Como o origami está moldando as tecnologias do futuro
As tradicionais dobraduras japonesas não são brinquedo: saiba como essa técnica está revolucionando as viagens espaciais, a medicina e a nanorrobótica.
Quanto maiores são os painéis solares de uma espaçonave, mais rápido e mais longe ela pode ir. Mas como levar placas gigantes, com mais de 20 metros de diâmetro, para fora do planeta? Até hoje, resolvemos esse problema de dois jeitos: levar a estrutura em lotes para ser montada no espaço – como acontece na Estação Espacial Internacional – ou nos contentar em enviar os pequenos painéis que impulsionam as sondas espaciais. No segundo caso, uma limitação incomoda os engenheiros aeroespaciais: com superfície reduzida, a captação de energia diminui conforme a nave se afasta do Sol, aumentando o tempo de “bronzeamento” necessário para mantê-la funcionando. Coincidentemente, essa busca por energia solar está sendo solucionada com uma tecnologia milenar da Terra do Sol Nascente: o origami, nome das tradicionais dobraduras japonesas.
Inspirados pela ideia de dobrar os painéis como se fossem uma folha de papel, pesquisadores da Universidade Brigham Young (BYU), nos EUA, projetaram o Hanaflex (hana significa “flor” em japonês). Trata-se de um sistema de placas solares compacto o suficiente para caber dentro de um foguete e capaz de aumentar mais de 80 vezes de tamanho ao se desdobrar no espaço.
O protótipo mais recente do Hanaflex, fechado, tem 2,7 m de diâmetro (23 m2). Quando ele se abre em pétalas, o diâmetro vai para 25 m, ocupando mais de 1.960 m2 (o equivalente a 12 quadras de vôlei). Parece grande o suficiente? Em teoria, os origamis espaciais podem até ser maiores. “É possível incorporar novas camadas a uma estrutura dobrável sem perder as maiores qualidades do sistema: ser compacto, resistente e dobrável”, afirma o engenheiro mecânico Larry Howell, da BYU.
Os resultados do Hanaflex dobraram a Nasa, que atualmente colabora com as pesquisas da BYU. De carona no conceito das dobraduras, a agência espacial americana pesquisa a aplicação delas para o envio de outros equipamentos para o espaço, como telescópios e antenas compactados. Ou mesmo para aumentar e diminuir o tamanho de uma peça de acordo com uma demanda específica. É o caso dos reguladores de temperatura de satélites e rovers espaciais. Esses equipamentos servem para dissipar ou reter o calor de peças e circuitos do maquinário – mais ou menos como a ventoinha faz quando seu computador aquece demais. Só que essa regulagem de temperatura ocorre por contração ou expansão de uma superfície dobrável que dá forma e volume a esses termostatos. Há décadas a engenharia procura soluções semelhantes para maquinário de grande porte. Portanto, o uso do origami pode resolver esse desafio em equipamentos usados na Terra.
Num futuro não tão distante, tendas dobráveis poderiam ser transportadas até a Lua ou Marte, ocupando pouquíssimo espaço na viagem. Uma vez em solo lunar ou marciano, os pneus dos rovers poderiam se dobrar para ganhar ranhuras, superando terrenos acidentados, ou para ficarem lisos e mais rápidos em superfícies planas.
Como levar painéis solares gigantes para fora do planeta
A. O Hanaflex é um conjunto de placas solares enfileiradas de acordo com um modelo matemático concebido pelo japonês Kyoro Miura nos anos 1980.
B. A dobradura permite a compactação da estrutura. Com diâmetro de 2,7 m, o Hanaflex dobrado cabe tranquilamente num foguete espacial.
C. A estrutura se desdobra com fluidez e multiplica sua área em mais de 85 vezes: o painel ocupa 1.960 m2, equivalente a 12 quadras de vôlei.
Das alturas às miniaturas
Em paralelo aos feitos grandiosos que a Nasa planeja tirar do papel, pesquisadores do MIT, da Universidade de Sheffield e do Instituto de Tecnologia de Tóquio também se apoiam no origami para empreitadas microscópicas. As três instituições criaram um robô extraordinário, formado por finas películas planas com mísero 1,7 cm de comprimento. Aquecido a 100 ºC, ele leva quatro minutos para se dobrar sozinho, num formato pré-programado. Na sequência, a plaquinha maleável se conecta a um ímã, que orienta os deslocamentos, formatos e funções que o robozinho vai assumir – tudo controlado por eletromagnetismo.
Quando termina a tarefa, o robô é programado para procurar uma superfície líquida. Nessa sopa derradeira, a placa se biodegrada e sobra o ímã para servir como base para outro robô. É um minitransformer real, capaz de gerenciar, de maneira autônoma, seu ciclo de vida útil.
Mas para que serve um minúsculo robô de papel amassado? Uma versão simplificada do protótipo do MIT – sem o motorzinho de ímã – foi capaz de, ingerido por comprimido, resgatar uma bateria de relógio e colocar um adesivo de reparo na parede de um estômago artificial – todo ano, 3,5 mil casos de baterias engolidas são reportados nos EUA, muitos deles causando queimaduras na mucosa estomacal. Numa aplicação real, ele poderia, ao fim da tarefa, se desfazer dentro do organismo, sem efeitos colaterais. Ou então, em versões aumentadas, robôs dobráveis poderiam desbravar locais de difícil acesso, como buracos e cavernas, para localizar pessoas, minerais ou fósseis.
Os desdobramentos do origami se espalham por muitas outras áreas sem conexão aparente. Um exemplo da arquitetura: a fachada do edifício Greenland Dawangjing, em Pequim. Em vez de uma parede lisa, um conjunto de painéis de vidro, inclinados para dentro e para fora, trabalham para economizar luz e ar-condicionado ao mesmo tempo: as dobraduras aumentam a iluminação natural do prédio e refratam parte dessa luz, diminuindo a temperatura interna. Sistemas parecidos poderiam ser aplicados em residências pelo mundo.
