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Como os cachorros domesticaram a humanidade

Eles aprenderam a nos olhar nos olhos, viraram parte da família e conhecem mais sobre nós do que nós mesmos. Entenda a evolução da espécie mais amiga do Homo sapiens.

Por Otavio Cohen
Atualizado em 8 jun 2020, 16h21 - Publicado em 19 abr 2017, 18h26

Meu dono para de repente. Uma faixa de pelo ao longo das costas até o cóccix se arrepia. A boca, que normalmente esboça algo parecido com um sorriso, agora está fechada, e o nariz faz movimentos quase imperceptíveis. Apesar de andar sempre ao meu lado, Legolas me arrasta em direção a seu alvo. O motivo da transformação do meu labrador brincalhão em um cão de caça é um gato do outro lado da esquina.

Em dois anos de convivência, ele sempre gostou de perseguir gatos na rua, e nunca de maneira amigável. A única outra coisa que surte nele um efeito parecido é comida. É enxergar um pedaço de pão a metros de distância para me puxar até lá. Nesses momentos ferozes, Legolas me lembra que, apesar de ter nome, cama, frequentar uma creche, ser ótimo com crianças e fazer sucesso no Instagram, ele é um cachorro. E que, como todo cachorro, é meio lobo.

Não sou cachorro, não

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quer dizer, mais ou menos. Em 2014, cientistas de Universidade de Uppsala, na Suécia, compararam os genomas de algumas raças de cachorro com os de outros caninos, incluindo lobos de regiões em que teria se iniciado a domesticação dos cães pelo homem (Croácia, China e Israel).

O que descobriram foi que os genes dos cachorros são parecidos entre si, mas não tão similares aos dos lobos de hoje em dia a ponto de dizermos que um evoluiu do outro.

Aliás, os traços genéticos que compartilham têm mais a ver com cruzamento entre as espécies do que com uma descendência direta. Então, de onde vieram os cachorros? Uma possibilidade é que tanto cães como lobos evoluíram a partir de um ancestral comum já extinto entre 9 e 34 mil anos atrás. Cachorros não são lobos, ao contrário do que sugerem os gurus do adestramento na TV.

A ideia mais aceita hoje é que, cerca de 13 mil anos atrás, a tal espécie canina ancestral percebeu que andar próxima a lugares por onde os homens nômades passavam era uma boa. Afina, era comum sobrar restos de comida nessas áreas.

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De cara, evitavam contato direto com humanos, aquela espécie desconhecida e potencialmente perigosa. Mas alguns caninos menos medrosos chegaram um pouco mais perto, em busca de restos mais nobres. Os humanos viram vantagem. Aqueles bichos percebiam coisas que os homens não eram capazes de notar, como a presença de predadores e a proximidade de presas. Era o início da amizade.

A domesticação demorou a acontecer. O homem de 13 mil anos atrás não era exatamente um cara civilizado com moradia fixa a ponto de ter um animal doméstico. Nos milhares de anos seguintes, os humanos foram selecionando os bichinhos mais dóceis e descartando os agressivos. Foi a invenção do cachorro. Uma seleção artificial tão eficiente que foi reproduzida em laboratório.

Nos anos 1960, o geneticista russo Dmitry Belyaev começou a criar raposas em cativeiro. Por 40 anos, liberava as mais simpáticas para cruzar e gerar raposinhas. Mais de dez gerações depois, elas mudaram física e psicologicamente. Lambiam, pediam carinho, interagiam com humanos, tinham orelhinhas caídas quando filhotes, rabo em pé e focinho mais curto que seus ancestrais selvagens. Viraram cachorros.

A história das raposas é uma evidência de como a espécie humana é capaz de moldar outras espécies. Mas, no caso dos cachorros, fomos longe demais. Basta ver como a obsessão por raças perfeitas por meio de cruzamentos de indivíduos da mesma família criou cães como o pug, que não respira direito e pode morrer se fizer muito esforço físico.

