2. Superfaquir
Prahladbhai Jani passou 15 dias em um laboratório sem comer, beber água ou ir ao banheiro. E diz que está assim há 73 anos
Eduardo Szklarz
Superpoder: Ficar sem comer nem beber
Utilidade: Manter a forma e economizar um bocado na conta do supermercado
Frequência: Outras 200 pessoas vivem sem comida. No entanto, nenhuma vive sem água.
Para o indiano Prahladbhai Jani, não tem comida ruim. Nem boa. Ele está com 84 anos e diz que não come desde os 11. Isso mesmo: ele garante que faz 73 anos que não coloca nada na boca. Nem ao menos uma gota de água. Aliás, ele não se lembra do que comeu pela última vez. E ainda assim mantém a saúde física e mental em perfeito estado.
Jani afirma que saiu de casa aos 7 anos e ficou vagando nas florestas de Narmada, na Índia. Aos 11, diz ter tido uma experiência sobrenatural e virou seguidor da deusa hindu Amba. Para homenageá-la, ele se veste com uma túnica vermelha (típica de mulheres devotas), pulseiras, anel no nariz e flores nas longas madeixas. Em troca, a deusa Amba o sustenta com uma gosma invisível que “surge” do céu da boca. Uma espécie de elixir da longa vida. Jani passou os últimos 40 anos meditando numa caverna do estado indiano de Gujarat. Lá ele é conhecido como Mataji (“Mãe”), numa alusão à sua deusa protetora.
Bem, você dirá, isso é o que ele conta. Será verdade que o sujeito não come nem bebe há décadas? A história parece mesmo absurda, mas tem sido levada a sério por cientistas na Índia. Até o Exército do país investe em pesquisas sobre ele, pois sua capacidade de sobrevivência poderia ser usada nas situações em que faltam água e alimentos. Em 2003, o neurologista indiano Sudhir Shah liderou o primeiro grande estudo sobre Jani. O grupo contava com 23 médicos, entre eles radiologistas, cirurgiões, patologistas, psiquiatras, cardiologistas e urologistas. Jani foi internado por 10 dias no Hospital Sterling, na cidade de Ahmedabad, com monitoramento absoluto. O quarto tinha porta de vidro e câmeras ligadas 24 horas para garantir que ele não consumiria nada. O banheiro foi lacrado – afinal, Jani também assegurava que não fazia xixi nem cocô.
O eremita aceitou se submeter aos exames desde que não sofresse nenhum procedimento invasivo. Topou para o bem da humanidade, mas sobretudo para o bem dos soldados indianos, já que a pesquisa foi bancada pelo Instituto de Defesa de Fisiologia e Ciências Afins (Dipas). Se os parâmetros médicos piorassem, o estudo seria cancelado imediatamente. Não foi preciso.
Os resultados das análises clínicas foram normais para um homem da idade do indiano. Todos os sentidos de Jani funcionavam bem. Só foi detectada uma ligeira perda da audição, disse Shah a SUPER. O pulso do indiano permaneceu em 42-46/minuto, como se o corpo entrasse em um processo de hibernação. A pressão arterial ficou em 114/80 mmHg, dentro dos parâmetros normais. O comportamento e a cognição tampouco mostraram alteração. O peso caiu um pouco, mas logo se estabilizou. O ultrassom mostrou que havia acúmulo de urina, só que em poucas horas o volume do líquido diminuía sozinho. De alguma maneira, o xixi era reabsorvido na bexiga.
Foi uma surpresa para toda a equipe médica, diz Shah. “Não sabemos se o fenômeno pode se dar em outros seres humanos por meio da ioga, que Jani pratica, ou pela engenharia genética.” Na época, Shah deixou claro que só confirmou o fenômeno para os 10 dias do estudo. Nada podia dizer, portanto, sobre as décadas de abstinência completa alegadas por Jani. É certo que jejuns são uma prática habitual entre muitos hindus. O líder Mahatma Gandhi, por exemplo, costumava ficar dias sem comer para evocar a resistência não violenta contra os ingleses. Muitos ermitãos garantem que se privam de alimentos por meses. O caso de Jani é mais intrigante: os cientistas realmente comprovaram que ele não ingeriu nada nem foi ao banheiro por 10 dias. E sua saúde continuou 100%. Ainda assim, Shah achou que pouco. E resolveu fazer um novo estudo.
O segundo tira-teima
Em abril de 2010, Shah e sua equipe voltaram a monitorar Jani no hospital. Desta vez, o eremita ficou 15 dias sem ingerir nada nem ir ao banheiro. O único contato que teve com líquidos foi na hora fazer gargarejos com flúor e tomar banho, isso só a partir do quinto dia de estudo. Resultado: novamente, sua saúde continuou perfeita. Jani inclusive deu uma entrevista coletiva antes de voltar à caverna onde vive. “Estou forte e saudável porque é assim que Deus quer que eu esteja”, disse ele aos jornalistas.
