossos dois primos extintos, veio de brinde recheio de célula de vários outros mamíferos da época.

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O resultado? Um diário biológico boa parte do que aconteceu nesses buracos entre 550 mil e 14 mil atrás. Para um CDF, essa é a própria definição de um parque de diversões — e uma chance de reescrever nossa história.

Por isso, a reação ao novo método foi… enfática. Parece um pouco com as críticas de jornal que as editoras põe atrás dos livros para atrair a atenção do público. “É como descobrir que você pode extrair ouro em pó do ar”, afirmou o geneticista norte-americano Adam Siepel ao The New York Times. “Um artigo científico incrível e absolutamente excitante”, soltou David Reich, da Universidade de Harvard.

Não vejo tanto amor assim desde Elena Ferrante.

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Dito isso, qual é o truque mágico da alemã e sua equipe? Senta aí, pois o primeiro ingrediente é paciência (quem estiver com o jargão científico em dia pode ler o artigo original na Science, é claro).

Vieram entre 5 mil e 2.8 milhões de amostras em cada montinho de terra, e só algo entre 0 e 8,82 mil delas pertenciam a seres humanos. Na média, só algo entre 0,05% e 10% de cada amostra tinha DNA de algum mamífero — todo o resto vinha de bactérias e outros organismos monocelulares. Essas variações são mera questão de sorte. Dependem de qual ponto do chão ou das paredes do local foi escolhido para a escavação, e também da profundidade — quanto mais fundo, mais antigo.

O único jeito de garantir a precisão foi usar uma espécie de vara de pescar microscópica, com uma isca molecular personalizada que atrai sequências de DNA exclusivas do reino animal. Um trabalho sem fim, que contou com a ajuda de robôs e computadores potentes, e só foi possível com tecnologia que não estava disponível há dez ou vinte anos atrás.

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Ainda bem que vale o esforço. Agora estamos na trilha certa para resolver os dilemas da evolução humana do único jeito que dá certo: menos especulação e mais números.

“Se esse método funcionar, ele vai dar um panorama muito rico da distribuição geográfica e os padrões de migração de humanos antigos”, afirmou Reich. “Um que não se limite ao pequeno número de ossos que foram encontrados. E isso seria mágico.”

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