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Cabo de guerra

As bombas jogadas na Iugoslávia intensificam uma disputa de mais de 600 anos no caldeirão de povos que é o Kosovo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 abr 1999, 22h00

Leonardo Sakamoto

O medo já não era novidade na Iugoslávia quando as bombas da Organização do Tratado do Atlântico Norte, a Otan, começaram a cair no dia 24 de março. No Kosovo (pronuncia-se Côssovo), província cercada de montanhas ao sul do país, o terror é permanente. Na raiz da violência está a composição da população. Com a metade do tamanho de Sergipe, o Kosovo tinha 1,8 milhão de habitantes antes do começo da guerra – 90% de etnia albanesa e religião muçulmana e 10% de etnia sérvia e fé cristã ortodoxa. Os dois grupos, com línguas e até alfabetos diferentes, nunca se entenderam. Há séculos um tenta expulsar o outro. Agora, a agressão vem dos sérvios, minoria na província mas maioria no país todo.

Atacado pelos guerrilheiros do Exército de Libertação do Kosovo, e receoso de que a região conseguisse a independência – e quem sabe se unisse à vizinha Albânia –, o Exército sérvio do presidente Slobodan Milosevic fez o diabo apoiado por forças paramilitares. Queimou casas, estuprou e matou. A Otan interveio para forçar a paz e a reação sérvia foi massacrar ainda mais os kosovares albaneses. Até meados de abril, 590 000 deles já haviam fugido para países vizinhos.

A debandada não é a primeira. Como um cabo-de-guerra, o Kosovo ora pende para um lado, ora para outro. “Discute-se quem teria o direito natural à terra. Mas isso é algo que não existe”, diz Demétrio Magnoli, doutor em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo. No centro dessa briga meio religiosa, meio nacionalista, vence o medo, que, pelo jeito, vai demorar para ir embora.

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1. Os primeiros povos

No século VII, tribos eslavas invadem os Bálcãs, parte do Império Bizantino. Um desses grupos, o dos sérvios, se instala na região do Kosovo, ocupada pelos ilírios desde 2000 a.C., e converte-se ao cristianismo ortodoxo. De 1330 a 1355, o Reino Sérvio, no auge da sua expansão, foi o mais poderoso da região.

2. A grande batalha

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Em 28 de junho de 1389, o Império Otomano esmaga a nobreza sérvia na Batalha de Kosovo Polje. A luta virou um mito. “O sangue correu até o ventre dos cavalos, inundando os homens até a cintura”, canta o povo. Nos séculos seguintes, crianças são tiradas dos pais para serem incorporadas ao exército e ao harén do sultão turco.

3. Primeira debandada

Em 1529, o sultão Solimão I tenta tomar Viena, no império austríaco, mas não consegue. Derrotados, os otomanos voltam para o Oriente destruindo tudo. Os sérvios de Kosovo fogem para o norte e os albaneses tomam suas terras, aderindo à religião muçulmana. Revoltas sérvias são duramente reprimidas.

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4. Vingança

Nas Guerras Balcânicas, em 1912 e 1913, os sérvios reconquistam o Kosovo e reprimem os albaneses. O assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, por um sérvio, detona a Primeira Guerra Mundial. Em 1917, é criado o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, embrião da Iugoslávia.

5. Meio a meio

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Em 1939, Mussolini toma a Albânia e o Kosovo. Até então, os kosovares se dividiam entre sérvios e albaneses. Na Segunda Guerra Mundial, 100 000 sérvios são expulsos do lugar e 10 000, mortos. Em 1945, o Marechal Tito cria a Iugoslávia socialista e promete paz. Mais albaneses se mudam para a região. Em 1953, os sérvios já eram só 27,9%.

6. Quem manda?

Em 1965, o Kosovo vira uma província autônoma da Sérvia. Os albaneses querem mais: dizem ter direito à terra como descendentes dos velhos ilírios. Em 1971, a proporção de sérvios cai para 20,9%. Com a morte de Tito, em 1980, o nacionalismo e a pobreza acendem de novo a violência étnica e o separatismo. Mais sérvios fogem.

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7. Limpeza suja

Em 1989, 3 milhões de sérvios marcham em direção ao sul para comemorar o 600º aniversário da Batalha de Kosovo Polje. Lá, o presidente Milosevic convoca todos a lutar pelo “berço da pátria” e deslancha uma limpeza étnica contra croatas, bósnios, eslovenos, macedônios e, é claro, albaneses.

8. Fim da autonomia

Em 1990, as províncias de Kosovo e Voivódina perdem a autonomia. A oposição kosovar proclama a independência. Em 1991, começa a guerra civil na Iugoslávia. Cem mil albaneses são demitidos e sua língua é proibida nas escolas. De 1991 a 1995, quatro repúblicas se separam do país: Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia.

9. E agora, Milosevic?

Em março de 1999, a Otan (formada por Estados Unidos, Bélgica, Canadá, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Reino Unido, Grécia, Turquia, Alemanha, Espanha, Polônia, República Tcheca e Hungria) ataca a Iugoslávia alegando a defesa dos direitos humanos dos kosovares albaneses. Os sérvios descontam neles, que fogem em massa (veja mapa à esquerda). A Otan, porém, não quer a independência da província. Com o apoio da Rússia à Sérvia, sua tradicional aliada, os países dos Bálcãs se dividem. A escalada do conflito pode dar início a uma guerra total, bem no centro da Europa. A dois passos de Roma e Berlim.

Por baixo do solo

Religiões, etnias e 5 bilhões de dólares na jogada.

Apesar da pobreza do povo, o Kosovo tem lá sua riqueza. Ela está no subsolo da região de Trepca, ao norte da província, em minas de chumbo, zinco e carvão, com valor estimado em 5 bilhões de dólares. Há um ano, a CIA – o serviço secreto americano – afirmou em relatório que o Kosovo tem o maior potencial daquela parte da Europa. Quem não quer 5 bi?

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