Luiz Barco
No número 1 da SUPERINTERESSANTE foi publicado um ensaio fotográfico muito curioso, Potências de Dez, uma viagem do desconhecimento muito distante até o conhecimento muito próximo. Um deslocamento da ordem 1010 metros a 10-5 metros. Isto é, do começo ao fim realiza uma divisão por 1015. Este é um número que se escreve com o 1 seguido de quinze zeros: 1 000 000 000 000 000 e se chama de um quatrilhão.
Eu queria chamar a atenção de todos para o fato de que números dessa ordem inimaginável estão bem próximos de nós, às vezes até dentro de nós. O referido ensaio fotográfico, por exemplo, termina com uma bela imagem de uma célula do corpo humano. Vamos então prosseguir nessa viagem observando agora um glóbulo vermelho de sangue, que tem de diâmetro sete micra, ou 0,007 milímetros. Uma gota de sangue, que mede um milímetro cúbico, apresenta, quando observada ao microscópio, cinco milhões de glóbulos vermelhos.
Um adulto possui de cinco a seis litros de sangue, ou seja, de cinco a seis milhões de milímetros cúbicos, que vão dar 25 trilhões de glóbulos vermelhos. Colocados lado a lado, em seus infinitesimais 0,007 milímetros de diâmetro, esses glóbulos vermelhos de uma pessoa formariam uma linha de mais de 160 mil quilômetros, capaz de dar quatro vezes a volta na Terra. Através de sua superfície, esses glóbulos vermelhos absorvem e espalham oxigênio. Por serem tão pequenos, vão a toda parte do corpo humano; e por serem tão numerosos cobrem uma área muito maior do que esse corpo.
Muitas histórias são contadas envolvendo contagem de números de uma seqüência e produzindo grandes números desse porte. Vou lembrar uma delas. Na cidade de Benares, na Índia (lendas dessa espécie sempre passam em misteriosas terras orientais), há um templo no qual o deus Brahma, ao criar o mundo, colocou três estacas de diamantes, fincadas verticalmente no solo. Em uma delas, colocou 64 anéis de ouro, ficando o de maior diâmetro embaixo, e os menores em cima, segundo a ordem de tamanho. Os sacerdotes do templo, trabalhando incessantemente noite e dia, devem passar todos os anéis da primeira haste para a segunda, utilizando a terceira haste como auxiliar, e observando estas regras:
1 – mudar um anel de cada vez;
2 – não colocar um maior sobre um menor.
Diz a lenda que quando os 64 anéis tiverem trocado de haste, o tempo vai ruir e o mundo se acabar. A lenda pode parecer insensata, pois ao que se saiba o mundo não acabou. Vejamos por quê.
Se a torre tivesse apenas um anel, precisaríamos de uma passagem para trocá-lo de haste; se tivesse dois anéis, precisaríamos de 3 passagens; três anéis exigem sete passagens.
Vamos numerar os anéis para facilitar o entendimento:
1 anel 1 passagem ou 21 – 1
2 anéis 3 passagens ou 22 – 1
3 anéis 7 passagens ou 23 – 1
4 anéis 15 passagens ou 24 – 1
Quem quiser pode seguir na seqüência. Eu, para ganhar tempo, adianto que os 64 anéis vão exigir 264-1 passagens. Se os sacerdotes fizerem uma passagem por segundo, conseguirão completar 3600 por hora, 86.400 por dia, perto de 32 milhões por ano – e levarão algo em torno de 5,8 bilhões de séculos para completar a tarefa que Brahma lhes passou. Podemos estar tranqüilos que o mundo não acaba tão cedo.
Poucos dos números utilizados atualmente superam 10100, o um seguido de cem zeros, que foi batizado googol por um garoto de 9 anos, sobrinho do matemático americano Edward Kasner. Se o googol parece grande, imagine então o googolplexo, que é o um seguido de googol zeros. São de tirar o fôlego. Mas o googolplexo, o googol, o 264-1 e os cinco têm algo comum e familiar: todos são finitos.
Contar até o googol ou até 10 é parte do mesmo processo. Mas comprar a totalidade dos números naturais é outro problema, pois é preciso compreender que muito grande e infinito são inteiramente diferentes. Pense um número muito, muito, mas muito grande: esteja certo, ele não estará mais perto do infinito do que ou 1. Mas isso é outra história a que voltaremos, brevemente.