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Alô, alô, câmbio: entenda a política cambial

Como funciona a política cambial dos governos para estabilizar a moeda nacional.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 mar 1995, 22h00

André Singer, Carin Homonnay Petti, Jennifer Skipp

Antes um assunto obscuro de especialistas, o câmbio virou centro das atenções desde que governos inventaram de estabilizar suas economias com base nele. Agora, você tem que saber como funciona o câmbio para dormir tranqüilo. Ou para entender por que muita gente anda perdendo o sono.

Há meses você ouve dizer que o México quebrou por culpa do câmbio, que a Argentina vai-não-vai junto, e que o câmbio no Brasil é decisivo para a economia. O noticiário ficou recheado de termos e expressões que ninguém explica: reserva cambial, superávit comercial, leilão eletrônico, balanço de pagamentos. Agora, você vai entender, afinal, o que é o tal do câmbio, por que ele é tão importante, como funciona e que truques fazem uma moeda fraca ficar forte de repente para em seguida cair.

Governos latino-americanos têm valorizado as próprias moedas (e desvalorizado o dólar) para baixar a inflação. Como? Com o dólar barato, os produtos que vêm de fora ficam mais em conta. Assim, forçam os produtos nacionais a diminuir de preço para competir com o importado.

É uma estratégia cara e arriscada. Havendo muita importação e pouca exportação, os dólares dos brasileiros vão embora para pagar os produtos importados. Daí, a quantidade de dólares na praça fica pequena e, se há pouco dólar disponível, o preço dele tende a subir. É então que o governo intervém no mercado e vende dólares. O truque é aumentar a oferta de moeda norte-americana para baixar o preço dela em reais.

Mas isso têm fôlego limitado, porque as reservas um dia acabam. O que pode ajudar é a vinda do dinheiro de especuladores internacionais para o mercado financeiro nacional. É mais dólar que chega e menos reservas têm que ser queimadas. Agora, se esses voláteis investidores resolvem se mandar, começa o salve-se quem puder.

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No dia primeiro de julho de 1994, como por um passe de mágica, o Brasil passou a ter uma moeda temporariamente forte. Ela passou a valer mais do que o dólar, de repente. Um dia antes valia muito, muito menos. Em 24 horas sofreu uma enorme valorização. Como o governo conseguiu essa proeza? Simples: parou de comprar dólares e o preço da moeda norte-americana despencou.

Naquele dia, o Banco Central deixou de cumprir a rotina que se estabeleceu em dezembro de 1991. Desde então, o BC comprava todo dólar a que tinha acesso: aqueles que os exportadores brasileiros e os investidores traziam para o Brasil. Mas naquele primeiro de julho não comprou nada. Simples assim. O preço do dólar, que estava em 2 750 cruzeiros reais, despencou para 0,93 centavos de real e continuou caindo: foi para 0,89 em agosto, em setembro desceu até 0,85 e bateu nos 0,83 no mês de outubro.

Isto aconteceu porque o BC é o maior comprador de moeda estrangeira no Brasil. Quando ele resolveu parar de comprar, sobraram dólares e o preço caiu. A condição de maior comprador é garantida ao BC pelo fato de que ele é a única instituição do país que emite dinheiro. Portanto, teoricamente, os seus fundos não têm limites. Toda vez que ele precisa de mais recursos põe a máquina de imprimir dinheiro para funcionar e fabrica reais. É verdade que isso pode gerar, segundo alguns economistas, um aumento da inflação, porque haverá mais dinheiro em circulação. Mas essa é outra história.

Depois de chutar o valor do real para cima, o governo tem novas dificuldades para manter a moeda nacional valorizada. É um mecanismo aparentemente complicado, mas na verdade fácil de entender. Quando o dólar cai, as importações ficam baratas e as exportações, caras. Digamos que um sapato brasileiro custe R$ 20,00. Se um dólar valesse um real, ele chegaria aos Estados Unidos a US$ 20,00. Com o dólar valendo, vamos supor, 0,88 centavos de real, o sapato chega aos EUA valendo US$ 22,72. Quer dizer: os exportadores brasileiros perdem competitividade e suas vendas no exterior declinam.

