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Gás natural: o grande motivo por trás do conflito entre Rússia e Ucrânia

Religião. Política. Resquícios da Guerra Fria. A tensão entre Rússia e Ucrânia tem a ver com isso - mas também há uma explicação muito mais simples. O gás.

Por Sarah Kern e Bruno Garattoni
Atualizado em 4 mar 2022, 16h08 - Publicado em 21 set 2014, 22h00

Texto originalmente publicado pela Super em 2014

Até 2013, mal se ouvia falar na Ucrânia. Ela ganhou as manchetes quando se recusou a entrar na União Europeia. A população ficou revoltada, e uma onda de protestos espalhou caos e destruição pela capital do país, Kiev. O presidente foi deposto. A vizinha Rússia começou a fazer ameaças. Os americanos entraram no jogo – ameaçando os russos. Uma tensão geopolítica que não era vista desde o fim da Guerra Fria. E todo mundo começou a debater a Ucrânia. Mas pouca gente percebeu qual o real motivo do conflito: o gás natural.

A Gazprom é uma empresa estatal russa que produz petróleo e gás natural. Ela fornece 30% de todo o gás consumido na Europa. Aproximadamente 39 milhões de lares europeus dependem do gás russo para alimentar seus aquecedores – e não congelar durante o inverno. Acontece que a maior parte desse combustível tem de passar por gasodutos na Ucrânia (veja infográfico na página seguinte). A Rússia é dona do gás, mas os ucranianos têm muito poder sobre ele. Quando Rússia e Ucrânia se desentendem, os gasodutos são fechados – e a Europa fica sem gás. E isso tem acontecido com certa frequência.

Apesar do tamanho imponente, a Ucrânia é um país pobre e muito dependente da Rússia. A economia está em crise, e o país tem dificuldade em pagar suas contas. Principalmente a da Gazprom – que fornece 80% do gás usado pelos ucranianos. Em 2005, estourou a primeira briga. Cansada de tomar calotes, a empresa russa endureceu – e retirou os descontos que dava à Ucrânia pelo uso de seu território.

Isso quintuplicou o preço do gás, que chegou a US$ 230 por mil metros cúbicos. Kiev não pagou, e os russos fecharam a torneira. Isso aconteceu de novo em 2009, quando a Gazprom foi mais rígida ainda e elevou o preço para US$ 400. Resultado: gasodutos fechados – e caos na Europa, que ficou sem receber o gás de que precisava. Durante o auge do inverno, o fornecimento à Áustria diminuiu em 90%, a Eslováquia declarou estado de emergência e instituições fecharam na Bulgária, onde as temperaturas chegaram a 15 graus negativos – dentro das casas.

De lá para cá, a Europa construiu reservatórios de gás, investiu em energia renovável e criou os gasodutos Nord Stream e South Stream, que passam pelo Mar Báltico e pelo Mar Negro. Mas ainda não são suficientes.

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Os europeus estão com medo de um novo corte de gás. E a Ucrânia se meteu num impasse. No fim de 2012, ela recebeu uma oferta de ajuda financeira da União Europeia. A Rússia também se manifestou, oferecendo um empréstimo de 15 bilhões de euros e 30% de desconto no gás. O então presidente Viktor Yanukovych fechou acordo com os russos.

“Yanukovych nunca teve a intenção de entrar na União Europeia. Era um jogo de cena. Ele sempre teve relações fortes com Moscou”, diz Andrii Kravchenko, analista político e ex-funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia. A decisão rachou o país. Na parte oriental, os ucranianos foram simpáticos ao acordo.

Já na parte ocidental, que tem laços econômicos com a UE, veio uma onda de protestos. Em Kiev, instituições do governo foram destruídas, e outras, tomadas por manifestantes. O presidente Yanukovych fugiu, e caiu. O Parlamento logo elegeu um substituto interino. “Há indícios de inconstitucionalidade nessa eleição. Yanukovych não tinha renunciado ao cargo”, diz Eduardo Saldanha, doutor em Direito Internacional pela USP. Ou seja, um golpe de Estado. E isso pode ter tido algo a ver com o Ocidente. Especificamente, com os arquirrivais da Rússia: os EUA.

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A NOVA GUERRA FRIA

Em 2008, os EUA descobriram em seu território enormes reservas de gás de xisto. Os americanos passaram a ter a maior reserva mundial de gás, colocando a Rússia em segundo lugar. E isso mudou o jogo. Agora, os EUA querem exportar gás para a Europa. Mas, para fazer isso, eles têm de minar a Rússia. Como? Controlando o corredor que fornece gás à Europa. No caso, a Ucrânia.