O abuso de poder está também em pequenos gestos. Adoramos dar banho e encher os cachorros de perfume, tirando-lhes o cheiro natural: o documento de identidade deles. Resumindo, estamos descachorrizando os cães. Eles têm roupas, vão à creche, ganham festa de aniversário – e há quem garanta que eles amam tudo isso. Mas, quando atribuímos aos cachorros sentimentos humanos, como inveja, ciúmes ou alegria, nos esquecemos de que eles funcionam de um modo muito diferente do nosso. Não é assim que se trata o melhor amigo.

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Eu não sou humano, não

No século 19, o biólogo alemão Jakob von Uexküll mudou a história da ciência do comportamento animal ao propor ver o mundo pelos olhos de uma pulga. Esse parasita não tem uma vida muito variada. Ele não enxerga e não liga para barulhos. De todos os cheiros do mundo, só um importa: o de ácido butanoico, presente em manteiga, em alguns queijos e no suor de animais de sangue quente. Para a pulga, encontrar um desses animais é como ganhar na loteria. Ela morde, suga um bocadinho de sangue e pronto, sua missão na Terra está completa.

Se a pulga pudesse falar, só diria que há três tipos de coisas no mundo: lugares para esperar surgir no ar o cheiro de ácido butanoico, superfícies com ácido butanoico e sangue (que está cheio de ácido butanoico). O resto – a política nacional, a temporada mais recente de Game of Thrones (incluindo o destino dos lobos gigantes dos Stark), este site, uma montanha de dinheiro – é irrelevante. Para Von Uexküll, só é possível compreender a pulga ao levarmos em conta o ponto de vista dela. Essa perspectiva peculiar recebeu o nome de umwelt (algo como “ambiente”, em alemão). O umwelt do cachorro é bem mais complexo do que o da pulga que se hospeda nele. E muito diferente do seu.

Um cão não liga para a magnífica vista do parque em que passeia. Para ele, importante é cheirar. Nenhum sentido é tão aguçado num cachorro quanto o olfato. Ele tem 220 milhões de células olfativas, 100 mil vezes mais do que você. Além de terem mais receptores de cheiros, eles têm tipos diferentes de células olfativas. Isso faz com que não só cheirem melhor: eles cheiram de um jeito que você nem imagina que é possível.

Entre o céu da boca e a parede inferior do focinho, há um aparelhinho muito útil chamado órgão vomeronasal, uma espécie de decodificador de odores. Tudo o que entra pelo nariz é processado e transformado em informações no cérebro canino.

O aparelho olfativo tem outra peculiaridade. Quando o cachorro expira, cria uma pequena corrente que empurra ar de volta para dentro. Em outras palavras, um cachorro quase não para de inspirar. O órgão vomeronasal está em plena atividade o tempo todo, sempre recebendo novas informações. Já reparou que é difícil perceber que está vazando gás no fogão se você estiver na cozinha desde o início do vazamento?

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Seu cérebro é programado para se acostumar com odores, mesmo os mais desagradáveis. Cães jamais se acostumam. Cada lufada é carregada de novidades. Eles sentem cheiros de maneira tão específica que não é de se espantar que o odor sirva como identificação na sociedade canina – cada cão tem seu cheiro único.

O biólogo Marc Bekoff, um dos maiores especialistas do mundo em cachorros, desenvolveu um teste para ver se seu cão reconhecia o cheiro do próprio xixi diante de várias amostras de urina de outros animais na neve. Jethro passou no teste sem dificuldade.

O caso da “neve amarela”, publicado em 2001, ficou famoso porque esclareceu que os cães têm muito mais facilidade em se identificar pelo olfato do que pela visão. Coloque o seu filhote diante de um espelho e ele logo perderá o interesse naquele bichinho peludo fofo, mas completamente inodoro. Só tem um cheiro que eles conhecem tão bem quanto o próprio, e é o seu.

Para os cachorros, nós somos nosso cheiro. Seu tênis é uma extensão do seu corpo, e isso explica por que eles se interessam tanto por nossas roupas quando estamos longe. Humanos podem demorar até reconhecer um amigo que mudou a cor do cabelo ou fez uma cirurgia plástica no rosto. Cães reconhecem na hora. Não importa se você usa perfume francês ou se não toma banho há três dias. Eles sabem que você é você porque são capazes de te cheirar por dentro.