Acontece que os importadores precisam comprar dólares no Brasil para pagar as importações e a maior fonte desses dólares são justamente as exportações, porque o exportador tem que vender os dólares que ele recebe no exterior para continuar produzindo no Brasil. Com as importações crescendo — porque com o dólar desvalorizado o produto estrangeiro fica barato — e as exportações caindo, começam a sair mais dólares do que aqueles que entram. Em pouco tempo a procura passa a ser maior do que a oferta de dólares. Então, o preço começa a subir. Por isso é difícil manter o real valorizado.

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Para evitar que o dólar suba, o governo, que havia passado os últimos anos comprando, muda de lado e começa a vendê-lo. O BC chegou a ter no meio de 1994, cerca de 42 bilhões de dólares em reservas (o número exato é segredo de Estado), uma soma maior do que as reservas cambiais da França e da Inglaterra. De julho de 1994 a fevereiro de 1995 ele queimou uns 6 bilhões de dólares dessas reservas para impedir que o preço das verdinhas subisse. E teria queimado bem mais, caso não tivesse chegado ao Brasil uma enorme quantidade de capital especulativo internacional para operar no mercado financeiro.

Mas, em dezembro de 1994 explodiu a crise do México. O México estourou porque houve uma corrida por dólares e o governo não teve reservas suficientes para manter valorizado o peso mexicano. Uma parte dos investidores estrangeiros com dinheiro por aqui ficou apavorada, achando que o mesmo aconteceria na Argentina e no Brasil, e começou a se mandar. Aí a situação complicou, obrigando a uma desvalorização do real em março.

No primeiro semestre de 1994, chegavam ao mercado financeiro do Brasil quase 100 milhões de dólares por dia. O governo brasileiro comprou esses dólares avidamente para fortalecer as suas reservas. O capital especulativo não é a única fonte de reservas, mas foi, e é importante. Calculava-se que, dos cerca de 37 bilhões de dólares em reservas que o Banco Central dispunha em março passado, nada menos que 15 bilhões tiveram sua origem na entrada de capital externo. Grande parte do resto vinha dos exportadores.

Com a queda das exportações, os dólares que se dirigem ao mercado financeiro ficaram mais importantes. Uma forma de atrair os capitais especulativos é aumentar a taxa de juros. O governo promete pagar mais a quem comprar os seu títulos — que são vendidos nos fundos de renda fixa para aplicadores estrangeiros. Em janeiro passado, havia de 3 a 4 bilhões de dólares aplicados nesses fundos. Mas a maior parte dos investimentos estrangeiros estava concentrada nas bolsas de valores, nas quais são negociadas ações das empresas. Segundo algumas estimativas, havia 14 a 15 bilhões de dólares aplicados nas bolsas brasileiras em janeiro de 1995.

Mas era um dinheiro muito instável. Os analistas financeiros que assessoram os grandes investidores avaliam permanentemente os riscos de mandar o dinheiro para cá e para lá. Se houver muita instabilidade política em um país, o risco de entrar ali fica muito alto e, apesar de taxas de juros convidativas e do bom preço das ações, os investidores recuam. O problema deles é o seguinte: só interessa o lucro em dólares. Se, de uma hora para outra, a moeda em que eles investiram se desvaloriza, como aconteceu com o peso mexicano, eles se estrepam.

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Veja um exemplo hipotético. Digamos que o fundo de pensão dos empregados da General Electric queira investir 100 milhões de dólares no Brasil. O fundo escolhe um banco americano que tenha filial no Brasil, como o Chase Manhattan. Então, o Chase pega os dólares dos empregados da GE, troca por reais e compra ações na Bolsa de Valores de São Paulo. Se as ações tiverem um bom rendimento, mais dinheiro é investido. Mas se, de repente, o real sofre uma desvalorização de 60%, como aconteceu no México, na hora que o pessoal do fundo de pensão da GE quiser o seu dinheiro (com os ganhos) de volta, será o desastre. Ele terá que comprar dólares. Como o real está valendo 60% menos, eles vão comprar 60% menos dólares.

