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7. Homem iPod

Derek Paravicini é cego e autista. Mas consegue reproduzir em seu piano qualquer música que já tenha escutado

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Nathália Braga

Superpoder: Memória fora do comum para música
Utilidade: Dispensar partituras e métodos tradicionais para reproduzir músicas ao piano
Frequência: 5% dos autistas

Quem vê Derek Paravicini comendo, meio que desajeitadamente e com certa dificuldade, um prato de frango ao curry em um restaurante tailandês não é capaz de imaginar a tamanha habilidade que ele tem com as mãos. Nascido prematuro, com apenas 26 semanas de gestação – quando o normal são 40 -, Derek, que tinha menos de 1 quilo, foi o sobrevivente de um casal de gêmeos que veio ao mundo no hospital Royal Berks, em Londres, em 1979.

O nascimento prematuro o fez precisar de um tratamento que desregulou o nível de oxigênio em seu sangue, fazendo com que alguns vasos sanguíneos crescessem mais do que o normal e danificassem sua retina, causando a cegueira. Também pela falta de oxigenação no cérebro, sua capacidade de aprendizado foi afetada, provocando dificuldades no desenvolvimento da linguagem e de estabelecer relacionamentos com outras pessoas. Derek é autista. Ao conversar com as pessoas, repete boa parte do que escuta, transformando qualquer pergunta em afirmação.

Mas sua habilidade de reproduzir o que ouve não se limita apenas às palavras – e se não fosse por isso provavelmente ele seria apenas mais um mortal. O que o torna um super-humano é a capacidade que o inglês tem de tocar em seu piano qualquer música que escutar.

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Derek é pianista. E dos bons. Além de não poder enxergar e, portanto, toca sem ter acesso às notas musicais, ele é capaz de repetir no instrumento qualquer música que ouvir. Mesmo que seja pela primeira vez. “Ele ouve e reproduz. Seu nascimento prematuro de alguma forma fez o seu cérebro funcionar de uma maneira particular em relação aos sons”, diz o professor particular Adam Ockelford, diretor do Centro de Música Aplicada da Universidade de Roehampton, em Londres, e autor da biografia In The Key of Genius – The Extraordinary Life of Derek Paravicini (Na Afinação do Gênio – A Vida Extraordinária de Derek Paravicini), sem tradução para o português.

Adam vem acompanhando o pianista desde que ele tinha 4 anos e meio de idade. O professor lecionava na escola de música para deficientes visuais Linden Lodge School, quando, em uma tarde, recebeu Derek para uma visita introdutória, que o empurrou do banco em frente ao piano para poder tocar Don¿t Cry for Me Argentina. Sua performance deixou o Adam atônito. “Pensei na hora: esse garoto precisa de uma atenção especial.” O menino tinha alguma intimidade com as teclas – em uma tentativa de acalmá-lo, sua babá lhe deu um pequeno órgão antigo do avô. Foi o suficiente para que ele começasse a coordenar o movimento das mãos e formar acordes. Pouco tempo depois, estava reproduzindo os hinos que ouvia na igreja que frequentava com sua família.

Mesmo assim, precisava de ajuda para se vestir e comer. Na biografia de Ockelford, seu pai relata que o garoto nasceu com menos de 1 quilo, teve morte clínica diagnosticada por duas ou três vezes e não conseguia aprender como as outras crianças. Como ele conseguia tocar tão bem era um verdadeiro mistério. Mesmo assim, passou a ter aulas diárias com Ockelford para desenvolver ainda mais seu dom – termo que ele mesmo usa para se referir ao seu talento. “Por meio da demonstração física e imitação, Derek foi aprendendo os fundamentos da técnica de tocar piano que eram necessários para ele avançar em seu talento”, diz o especialista.