É por isso que existem cães treinados para identificar doenças como diabetes, câncer, ou até esquizofrenia. Mais do que identificar aromas, eles os interpretam. Se percebem uma quantidade maior de adrenalina no seu sangue, sabem que você está nervoso. Se identificam feromônios, percebem que você está excitado. E, se tiverem alguma dúvida, eles confirmam com o olhar.

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Para a maior parte das espécies animais, olhar nos olhos é sinal de ameaça. Quando um lobo é encarado, ou ataca ou desvia o olhar e se afasta, porque acha que está em perigo. Até chimpanzés evitam o contato visual longo. Para os dogs, vale a pena sustentar a mirada para obter informações sobre os humanos com quem interagem. Esse comportamento raro em outras espécies é prova do vínculo milenar entre nós e eles – milênios de coevolução resultaram em cachorros adaptados para decifrar nosso olhar. Temos a sensação de que nos entendem. E entendem mesmo, mas de um jeito todo particular.

Não sou cachorro, não
Faro fino: cachorros detectam rastros químicos produzidos pelo corpo. Assim como farejam drogas no aeroporto, eles podem ser treinados para detectar odores de células cancerosas ou a alta concentração de glicose no sangue, comum na diabetes. Mudanças hormonais e de pressão, volume de suor, tudo isso altera sutilmente nosso cheiro. E isso não passa batido por focinhos caninos. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

 

Cachorro reflexivo

A artista Jana Sterbak colocou uma câmera na coleira de Stanley, seu jack russell terrier, e publicou o vídeo na internet. Assisti-lo é revelador. A visão dos cachorros é povoada por pernas, sapatos e meias, cheia de pneus de carros, raízes de árvores, pés de mesa, canteiros e jardins. Para eles, o chão é limite. A imagens que as câmeras humanas captam da experiência canina, porém, são limitadas para representar a experiência sensorial canina como um todo.

Que o olfato é importante para eles, já está mais que claro. Cheirar o traseiro de outro cãozinho na rua é o equivalente ao nosso “bom-dia”. Mas esse gesto também mostra como eles lidam com o espaço individual. Entre humanos, é cada um no seu quadrado. Pega mal encostar em desconhecidos na rua. Já os cães não têm cerimônia. Põem o nariz na nossa virilha para saber por onde andamos, lambem nossa perna e se aconchegam para uma soneca. Tudo o que está ao alcance do cachorro é dele. Mas, se for grande demais para caber na boca, eles deixam para lá.

Assim como a pulga, cachorro também divide as coisas do mundo em categorias a partir da maneira como interage com elas. Um ursinho de pelúcia, um graveto e uma bola de pingue-pongue são praticamente a mesma coisa: estão na categoria “mastigáveis”. Um biscoitinho em forma de osso é tão comestível quanto uma maçã. Tudo que é grande demais para comer, morder, sentar ou rolar em cima não faz diferença na vida dele.

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A não ser que essa coisa se mexa: cães adoram coisas que se mexem. Um cachorro pode latir incansavelmente para alguém deslizando sobre um skate e se calar no momento em que a pessoa para. Aos olhos dele, o gato parado na esquina se transforma, num passe de mágica, em outro gato quando foge – e o gato correndo é bem mais divertido.

Observar o comportamento de um cachorro num passeio dá muitas dicas sobre como eles sentem o mundo. Se um cão late para o nada, é sinal de que ele percebeu algo que você não notou. Se não for um cheiro forte é grande a chance de ser um barulho quase imperceptível. Enquanto humanos escutam numa frequência de até 20 kHz, cachorros podem percebem sons bem mais agudos, de até 45 Hz.

Além de escutarem bem, também são bons ouvintes. “Já que não falam, eles prestam mais atenção no ritmo de nossas frases, no tom de nossa voz, na exuberância de um ponto de exclamação e na veemência da caixa alta”, escreveu Alexandra Horowitz, psicóloga especializada em caninos e autora de A Cabeça do Cachorro.