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Desde 2008, Washington já investiu mais de US$ 5 bilhões no país. Oficialmente, o objetivo é promover o livre mercado e manter o país “seguro, próspero e democrático”. Mas também é uma tentativa de exercer poder político. Se os EUA controlarem a Ucrânia, os russos estarão perdidos – pois os americanos farão de tudo para atrapalhar os gasodutos.

A Rússia, por sua vez, exerce influência sobre a Ucrânia de todas as maneiras possíveis. Apoiou as eleições de 2010, quando o partido pró-Moscou teve maioria esmagadora. A anexação da Crimeia, em março de 2014, foi uma demonstração de poder russo para o mundo – e para os EUA.

Moscou também tenta atrapalhar os americanos de outras formas. Recentemente, o governo russo divulgou a gravação de uma conversa entre Geoffrey Pyatt, embaixador americano na Ucrânia, e Victoria Nuland, vice-secretária de Estado dos EUA, em que ela diz não estar nem aí para a Europa. “F***-se a União Europeia.” Foi uma tentativa de criar mal-estar entre europeus e americanos, e funcionou.

Depois de aceitar o pacote russo, aquele que incluía 30% de desconto no gás, a Ucrânia novamente aprontou: parou de pagar as contas. Mais uma vez, a Gazprom retirou o benefício, o que preocupou a União Europeia. Vão fechar o gás de novo? “É pouco provável. O orçamento federal russo depende da exportação de gás para a Europa”, diz o analista Mikhail Korchemkin, da East European Gas Analysis. Ele vê outra possibilidade: terrorismo. “É possível que radicais ucranianos ataquem o gasoduto e cortem o fluxo de gás.”

Caso ocorra, o corte será menos catastrófico do que nos anos anteriores. O Hemisfério Norte está na primavera, com temperaturas mais amenas. Hoje a União Europeia tem estoques de gás suficientes para três meses. E já está em atividade o gasoduto Nord Stream, que não passa pela Ucrânia e liga a Sibéria à Alemanha, consumidora número um do gás russo.

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Mas os americanos continuam determinados a entrar no negócio. O problema é que, para ser transportado, o gás de xisto – abundante em solo americano – precisa ser liquefeito, enviado de navio, e convertido em estado gasoso novamente para o consumo. Isso tudo exige uma infraestrutura que ainda não existe. E, mesmo quando existir, tornará o gás americano bem mais caro que o da Gazprom.

Em março, Vladimir Chizhov, embaixador russo na União Europeia, disse que uma possível “Guerra do Gás” não tira o sono dos russos, pois o continente europeu só trocará o gás natural pelo de xisto daqui a 50 anos, no mínimo. E segue sendo bom cliente: em 2013, consumiu 21% mais gás russo que no ano anterior.

Até a conclusão deste texto, a Rússia continuava dizendo que não iria invadir o resto da Ucrânia – e fazendo ameaças ao mesmo tempo. O clima com os americanos também permanecia tenso, tanto que até a Nasa interrompeu seus projetos conjuntos com a agência espacial russa. O jogo está apenas começando.

Os números da discórdia

39 milhões de lares europeus dependem do gás russo.

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61,8 bilhões de dólares é quanto a Rússia fatura por ano vendendo esse gás.

775% foi o aumento no preço do gás imposto pelo governo russo à Ucrânia.

38 mil quilômetros é o comprimento total dos gasodutos ucranianos.

 

O que cada um quer:

EUA  Em 2008, descobriram enormes reservas de gás – e se tornaram a maior fonte mundial desse produto, superando a Rússia. Querem exportar gás para a Europa – mas, para isso, precisam enfraquecer o Kremlin. 

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Rússia  Tem bastante poder sobre a Europa, que precisa do seu gás para não congelar durante o inverno. Mas também depende dos europeus – que são responsáveis por 50% das exportações da Gazprom. 

Alemanha  Mantém boas relações com a Rússia – da qual compra muito gás. Mas vem tentando desenvolver fontes alternativas de energia, pois receia ser chantageada por Moscou. 

Região dos Bálcãs  É muito dependente da Rússia. Quando Moscou interrompeu o fornecimento de gás, em 2009, a Eslováquia declarou estado de emergência e a Bulgária reportou temperaturas de 15º negativos – dentro das casas.

Oriente Médio  Qatar, Azerbaijão e Cazaquistão são ricos em gás – que desejam vender à Europa. Mas, para isso, terão de construir um gasoduto: o Trans-Adriatic, que ainda não saiu do papel.

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