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Biblioteca musical

Desde então, não parou mais. Aos 9 anos de idade, apresentou seu primeiro grande concerto no Barbican Hall, em Londres, ao lado da Orquestra Filarmônica Real. Aos 14, conheceu Lady Diana durante a cerimônia de um prêmio infantil. Hoje, aos 32 anos de idade, já viajou para diversos países por causa de suas apresentações. A música permite que Derek tenha uma vida social muito boa. Ele já esteve em várias cidades da Inglaterra, dos Estados Unidos e em boa parte da Europa.No ano passado, tocou no Queen Elizabeth Hall durante um concerto com uma peça de piano feita exclusivamente para ele pelo compositor Matthew King. O concerto foi inspirado em Gershwin, o músico favorito de Derek.

Nosso super-herói já tocou o equivalente a mais de 10 mil horas de piano. Seus gêneros preferidos são jazz e pop. Apesar de não ter registro da sua mais longa performance com o instrumento – afinal, é possível tocar uma música só por horas e horas -, ano passado Derek realizou mais um feito incrível. “Ele aprendeu uma peça com 11 mil notas em 100 horas de prática. Tudo isso apenas ouvindo. E hoje consegue reproduzir a mesma peça se você pedir que assim ele faça”, diz Ockelford. Por esta razão, o inglês é considerado um iPod humano. “Ele lembra músicas que tocou há anos e reproduz perfeitamente. É como se houvesse milhares de sons em sua cabeça. E ele não só repete o que ouve como também é capaz de improvisar. Sinceramente, não preciso ensiná-lo mais e isso é ótimo. É só deixar que ele sente em frente ao piano e faça o que tem de fazer”, afirma o mentor do pianista super-herói.

Apesar de todo seu talento, Derek mal consegue distinguir o lado direito do esquerdo e, por precisar de ajuda com tarefas básicas, como comer e se vestir, vive em uma residência para cegos mantida por uma instituição britânica. Como ele pode ser, então, tão especial em frente ao teclado de um piano?

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A psicóloga Linda Pirng, chefe do Departamento de Psicologia da Universidade de Goldsmiths, em Londres, tem acompanhado Derek por mais de 15 anos. Segundo ela, a habilidade de seu paciente está ligada à síndrome de Savant – uma espécie de “efeito colateral” do autismo. A síndrome faz com que uma pessoa portadora de desordem mental apresente determinada habilidade fora do comum – o que, no caso do pianista inglês, seria a facilidade em tocar piano e memorizar canções. “Cerca de 5% das pessoas autistas têm algum tipo de talento, alguma habilidade incrível.” Mas ainda assim, para Lisa, o que Derek é capaz de fazer está acima de qualquer justificativa dada pela ciência. “Mesmo que ele esteja incluído nessa porcentagem, diria que Derek é um em 1 milhão. Ninguém é como ele.”

Assim como gosta de tocar piano, outra característica peculiar de Derek é gostar de ser aplaudido pelo seu público – não importa a quantidade de pessoas. Mas isso não significa que ele esteja apenas querendo chamar a atenção. Segundo a psicóloga, é que assim ele sente que pode se comunicar com as pessoas.

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Artistas e autistas
Figurões como Michelângelo e Einstein teriam uma forma branda de autismo

Dificuldades de socialização, comunicação e aprendizado características da síndrome de Asperger – uma forma branda de autismo – não foram um impedimento para que grandes mentes se desenvolvessem e influenciassem a história da humanidade. Portadores dessa síndrome, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), possuem menos sintomas do que um quadro completo de autismo e têm uma inteligência acima da média. Um sintoma típico é o foco restrito a um tipo de atividade ou interesse. Isso poderia explicar a genialidade de Albert Einstein, que gostava mais de brincar sozinho, só começou a falar aos 3 anos e até os 7 repetia frases para si mesmo. Para o Centro de Pesquisa em Autismo da Universidade de Cambridge, a hipótese é de que não só Einstein mas também Newton sofria da doença. O pintor renascentista Michelangelo também teria sido portador da síndrome, segundo um estudo feito na Trinity College, na Irlanda. No documento, os pesquisadores descrevem o artista como solitário e voltado na maior parte do tempo para sua própria realidade. Além disso, os autores lembram que, no início do século passado, foram identificadas patologias como depressão, esquizofrenia e traços de paranoia.

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