Para Shah, existe de fato algo único no eremita. “Definitivamente, ele tem uma capacidade extra”, afirma. “Sabemos que é possível sobreviver sem comida durante alguns dias. Há pessoas que sobrevivem até meses sem comer. No entanto, ficar sem água nem alimento é extremamente difícil, mesmo num período de 3, 5, até 19 dias.” Quando uma pessoa fica sem comer absolutamente nada por muitos dias, ela perde seu peso rapidamente. Primeiro, o corpo utiliza as reservas de carboidratos. Depois, queima proteínas e, por fim, as gorduras. O faquir eventual se torna letárgico e irritadiço. Normalmente, com o prolongamento do jejum, o raciocínio e os parâmetros vitais começam a falhar. Num prazo de 8 a 10 semanas nessas condições, segundo Shah, a própria vida fica ameaçada. Sem água, é diferente: a falta de hidratação pode levar à morte em questão de poucos dias.
Mesmo admitindo uma espécie de superpoder, Shah reconhece que não chegou a nenhuma conclusão sobre o fenômeno de Jani. Estamos longe de saber a chave do enigma. Afinal, como Jani mantém a hidratação sem tomar água? Como seu corpo elimina os resíduos do metabolismo? “A ciência ainda não conhece as respostas corretas para tantas perguntas nessa área”, diz Shah. Enquanto Jani viver, porém, novos estudos devem vir por aí para tentar decifrá-lo.
O homem que ficou 411 dias sem comer
Indiano afirma que se alimentou de sol e água quente durante o jejum
Sol e água fervida. Isso é tudo o que o indiano Hira Ratan Manek precisa quando resolve ficar meses sem comer. Seu jejum mais longo durou 411 dias (entre 1º de janeiro de 2000 e 14 de fevereiro de 2001). Manek perdeu 19 quilos no início, mas depois o peso estabilizou. A frequência respiratória caiu de 18 para 10 por minuto. E os batimentos cardíacos ficaram mais lentos. Fora isso, nada mudou. ¿Não houve nenhuma outra anormalidade médica. Até mesmo o cérebro e as capacidades mentais permaneceram normais¿, diz o médico Sudhir Shah. No 401º dia do jejum, Manek escalou a montanha Shatrunjaya, situada a 591 metros de altura. Subiu até lá para frequentar tem- plos do jainismo, uma das religiões mais populares da Índia. Hoje, aos 75 anos, Manek diz que absorve energia olhando para o sol.
Como acontece o jejum
Síndrome da adaptação crônica
Assim como nos adaptamos melhor ao “estresse crônico” (moderado e diário) do que ao “estresse agudo” (um trauma, por exemplo), Jani teria se adaptado ao “jejum crônico” (mais de 30 dias) de uma forma diferente do que faria com o “jejum agudo” (de 3 a 15 dias). Resumindo: seria um tipo de hibernação. No jejum curto, o corpo queima carboidratos e depois gordura, e assim vai obtendo calorias. A pessoa perde peso e as funções físicas e mentais se deterioram. Já na adaptação crônica, as necessidades caem a quase zero. O centro da fome é deprimido, e a sensação de saciedade, ativada.
Recepção de energia solar
Mesmo que o indivíduo precise de pouca energia para viver, ela tem que vir de algum lugar. No caso de Jani, a energia só pode ser captada dos objetos e seres que o rodeiam: Sol, terra, água, plantas, pessoas e animais. São as chamadas “fontes cósmicas” de energia. O Sol, claro, é a mais poderosa. Jani teria se transformado numa espécie de forno solar, com verdadeiras baterias solares ativadas em seu corpo. Os principais receptores de energia seriam o cérebro, a retina e a glândula pineal – que interfere na produção de hormônios.
Reciclagem de energia
Náufragos e vítimas de calamidades aprendem a utilizar energia de forma mais eficiente. Muitos passam dias ou até semanas sem comida, e seus órgãos se viram para gastar menos calorias. Com o jejum prolongado, pode acontecer o mesmo. A diferença é que Jani poderia também reciclar a energia dentro do corpo. O mecanismo seria bastante complexo e envolveria os órgãos dos sistemas nervoso e hormonal.
Predisposição genética
Jani possui um código genético diferente. Isso explicaria por que ele conseguiria captar, estocar, transformar e reciclar a energia do sol. Para ser checada, essa hipótese demanda estudos genéticos com um grupo-controle. Os médicos indianos que o examinam vislumbram a possibilidade de clonar suas células para utilizá-las em futuros tratamentos. Seu poder genético solucionaria o flagelo da desnutrição, por exemplo.