Aí a perda é muito grande.

Para não serem pegos nesse contrapé, os investidores começam a tirar seu dinheiro ao menor sinal de que o governo pode não sustentar a taxa de câmbio. Por isso é que os governos interessados em atrair esse capital precisam fornecer uma garantia básica: a de que a qualquer momento que ele deseje sair do país, o governo lhes venderá os dólares necessários para que ele volte a sua terra sem prejuízos.

Depois da quebra do México, em que os investidores que não haviam saído a tempo perderam muito dinheiro, o capital especulativo começou a fugir do Brasil. Entre janeiro e fevereiro de 1995, estima-se que 4 bilhões de dólares desse capital bateu asas e voou. Ocorre que, ao começar a sair, com medo de a moeda se desvalorizar, o próprio capital especulativo força o real para baixo. Ao comprar dólares em grande quantidade, ele acaba por exceder a capacidade do governo de vender esses dólares e aí o dólar sobe e a moeda nacional despenca de uma hora para outra. É a quebradeira.

Precavido, o governo brasileiro se adiantou e fez uma pequena desvalorização do real em março, já anunciando outra para maio. Com isso, tentou estimular a exportação, atraindo novos dólares, e desestimular as importações. Mudou de rumo antes que as circunstâncias piorassem.

Para saber mais:

Todo o dinheiro do mundo (SUPER número 12, ano 3)

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Dinheiro, sim!

(SUPER número 7, ano 8)

Glossário

RESERVA CAMBIAL: Quantidade de ouro e moeda estrangeira (principalmente dólar) que o Banco Central do país tem e controla.

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BALANÇA COMERCIAL: É a relação entre o que um país exporta e o que ele importa. Quando o país exporta mais do que importa, a balança comercial está positiva (com superávit). Quando ele importa mais do que exporta, ela está negativa (com déficit).

BALANÇO DE PAGAMENTOS: Saldo final entre todas as divisas que entraram e saíram do país em um determinado período.

DERIVATIVOS: São mercados de “apostas” futuras. Não se negociam mercadorias, ações ou moedas, mas “apostas” de quanto elas vão valer em um certo período de tempo.

CAPITAL ESPECULATIVO: Nome genérico que se dá aos cerca de 20 trilhões de dólares que circulam pelo mundo em busca de oportunidades de investimentos de curtíssimo prazo. É, em sua maioria, constituído por fundos de pensão (poupanças privadas visando aposentadoria) dos Estados Unidos.

ALÍQUOTAS DE IMPORTAÇÃO: Imposto federal sobre as importações. À medida que o governo aumenta as taxas, como fez em fevereiro passado com os carros, dificulta as importações.

ACCs: Adiantamento de Contratos de Câmbio. O governo compra antecipadamente do exportador os dólares que só entrarão no país mais tarde. Assim, estimula o empresário nacional, que pode aplicar esse dinheiro.

Como o Banco Central consegue manipular o preço do dólar

Em seis etapas, o ritual diário que dá ao BC a condição privilegiada de acompanhar de perto as oscilações do mercado e, se necessário, intervir para segurar as pontas.

À procura de dólares

Vamos supor que o corretor ao lado represente um investidor estrangeiro preocupado com a desvalorização do real e por isso tenha mandado vender suas ações na bolsa e tirar seu dinheiro do Brasil. O corretor vende as ações e tenta trocar os reais por dólar para mandar o dinheiro embora.

Fechando negócio

O operador na mesa de câmbio de um banco comercial, procurado pelo corretor ali de cima, propõe uma taxa para fazer a troca. A taxa está um pouquinho acima da média, mas o corretor que quer vender os reais aceita. A transação é concluída e comunicada ao BC pelo computador.