Princípios do origami também vêm sendo usados para desenvolver stents cirúrgicos – tubos usados para reparar vias sanguíneas e outros dutos do organismo. Ah, e mais uma vez trazendo a tecnologia espacial de volta à Terra, painéis solares caseiros poderiam mudar de formato, ficando cilíndricos em momentos favoráveis do dia para captar até 2,5 vezes mais energia.
“Quando uma estrutura precisa existir em duas configurações diferentes, e ao menos uma delas é plana, as dobraduras proporcionam uma forma muito eficiente de fazer a transição”, explica o físico e designer americano Robert Lang, pioneiro nas pesquisas sobre aplicações práticas das técnicas de origami. Ele já projetou um telescópio espacial com lentes dobráveis – o Eyeglass, nunca construído – e, mais recentemente, desenvolveu um padrão de dobraduras para airbags automotivos para a empresa alemã EASi Engineering.
A origem
O origami apareceu no Japão por volta do século 6, mais ou menos na mesma época em que o papel chegou ao país – ori significa “dobrar” e kami, “papel”. Os primeiros usos da técnica eram exclusivos para cerimônias budistas, já que a matéria-prima era muito cara. Quando o papel ficou acessível à população, as dobraduras passaram a representar elementos cotidianos, como animais e barcos – que invariavelmente viravam brinquedos. As técnicas se diversificaram a partir do século 16 e um livro, em especial, ajudou a popularizar os origamis: o Senbazuru orikata, um manual de instruções publicado em 1797.
Ao longo do tempo, começaram a surgir caixas, esferas, bonecos. Não há limite de tamanho: dinossauros de mais de 2 m de altura já foram desenvolvidos a partir de uma única folha de papel grande o suficiente.
Mas como dobrar objetos que não são naturalmente maleáveis usando as mesmas técnicas aplicadas ao papel? Afinal, poucos materiais aliam a flexibilidade e a resistência da matéria-prima dos origamis. Diante da impossibilidade de construir painéis solares e microrrobôs com folhas de sulfite, cada invenção exige uma solução particular.
O Hanaflex, por exemplo, é baseado na técnica desenvolvida pelo astrofísico japonês Koryo Miura. Ele calculou e desenhou uma padrão de losangos com ângulos bem definidos. Aplicado como dobraduras em uma folha, esse padrão permite que ela se compacte e se expanda repetidamente com fluidez, mantendo os mesmos formatos inicial e final.
Como funcionam os microrrobôs dobráveis
1. Três películas plásticas com 1,7 cm de comprimento são sobrepostas. As mais superficiais contêm vincos que orientam as dobraduras. O “recheio” é feito de PVC, que se contrai sob altas temperaturas.
2. Um controle remoto eletromagnético orienta o robozinho. O contato é feito por meio de um ímã cúbico que também faz as vezes de motor.
3. As películas podem ser biodegradáveis, para não deixar vestígio em missões dentro do organismo – o robô já resgatou objetos e aplicou curativos num estômago artificial. Versões em escala nano prometem atacar células cancerígenas.
Cortando um dobrado
As células de captação de energia solar do Hanaflex são apoiadas sobre placas bem mais finas do que as usadas em painéis solares convencionais. O esforço vale para que elas sejam encaixadas de maneira que permitam dobraduras. Já o robozinho do MIT é formado, basicamente, por três finas camadas. O recheio do sanduíche é feito de PVC – sim, aquele do encanamento da sua casa –, e se retrai em contato com o calor. As camadas externas contêm vincos que induzem a dobradura desejada em cada parte da superfície. Ou seja, haja engenharia para viabilizar as dobraduras em materiais e escalas variadas – incluindo a nanoscópica.
“O origami não depende da escala. Podemos rascunhar padrões geométricos usando papel e depois aplicá-los para desenvolver chips em escala microscópica. Ao dobrarmos esses chips, podemos formar circuitos ainda menores mantendo a capacidade de processamento”, diz o físico Itai Cohen, pesquisador de nanotecnologia da Universidade Cornell. Tudo muito bonito na teoria. Na prática, polímeros normalmente utilizados no desenvolvimento de máquinas microscópicas não funcionam direito quando são dobrados. Por isso, a equipe de Cohen se desdobrou atrás de um material capaz de viabilizar o origami nanoscópico. E o problema foi solucionado com um dos materiais mais fortes, leves e finos que existem: o grafeno, composto formado por átomos de carbono alinhados de forma plana e duzentas vezes mais resistente do que o aço.
E como faz para dobrar um material tão forte assim? “Ele é condutor e completamente compatível com as dobraduras”, afirma Cohen. “O grafeno não fica com marcas definitivas, como acontece com o papel nos origamis tradicionais. Nós apenas criamos condições para que o material se movimente na direção que precisamos.”
Seguindo os passos de Cohen, pesquisadores da Universidade Donghua, de Xangai, anunciaram, em 2015, que criaram um robô automontável, formado por nanofolhas de grafeno. Assim como o protótipo do MIT, este se monta sozinho e caminha por um trajeto programável. E já dá para enxergar as aplicações para robôs dobráveis tão diminutos: eles atuariam em nível intracelular, entregando medicamentos com precisão inédita. Também poderiam atuar como anticorpos de controle remoto, atacando células cancerígenas cirurgicamente, sem danificar células saudáveis. Do espaço sideral às nossas entranhas, as dobraduras high-tech brincam com os limites da nossa imaginação. Assim como os origamis de papel fazem há 15 séculos.