17. “Quanto mais estimulo, melhor.”
A verdade: Um ambiente estimulante é essencial, mas não há provas de que o excesso traga benefícios
Maurício Horta
Quando uma criança nasce, ela possui praticamente todos os 100 bilhões de neurônios que terá na vida. Já as conexões entre esses neurônios atingem o auge aos 3 anos. Conforme ela vai interagindo com seu ambiente em momentos cruciais, algumas sinapses se fortalecem e outras são descartadas – a ponto de, na adolescência, ter apenas a metade dessas sinapses. E essa poda sináptica é boa. Ao fortalecer as conexões que são usadas e descartar as desnecessárias, o cérebro se especializa e, assim, trabalha de forma mais eficiente naquilo em que for bom. Se não fosse assim, a mente ficaria desorganizada e ineficiente. Mas essa poda sináptica é regulada por um cronograma. Perdendo a janela de oportunidade, não dá para correr atrás. É agora ou nunca. Isso traz uma dúvida. É bom, então, entochar a criança com informações para aproveitar o momento em que ela tem mais sinapses? Não exatamente. A poda sináptica não tem nada a ver com o conteúdo da mente, mas com sua arquitetura. Ela envolve apenas as capacidades com as quais evoluímos – por exemplo, os sentidos, a coordenação motora, a linguagem, as emoções básicas e a socialização – e não as que aprendemos. Peguemos o caso da linguagem. No início da infância, somos sensíveis a qualquer fonema, mas, conforme crescemos, nos especializamos em fonemas da língua nativa. Também evoluímos com uma estrutura gramatical universal, mas na infância essa estrutura é moldada às regras específicas de um idioma. Isso, no entanto, não tem nada a ver com a aquisição de conteúdos. Conseguimos aprender coisas durante toda a vida sem seguir nenhum rígido cronograma inato. Colocando tudo isso na prática, adultos têm dificuldade em aprender fonemas e a sintaxe de uma nova língua (afinal, isso se desenvolveu na infância), mas não têm problemas em aprender vocabulário.
Playground de ratos
Isso não quer dizer que ambientes estimulantes não sejam importantes. Mas evoluímos com capacidades ditadas por um ambiente no qual brincávamos livremente. Não há prova de que dar mais estímulos do que os presentes nesse ambiente traga benefícios extras. O que realmente se provou é que privar de estímulos prejudica irreversivelmente essas capacidades. Muito desse mal-entendido surgiu de um experimento clássico que abriu as portas para o estudo sobre a neuroplasticidade. Em 1964, um grupo de pesquisadores da Universidade de Berkeley expôs ratos por entre 30 e 60 dias em 3 ambientes diferentes – sozinhos em gaiolas sem estímulos, em trios numa gaiola sem estímulos e em grupo de 12 numa gaiola maior com equipamentos estimulantes, como rodas e escadas. Depois, foram sacrificados e tiveram seus cérebros medidos. Quanto maior o nível de estímulo, maior foi a espessura do cérebro. Esse foi o primeiro passo para a advocacia pela hiperestimulação de crianças. Mozart na infância deixaria mais inteligente. Brinquedos educativos aumentariam a memória, a criatividade. Mas o problema do experimento das gaiolas é que se ignorou o hábitat natural dos ratos, ponto de referência correto para avaliar o impacto de estímulos extras. Em relação ao ambiente natural, as 3 gaiolas não representavam níveis adicionais de estímulos, mas níveis decrescentes de privação. Um estudo paralelo com crianças foi o de órfãos romenos criados em instituições durante a ditadura de Nicolae Ceausescu (1967-1989). Elas eram amarradas a suas camas, mal-alimentadas. Não brincavam nem conheciam a vida fora da instituição. Aos 4 anos, mais de 40% delas tinham transtornos de ansiedade. Muitos exibiam sinais de autismo, e seus cérebros tinham menos massa branca do que o de órfãos adotados, em vez de institucionalizados. Afinal, crianças não nasceram para gaiolas.