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A prática do vendedor e a teoria do arquiteto

Como tornar simples problemas complicados, usando um teorema da Geometria

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 20 jul 2009, 22h00

Luiz Barco

E freqüente a recíproca acusação entre os cultores da teoria e os adeptos da praticidade dos resultados. Da mesma forma, tem se acirrado a divergência entre os que defendem currículos escolares mais teóricos – e por isso são acusados de pedantes – e os que querem currículos mais práticos – estes, tachados de robotizados e conservadores. Não é esta seção o lugar mais apropriado para se fazer a defesa de uma ou outra dessas correntes. É inegável, no entanto, que ambas se baseiam em argumentos defensáveis e que os currículos devam ser abrangentes e amplos para contemplar as duas vertentes.

Pois bem, a propósito desse tema, presenciei recentemente uma curiosa cena em um shopping center de São Paulo, entre um vendedor de pisos cerâmicos e um arquiteto, sobre medidas para o piso. Para entender melhor é preciso ter uma idéia da construção do shopping: dois prédios isolados e retangulares. Para uni-los, os arquitetos projetaram uma torre cilíndrica, cujos pisos coincidiriam com os pavimentos dos prédios.

O vendedor deveria fornecer revestimento cerâmico para todo o caminho de circulação dos pavimentos, isto é, piso suficiente para forrar a coroa circular (faixa entre dois círculos concêntricos, ou seja, o piso quadriculado) de cada andar. Nessa altura, pude admirar o senso prático do vendedor, contrário à visão ortodoxa do arquiteto que, em nome da construtora, intermediava a compra.

Como nos encontrávamos no terceiro pavimento e não havia planta disponível, o arquiteto resolveu descer ao térreo, para tentar achar e marcar, no jardim interno, o centro dos círculos concêntricos e, depois de medir os respectivos raios (maior e menor), calcular a área da coroa circular. Qual não foi minha surpresa quando, pedindo licença, o vendedor foi até a parede externa da coroa circular, olhou como se estivesse marcando uma linha reta que deveria tangenciar o círculo interno (veja de novo a Figura 2) e começou a andar, atribuindo 1 metro a cada passo até chegar ao 18. A reta que ele percorreu é o que a Geometria chama de corda do círculo grande e, como essa corda tangenciou o círculo menor, ele deduziu que aquela corda de 18 metros era a maior corda do círculo grande.
De posse dessa medida, e só dela, o vendedor resolveu o problema: “A metade de 18 é 9 e o quadrado de 9 é 81. Multiplicado por  (3,14 aproximadamente) resulta algo em torno de 255 metros quadrados”. E completou: “Compre 10% a mais para os recortes”.

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Fiquei sinceramente surpreso, mas o melhor estava por vir. O arquiteto, um tanto irônico, sacou do bolso uma trena, conferiu a medida da corda e disse: “Tudo bem, a corda mede 18,07 metros (18 metros e 7 centímetros), mas eu não vejo como é que, somente com essa medida, você pôde calcular a área”. O sorridente vendedor observou: “Sempre gostei de probleminhas curiosos de Matemática e num deles aprendi que faixas como esta, independentemente dos raios (maior e menor), dependem somente da medida da corda”.

Eu sabia que ele tinha razão, mas não resisti e quis saber como ele fizera o cálculo. Eis a explicação do vendedor: “Se é verdade que isso vale para qualquer exemplo, deve valer também quando o círculo central tem raio zero, isto é, coincide com o ponto central e daí a corda será o diâmetro do círculo maior que cobre toda a faixa. Como a área do círculo é  vezes r² eu dividi 18 por 2 para encontrar o raio (9 metros) e multipliquei seu quadrado (81 metros quadrados) por n (3,14), obtendo a área aproximada de 255 metros quadrados”. Tinha acabado de ver o uso de um dos mais belos teoremas da Geometria elementar com um raciocínio também muito bonito e comum à intuição de respeitados cientistas, provando que, às vezes, a escola com seus currículos duros e estruturados não consegue embaçar as cabeças mais abertas e mais imaginosas.

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