Adestradores sempre chamam atenção para o jeito como os comandos devem ser ensinados. Um “senta” firme, com entonação assertiva, jamais será confundido com a palavra “senta” coloquial no meio de uma frase. Comandos verbais têm mais a ver com o tom de voz do que com o significado das palavras usadas. Ainda mais quando são associados a gestos.

Cachorros também são excelentes em leitura corporal. Identificam a metros de distância se o outro cão que vem na direção oposta é amigável ou não. Se for, em segundos, eles podem engatar uma brincadeira. Nos poucos segundos entre o encontro e a interação física, eles trocam vários sinais. Estender as patas para frente e baixar o focinho é um dos mais conhecidos: significa que ele quer brincar e está convidando seu mais novo amigo. Ao longo da brincadeira, eles estabelecem limites e contam um para o outro se a mordida foi muito forte ou se a patada machucou.

Está aí outra peculiaridade dos cachorros em relação a outros bichos. É raro encontrar no reino animal espécies que brincam na fase adulta. É que o risco da brincadeira é grande. Rolar na grama pode machucar e gasta uma energia que faria falta mais tarde. Mas a sociabilidade fala mais alto – e nada estimula tanto a sociabilidade quanto brincar. Não é à toa que escolhemos os cães como amigos. Ou será que foram eles que nos escolheram?

Independente da resposta, é evidente que muitas características caninas foram surgindo em resposta a traços humanos. O latido, por exemplo, tem toda a pinta de ser um instrumento desenvolvido para se comunicar com o homem, que é tão verbal (lobos não latem). Para compreender seus companheiros bípedes, os cães aprenderam até uma habilidade mental que só existe tão desenvolvida no próprio homem. Trata-se da teoria da mente, que é a capacidade de imaginar o que passa pela cabeça de outra pessoa. Cachorros também têm bons palpites de como vamos nos comportar em determinadas situações, mesmo tendo uma teoria da mente menos refinada que a nossa. E eles usam e abusam desse superpoder.

Não sou cachorro, não
Grande família: aquele papo de que o dono do cão precisa ser o macho alfa da matilha é lenda. Para a pesquisadora Alexandra Horowitz, isso não se aplica aos cachorros, que não caçam em grupo e socializaram com humanos. Eles demonstram apego (preferência por uma pessoa), enquanto lobos não têm apego nem sentem medo de serem abandonados. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

 

Antropólogos de quatro patas

Legolas percebe o cheiro de pão da padaria entrar pela janela e sabe que é hora de acordar. Eu mudo de posição e finjo que ainda estou dormindo, mas ele sabe muito bem que não. Em segundos, está na porta do quarto, pronto para o passeio da manhã. Ele é paciente, normalmente espera com calma até eu me vestir, sair do banheiro, encher a vasilha de ração, pegar o rolo de saquinhos plásticos, uma porção de petiscos, e a guia de couro mastigada.

Mas, se enrolo mais do que o de costume para sair da cama, ele começa seu próprio ritual. Primeiro, chora baixinho. Depois, solta um latido fino. Se não adiantar, começa a puxar o edredom com a boca. “É hora de levantar, está um dia particularmente cheiroso lá fora. Anteontem foi assim, ontem também, e hoje será a mesma coisa. Não há nada que você possa fazer a respeito, humano”, eu falo, imitando a voz que inventei para ele.

Jakob von Uexküll não escreveu sobre o umwelt de cachorros, só sobre o das pulgas deles. Mas Alexandra Horowitz tem alguns palpites de como é um dia na vida do cachorro. “Nós somos a primeira fonte de conhecimento sobre o dia: organizamos o dia do cachorro em paralelo com o nosso, fornecendo dicas e cercando-o de rituais”, escreve a pesquisadora. Se eu me movimento de manhã na cama, está na cara que já acordei. Logo, está liberado implorar pelo passeio.

