Conselhos errados que as pessoas dão: “Siga o seu coração”
É o clássico conselho-clichê: diante de um impasse grande, abandone a lista de prós e contras, feche os olhos e ouça o seu feeling. O fato é que não cabe a você optar por emoção ou razão. Seu cérebro se encarrega de misturar as coisas
Escrever com caneta preta ou azul? Ir de calça ou bermuda? Casar com a namorada de anos ou largar tudo para procurar a verdadeira paixão? Você provavelmente já reparou que passamos boa parte da vida tomando decisões, das mais banais às mais complexas. O que nos diferencia dos outros mamíferos é nosso cérebro com um córtex frontal altamente desenvolvido, área responsável por inteligência, moral e capacidade de analisar e comparar fatos antes de uma decisão. Nosso poder de racionalizar e usar a lógica para fazer boas escolhas é motivo de exaltação e estudo há séculos – dos filósofos gregos aos neurocientistas, passando pela inteligência artificial, que tenta reproduzir essa capacidade racional em máquinas. Por que diabos, então, basta você se ver diante de um dilema mais profundo para alguém vir recomendar que você siga o seu coração?
Se quiser responder com propriedade, você pode explicar que a ciência já comprovou que a tomada de decisão não é uma dicotomia e que não dá para optar entre usar apenas a razão ou seguir seu coração. Diversas pesquisas já mostraram que cada decisão depende de um bem-bolado entre a experiência pessoal, o instinto e a razão – em combinações e intensidades desencadeadas por uma série de fatores. Ou seja, mesmo na cabeça da mais passional das pessoas ou do mais cartesiano dos sujeitos, o processo de decisão não ocorre de forma isolada.
O que acabou com a antiga divisão radical entre razão e emoção foi uma parte do cérebro descoberta na década de 1980 pelo neurocientista António Damásio, autor do livro O Erro de Descartes: o córtex orbito-frontal. Localizado atrás dos olhos, ele faz a comunicação entre o cérebro primitivo (inconsciente) e o córtex pré-frontal (consciente). Ou seja, mesmo que você se considere tão objetivo quanto um personagem da série The Big Bang Theory, seus sentimentos sempre entram em campo para dar uma força. Sem esse equilíbrio, você passaria a tarde no restaurante por quilo sem saber se deveria colocar no prato arroz integral ou branco, frango ou carne. Pior: sem essa conexão com o lado sentimental, você nem sofreria com o impasse.
“A expansão do córtex frontal durante a evolução humana não nos tornou criaturas puramente racionais. Uma parte significativa dessa área do cérebro está envolvida com a emoção”, diz o jornalista especialista no tema, Jonah Lehrer, que escreveu O Momento Decisivo. Hoje se sabe que, quando temos que tomar uma decisão pá-pum, o que mais pesa é a experiência. Tudo o que vivemos fica registrado e catalogado em uma área do cérebro chamada centro de recompensas: se no passado você tomou uma decisão acertada, quando estiver diante de uma situação semelhante, seu cérebro vai conspirar para que você escolha o caminho de repetir o sucesso. Isso aconteceria graças à liberação de dopamina, neurotransmissor associado ao bem-estar, que avisa às demais partes do cérebro como agir. É graças a ela que um jogador sabe, sem fazer conta, qual é o melhor jeito de chutar no gol – claro que existem outras variáveis em jogo, mas o seu inconsciente terá feito a parte dele para influenciar o placar.
Quando a decisão tem a ver com a sobrevivência da espécie, quem manda mais é o instinto. Leia-se: impulsos enviados pela amídala e pela ínsula anterior (relacionada à repulsa e à raiva) e processados pelo córtex pré-frontal.Eles fazem você agir para salvar alguém de um atropelamento ou levantar a mão quando encosta numa chapa quente. Já a razão seria protagonista quando se avaliam dilemas com visão de longo prazo, do tipo casar ou comprar uma bicicleta: aí tendemos a desligar o piloto automático e caprichar na comparação de prós e contras.
É claro que nosso cérebro nos prega peças. No seu mais novo livro, Thinking, Fast and Slow, o psicólogo ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2002, Daniel Kahneman, mostra como vários equívocos acontecem ao nos deixarmos levar pela confiança e pelos preconceitos – ou seja, quando damos crédito demais ao tal feeling a ponto de ignorar a lógica. Em um de seus estudos mais famosos, Kahneman apresentava aos voluntários uma personagem fictícia, a estudante Linda: solteira, franca, brilhante, preocupada com justiça social e discriminação. Ao ouvir a descrição, os participantes tinham que dizer se ela era “caixa de banco” ou “caixa de banco e ativa no movimento feminista”. Ele realizou esse estudo por décadas, com diferentes grupos, e constatou que a maioria escolhia a segunda alternativa, sem perceber que a primeira já seria uma resposta correta – e mais segura. Até mesmo alunos da Escola de Negócios de Stanford, com formação em probabilidade, ignoraram seus conhecimentos de que adicionar um detalhe só diminuiria a chance de acerto nesse caso: 85% apostaram no engajamento de Linda.