Nova taxa é divulgada

No quinto andar do edifício-sede do BC em Brasília, a mesa de câmbio recebe a informação de que foi concluída uma operação de venda de dólares por uma taxa um pouco mais alta que a média do dia anterior. O BC, então, recalcula a taxa média e a envia, por computador, a todos os bancos.

Cresce a pressão

Depois de receber a nova taxa média, a mesa de câmbio de outro banco é contactada por outro investidor interessado em comprar dólares. O operador propõe uma taxa um pouco mais alta que a nova média e o corretor aceita. O BC é avisado.

Hora de intervir

A mesa de câmbio do BC percebe que está se configurando uma tendência de alta. O responsável pela diretoria de operações internacionais é imediatamente avisado. Para impedir que o preço do dólar ultrapasse o teto estabelecido pelo governo, o banco pode decidir pela intervenção. A hora é agora.

Aviso de leilão

Decidida a intervenção, o BC manda aquilo que no jargão dos operadores se conhece por A2. É um aviso que aparece na tela das mesas de câmbio, no qual se anuncia que o BC vai vender dólares em dois minutos e que os bancos devem preparar seus lances.

O capital viajante

Aplicações muito discretas

Os grupos que controlam os 20 trilhões de dólares do mercado financeiro internacional — permanentemente em busca de rendimentos ao redor do mundo — não gostam muito de divulgar as operações que realizam, quanto ganham e onde andam aplicando.

Os negócios não são ilegais e o banco central de cada país tem acesso a elas — mas há uma espécie de pacto entre os bancos centrais, os bancos comerciais e as bolsas, pelo qual os nomes dos aplicadores e o montante de cada operação não são divulgados.

A mala preta

Hoje, a famosa ���mala preta” — gíria que designa forma de transportar grandes volumes de dinheiro para fins nem sempre lícitos — foi substituída pelo computador e pelo telefone. É por meio deles que as administradoras que gerenciam o capital financeiro transmitem suas ordens de aplicação.

Solas viajadas

Os administradores do capital financeiro não carregam o dinheiro na mala, mas viajam muito. Eles percorrem pessoalmente os países onde existem chances de lucro. In loco, obtêm informações e montam um quadro preciso da situação.

Investidores que só querem se aposentar

Os verdadeiros donos da maior parte do chamado capital especulativo que gira pelo mundo (ao todo são 20 trilhões de dólares) são trabalhadores norte-americanos, preocupados em garantir uma velhice tranqüila. Eles são os muitos donos dos fundos de pensão, que constituem a maior parte do capital estrangeiro investido no mercado financeiro do Brasil. São principalmente originários dos Estados Unidos, como o General Electric Pension Trust (Fundo de Pensão da General Eletric) e o State of California Public Employee Retirement Sistem (Sistema de Aposentadoria dos Funcionários Públicos do Estado da Califórnia), cadastrados para operar no Brasil desde 1993.

Esses fundos são entidades de previdência privada que reúnem contribuições voluntárias dos empregados de empresas particulares ou públicas. Seu objetivo é dar ao funcionário, na aposentadoria, o mesmo padrão de vida que ele tinha enquanto estava trabalhando. Os fundos brasileiros também são hoje grandes investidores econômicos.

Reunindo bilhões de dólares, os fundos de pensão americanos são administrados por empresas próprias, criadas especialmente para isso, ou por bancos contratados. Boa parte do trilhão de dólares que circula diariamente pelo mundo em busca de oportunidades de especulação financeira é dinheiro que vai virar aposentadoria.

Normalmente, os fundos de pensão estrangeiros ou seus representantes preferem investir em países nos quais existam filiais de bancos americanos. O Chase Manhattan, o Citibank ou o Banco de Boston ou corretoras são alguns dos canais por onde esse capital chega ao Brasil.

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