A teoria da mente rudimentar que os cachorros têm, aliada aos seus inacreditáveis poderes físicos, faz com que eles estejam no topo da lista de bichos adaptados para viver perto de nós. Nem os primatas mais espertos são tão bons em entender, por exemplo, se apontamos numa direção. Cachorros conseguem, principalmente se mostramos com o dedo onde está a comida ou o brinquedo. Mas o superpoder de prestar atenção nos mínimos detalhes tem uma contrapartida: eles não sabem generalizar. São capazes de perceber as milhões de nuances no aroma de uma raiz de árvore, mas não necessariamente sabem que estão numa floresta. Cheiram uma árvore de cada vez.

“Viver sem capacidade de abstração significa encarar cada evento e objeto como singular”, diz Horowitz. Uma das possibilidades da consciência humana é pensar sobre o pensamento. Para um cachorro, pouco interessa a filosofia. De acordo com o umwelt canino, só interessa o aqui e o agora. Isso explica por que não é uma boa ideia dar a bronca no cãozinho que destruiu a almofada enquanto você estava fora.

Na mente dele, aquilo aconteceu há tanto tempo que não há conexão possível entre o ato e a punição. Aquela carinha de culpado engana. Ele só está assustado com sua reação e não faz ideia do motivo. A bronca só vai estragar o momento preferido do cachorro: o encontro com seu humano.

Não sou cachorro, não
Unha e carne (e osso): a conexão entre cães e gente sugere que a domesticação não tenha sido produto exclusivo da ação humana. “Talvez os cães tenham mostrado como queriam ser domesticados. Isso acabou levando nossos antepassados a desenvolver relações mais complexas com outras espécies”, sugere o neurocientista e antropólogo Greg Downey, da Universidade Macquarie, na Austrália. (Tomás Arthuzzi/Superinteressante)

 

O cachorro e seu humano

Abro o portão da vila tentando não fazer barulho. Quero fazer uma surpresa para meu cachorro após 20 dias fora. Ele pensa que não vou mais voltar, pois nunca passamos tanto tempo separados. Fiquei fora tempo o suficiente para que ele já não me esperasse mais no horário de sempre. Abro a porta e vejo Legolas deitado no sofá com as orelhas em pé, arrancado de um sono profundo. Nos 5 minutos seguintes, vejo-o correr pela casa, subir e descer escadas trazendo o primeiro brinquedo que viu pelo caminho, rodopiar, pular, cheirar minha calça, passar por baixo das minhas pernas, dobrar-se para que eu coce seu lugarzinho preferido na base da cauda, tudo isso ao mesmo tempo. É o melhor momento de nossas vidas.

Comprovado: ter um cachorro amigável por perto faz despencar o nível de cortisol (hormônio do estresse) no corpo. Ao mesmo tempo, sobe a concentração de ocitocina, um hormônio que desperta a sensação de apego e amor, o mesmo liberado nas mulheres durante o parto. Do lado de cá, é amor verdadeiro correndo na veia.

Do lado de lá, rola algo bem parecido. Em 2015, o pessoal da Universidade Emory, EUA, monitorou o cérebro de cachorros expostos a várias amostras olfativas (cheiros de cães desconhecidos e conhecidos, humanos desconhecidos, deles mesmos e de seus donos). Na hora em que sentiam o aroma dos donos, uma parte do cérebro chamada núcleo caudado, associado a sensações de prazer e às primeiras fases do amor, intensificava a atividade.

Cachorro costuma gostar de gente. Ao verem fotografias de humanos, reagem como nós, do ponto de vista da atividade cerebral. O córtex temporal, que processa informações complexas, como microexpressões faciais, fica ligado. Essa sintonia faz deles excelentes animais de serviço (como guias para cegos) e terapêuticos. Depois do atentado de 11 de Setembro, mais de 500 cachorros foram designados para consolar e amenizar o trauma de sobreviventes e familiares das vítimas em Nova York. Eles também são os únicos bichos que bocejam quando nos veem bocejando. Sinal claro de empatia.

Graças a essa cumplicidade milenar, temos hoje ao nosso lado cães de companhia, de guarda, de serviço; cachorros que arrancam aplausos em competições ou risadas no YouTube. Quanto mais a ciência se dedica a desvendar os segredos dos nossos melhores amigos, mais claro fica quem é quem na amizade milenar entre o Homo sapiens e o Canis familiaris.

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