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Se o universo é infinito, por que o céu não é todinho forrado de estrelas?

Bem-vindo ao paradoxo de Olbers, cuja resposta é uma viagem às origens do Universo

Por Bruno Vaiano Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 4 set 2024, 15h38 - Publicado em 16 Maio 2018, 16h21

Se o Universo é infinito, então o número de estrelas que ele contém também é infinito. E se o número de estrelas é infinito, então o céu deveria ser preenchido uniformemente por elas, sem nenhum vão. Mesmo assim, quando olhamos para o alto, vemos grandes quantidades de escuridão, e só um ou outro pontinho brilhante aqui e ali. Como é que pode?

O enunciado mais célebre desse problema – e que acabou lhe dando nome – é do astrônomo Heinrich Olbers, em 1823. Mas o alemão está longe de ter sido o primeiro a propô-lo. Ao que consta, Edmond Halley (que batizou o cometa mais famoso do Sistema Solar) e Johannes Kepler já haviam percebido a contradição cósmica algumas centenas de anos antes dele.

A física precisou avançar um bocado para encontrarmos uma explicação plenamente satisfatória para o devaneio de Olbers. Vamos a ela: para começo de conversa, a luz, apesar de rápida – 1,08 bilhão de quilômetros por hora! –, não é instantânea. O Universo, até onde se sabe, tem 13,8 bilhões de anos de idade. A radiação de estrelas que estão muito distantes de nós ainda não teve tempo de alcançar nossos olhos, por mais rápida que ela seja.

A distância que a luz percorre em um ano – 9,5 trilhões de quilômetros – é usada como unidade de medida por astrônomos. Se chama, naturalmente, “ano-luz”. Usando essa unidade de referência, a estrela mais distante que nós teoricamente podemos observar está a 13,8 bilhões de anos-luz da Terra – a radiação emitida por qualquer astro mais distante do que isso ainda precisará de mais alguns anos para nos alcançar (quem entende do assunto sabe que este número ainda não está totalmente correto por causa da expansão do Universo, mas calma: chegaremos a isso em um segundo).

Nessa altura do campeonato, o leitor já deve ter percebido que, enquanto a luz anda, o tempo passa. Pegue, por exemplo, a estrela mais próxima do Sol, adequadamente batizada de Proxima Centauri. Ela está a 4,22 anos-luz de nós. Isso significa, em outras palavras, que nós a observamos da maneira como ela era 4 anos atrás, e vice-versa. Um alienígena hipotético, estudando a Terra de lá, veria um mundo em que Obama ainda é presidente dos EUA, e Dilma, do Brasil.

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Conforme aumenta a distância, aumenta a viagem no tempo. Do ponto de vista de ETs hipotéticos que vivessem ao redor de Antares (a mais ou menos 600 anos-luz), a Europa ainda está se recuperando da peste negra, e Cabral ainda não chegou ao Brasil. Uma criatura em Sirius (a 8 mil anos-luz) vê uma Terra selvagem, em que estão prestes a surgir as primeiras civilizações de respeito.

Seguindo esse raciocínio, quando nós tentamos ver algo a 13,8 bilhões de anos-luz, na verdade estamos vendo a origem do cosmos. A infância do Universo, quando as primeiras estrelas ainda estavam por se formar. De fato, uma parcela pequena da interferência cinzenta que polui a tela da TV quando você está tentando sintonizar canais abertos é culpa da radiação cósmica de fundo: microondas que foram emitidas na época do Big Bang e ainda estão nos alcançando. Não fique bravo, portanto, quando a Globo não pegar numa TV de tubo velha. É sua oportunidade de assistir ao vivo à gênese de tudo que existe.

Universo em expansão

É importante entender que essas microondas, originalmente, eram formas de radiação eletromagnética muito mais energéticas e nocivas. O Big Bang não foi um fenômeno agradável de assistir. Nos primeiros estágios de expansão, o Universo era um lugar com tanta matéria espremida em um espaço tão pequeno que tudo que existe, inclusive os átomos que hoje compõem o meu corpo e o seu, estavam aquecidos a temperaturas que deixariam a superfície de muita estrela contemporânea no chinelo. Esse brilho da criação, porém, se cansou depois de passar 13,8 bilhões de anos viajando pelos céus. Ele sofre um processo chamado redshift, e chega aqui capenga, respirando com a ajuda de aparelhos.

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Para entender redshift, é só lembrar do efeito Doppler. Sabe quando você está tentando dormir e passa um carro de polícia com a sirene ligada na rua? Conforme ele se afasta, o ruído diminui de volume e vai ficando distorcido, mais grave. Isso acontece porque as ondas sonoras que alcançam seu ouvido estão se movimentando na direção oposta do movimento do veículo.

Como o som, a luz é uma onda. Os indícios da época do Big Bang que alcançam a Terra estão resistindo ao movimento de expansão do Universo no sentido contrário. É como tentar subir uma escada rolante que está descendo – até dá para chegar lá em cima, mas demora e é exaustivo. O que começou a carreira como um intenso raio-x ou raio gama chega a nós como uma discreta microonda. Todo astro distante o suficiente sofre um redshift pesado. A luz que vem de longe, além de vir do passado, vem cansada. Não consegue acender o céu todo da maneira como Olbers imaginou.

É claro que há outros fatores em jogo, alguns um pouco mais práticos e simples de entender. Por exemplo: o céu seria bem mais brilhante se não fosse a enorme quantidade de poeira e gás no espaço interestelar – que bloqueia parcelas consideráveis da radiação de estrelas que seriam, em princípio, próximas e brilhantes o suficiente para serem vistas. Outros estão em um grau de brisa que não cabe nesse post. Para dar uma palhinha: como o Universo está em expansão, a parcela dele que podemos ver é maior hoje do que era no passado. Embora a luz só tenha tido 13,8 bilhões de anos para chegar aos nossos olhos, a região do céu que podemos ver, na prática, tem 45,6 bilhões de anos-luz de raio.

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Para não falar, é claro, no fato de que sequer sabemos se o universo é ou não infinito. Talvez a dúvida de Olbers nem se justifique – e o céu, na verdade, tenha um fim.

Para saber mais

Extraterrestres, Salvador Nogueira, Superinteressante, 2014
Para entender de uma vez — Einstein, Salvador Nogueira, Superinteressante, 2017

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