Pense duas vezes antes de escolher
Embora a tendência seja tomar decisões fáceis por impulso, estudiosos como Lehrer defendem que há escolhas cotidianas que podem se beneficiar de uma deliberação mais consciente. Em uma experiência, cientistas da Universidade de Amsterdã mostraram a pessoas que queriam comprar carros avaliações de 4 veículos, cada uma com 16 informações organizadas em 4 categorias (parte mecânica, estado de conservação etc.). Um dos carros tinha mais características positivas e, por isso, era a melhor opção de compra. Parte dos potenciais compradores teve um tempo para se dedicar a pensar sobre sua escolha depois de ler as descrições. No outro grupo, foram estimulados a se divertir com jogos de palavras cruzadas depois de ler as avaliações – até que os pesquisadores interromperam a brincadeira e os fizeram escolher o carro na lata. Triunfou a razão: perto de 60% dos participantes do primeiro grupo escolheram o melhor carro. No grupo da decisão-relâmpago, 40%.
Já quando uma questão tem muitas variáveis complexas, pouco sistematizadas, viu-se que não adiantava quebrar a cabeça. Quando os carros foram avaliados em 20 categorias com 48 informações diferentes sobre cada um, a coisa mudou de figura: menos de 25% dos participantes que agiram conscientemente fizeram a escolha certa. O grupo que decidiu na lata obteve 60% de sucesso. Para os pesquisadores do time Ap Dijksterhuis, a lição para situações complexas assim é: “Use a mente consciente para obter toda a informação que precisa para decidir. Mas não tente analisar essa informação com a mente consciente”. Em miúdos: depois de fazer a apuração cuidadosa de dados, vá se distrair e deixe seu inconsciente trabalhar.
O estudo holandês foi bastante questionado, mas outro experimento de 2011 divulgado na Emotion, publicação da Associação Americana de Psicologia, aponta para a mesma direção. Pesquisadores da Universidade de Cornell, no Reino Unido, refizeram o teste dos carros, mas dividindo os voluntários em dois grupos – um do sentimento e outro do detalhe. O primeiro pensava em como as características dos carros mexiam com seus sentimentos (bancos de couro fazem você se achar mais poderoso?) e o segundo tinha que se lembrar das características objetivas de cada veículo. O resultado dos holandeses se repetiu: quando a decisão era simples (16 informações diferentes sobre cada carro), as pessoas focadas nos detalhes se saíram 20% melhor do que as focadas nos sentimentos. Já quando foram postas em jogo as descrições com mais informação, 70% dos focados no sentimento escolheram o melhor carro. Estratégias afetivas parecem, sim, ajudar nas decisões complexas. Mas isso não significa que você não precisa raciocinar junto, ou que conseguirá evitar a lógica.
Não se contente com pouco
O instinto é necessário quando estamos em uma situação de emergência e precisamos garantir a integridade do nosso corpo. Porém, esses atalhos cerebrais que nos fazem agir por impulso são passíveis de equívocos e não servem para decisões de longo prazo. Uma experiência feita na Escola de Administração e Economia da Universidade de Maastricht mostrou que, quando o assunto é dinheiro, é melhor pensar um pouquinho mais. No teste, dois voluntários eram chamados de jogador A e jogador B. O jogador A recebia US$ 10 e podia oferecer uma parcela dessa grana ao jogador B – 1, US$ 2, 5, por exemplo. As regras estavam claras para ambos: se o jogador B aceitasse, os jogadores A e B levariam a grana que estivesse na mão de um ou outro; se rejeitasse, os dois ficariam com zero. Das 168 pessoas envolvidas no experimento, quase todas que decidiram sem tempo para pensar rejeitaram a oferta quando ela era de apenas US$ 1 – mesmo que, veja bem, ganhar US$ 1 seja melhor que nada. Quando tinham que responder a um questionário qualquer antes de dar a resposta sobre a oferta do jogador A, mais de 75% dos participantes aceitaram o mesmo US$ 1. Analisando conclusões de outros estudos de imagens do fluxo sanguíneo no cérebro quando recebemos uma proposta que não parece vantajosa, os pesquisadores associaram os resultados da pesquisa a uma ativação imediata da ínsula anterior. Dar um tempo antes de responder faz com que outras partes do cérebro entrem em ação e a lógica dê o recado: antes um pássaro na mão do que dois voando.
Você faz tempestade em copo d’água?
Um experimento de pesquisadores da Universidade da Flórida e da Universidade da Pensilvânia tentou entender por que perdemos tanto tempo, por exemplo, decidindo entre a marca A e a marca B de pasta de dente no supermercado – especialmente quando as gôndolas não estão lá muito organizadas. Eles dividiram voluntários em dois grupos: o primeiro recebeu uma lista com opções de voo escritas em um papel com letras miúdas, e o segundo, as mesmas opções em letras grandes e bastante visíveis. Não havia vantagem considerável entre os voos. Os do primeiro grupo, claro, levaram mais tempo para indicar que voo escolheriam, mas não só porque sua lista era mais difícil de ler. Aparentemente, esse esforço extra fez o cérebro cometer um equívoco e entender que essa era uma decisão do tipo importante. Por isso, a turma das letras miúdas deliberou por um tempo maior e de forma mais complexa sobre o assunto do que o grupo que recebeu o papel mais legível.
Para saber mais
O Momento Decisivo, de Jonah Lehrer.