Dá para confiar neles?
Adolescentes podem mentir de vez em quando, mas não são de todo traiçoeiros. Eles vão abrir o jogo para os pais - desde que ganhem mais liberdade em troca de sua confiança
Maurício Horta
Para bebês, o controle dos pais é total. Até fora do país eles podem checar como vai o sono do filho – é só ter um smartphone e uma câmera preparada. Quando ele vai para a escola, os pais perdem um pouco do controle. Ainda assim, ficam sabendo o que a criança faz ali em reuniões com professores ou por meio de boletins escolares. Podem checar a mochila, impor horários, desencorajar algumas amizades e estimular outras. Mas basta chegar a adolescência para que tudo mude. Livre da supervisão de adultos, tudo o que os pais podem fazer é acreditar no que o filho diz. E adolescentes não contam muito. Para ter uma ideia, pouco mais da metade dos pais sabe o que os estudantes de 9º ano do ensino fundamental fazem em seu tempo livre, segundo uma pesquisa do Ministério da Saúde – 52,7% entre quem estuda em escolas públicas e 67,4% em escolas privadas. Os pais ainda tentam manter o poder sobre o filho, mas o filho tenta conquistar autonomia. E daí surge a combinação ideal para as mentiras. Mas isso faz do adolescente um mentiroso?
Foi o que a psicóloga americana Nancy Darling, do Oberlin College, buscou descobrir. Ela e sua equipe foram a lugares onde adolescentes costumam se reunir – como pizzarias e shoppings. Lá recrutou 120 estudantes de, em média, 16 anos para responder a uma bateria de perguntas em troca de vale-CDs. Cada um recebeu 36 cartas com diferentes temas em que adolescentes geralmente discordam de seus pais – filmes a que assistem, festas que frequentam, o que fazem depois da escola, quem são seus amigos, aonde vão com eles, quando começam a ficar, se trazem namorados para casa quando estão sozinhos, se bebem, fumam ou usam drogas, e assim por diante. Quando o entrevistado discordava dos pais em um tema, os pesquisadores perguntavam quais eram suas estratégias – contar tudo, omitir detalhes importantes, mentir ou evitar a questão.
A surpresa foi que os adolescentes não se saíram tão rebeldes quanto os pais podem imaginar. Das 36 questões selecionadas, os filhos concordaram com os pais em 20. E nem sempre esconderam suas desobediências: em um terço das vezes, acabaram abrindo o jogo para os pais. E, mesmo quando não abriram o jogo, partiram para a mentira em apenas um quarto dos casos. Muito mais comum do que mentir foi contar apenas parte da verdade – por exemplo, dizer que vai dormir na casa de um amigo sem incluir o detalhe de que haverá lá uma festa.
Mas o que faz uns filhos serem mais mentirosos e outros, mais sinceros? Darling quis verificar se a variável era o tipo de criação. Para isso, dividiu os jovens em 3 grupos: os com pais autoritários, permissivos e o que ela chama de “autoritativos”.
Os pais autoritários são como o capitão von Trapp, o viúvo de A Noviça Rebelde: dão uma regra e o filho deve obedecê-las sem questionar – afinal, regras são regras. Esses foram exatamente os pais mais enganados. Por quê? Como nesse tipo de criação os adolescentes não têm espaço para discutir regras, eles encontram na mentira a única solução para conseguir autonomia.
Já os pais permissivos são como os maus pais de A Fantástica Fábrica de Chocolate – não estabelecem regras ou parecem não se importar se os filhos as desobedecerem. Esse foi o grupo de jovens que menos contava o que fazia. Afinal, se os pais parecem não estar nem aí, para que abrir a boca?
Por fim, vêm os pais “autoritativos” – o modelo Supernanny de criação. Eles estabelecem regras claras não por decreto, mas conversando com os filhos e explicando suas razões. Quando os pais estabelecem esse jogo limpo, segundo Darling, os filhos tendem a respeitar sua autoridade. E, como veem que estão abertos ao diálogo, acreditam que vão conseguir convencê-los a mudar de ideia ao revelar suas discordâncias. Isso aumenta as discussões entre pais e filhos, o que é bom para o adolescente. Afinal, conseguem assim realinhar as regras de casa – e ganhar cada vez mais liberdade, sem precisar mentir nem esconder o que faz.
É claro que adolescentes vão se sentir à vontade ou obrigados a abrir o jogo em alguns assuntos e, em outros, não. Segundo Judith Smetana, da Universidade de Rochester, quando o assunto é escola e atividades de risco, como beber, usar drogas e fumar, eles geralmente reconhecem a autoridade dos pais. A escola é o assunto sobre o qual veem menos problemas em conversar. Já atividades de risco são mantidas em segredo. A razão, avaliada por Smetana num estudo com 489 jovens de em média 16 anos, é óbvia – a maioria não contou por causa do medo de desaprovação ou de castigo.
Já quando se trata da vida amorosa, os adolescentes acham que os pais não têm mesmo nenhuma autoridade e por isso não devem meter o bedelho. “Eles consideram que esse assunto é privado e que não envolve riscos. Por isso, a estratégia mais comum é evitar o tópico”, afirma Smetana. Foi o que conferiu Christopher Daddis, da Universidade de Ohio, numa pesquisa com 222 estudantes de ensino médio. Nela, perguntou em qual grau de detalhes eles contavam aos pais sobre sua vida amorosa. Se os pais lhes perguntassem, os adolescentes podiam até contar que estavam namorando, com quem e para quais lugares eles iam quando estavam acompanhados de outras pessoas. Mas nada de falar sobre sexo ou sobre o que faziam quando não tinham ninguém por perto.
Mas nem tudo é má notícia para os pais curiosos. No final da adolescência, os filhos começam a se abrir. “Provavelmente isso acontece porque atividades feitas em grupo e a necessidade de agir conforme os outros atingem seu pico no meio da adolescência”, diz Smetana. “Assim que os adolescentes vão formando sua própria identidade, passam a se sentir mais confortáveis para compartilhar com os pais informações sobre sua vida.”
Quando filhos discordam dos pais ou os desobedecem…
…32% – ABREM O JOGO
Por quê?
51% – “Eles são meus pais, oras.”
34% – “Tentei mudar a opinião deles.”
15% – “Não consegui me segurar.”
…68% – ESCONDEM A VERDADE
Por quê?
24% – Porque isso é um problema pessoal.
39% – Para evitar as consequências, desde sermões até castigos.
37% – Para não decepcionar os pais ou não se sentir mal.
Como escondem?
25% – Evitam o assunto.
27% – Mentem.
48% – Contam apenas metade da história.
FONTE: Nancy Darling.
Pais sabem descobrir a verdade?
Não. Eles são péssimos para interrogar seus filhos e ótimos para ver pelo em ovo
A única forma de saber o que os filhos realmente fazem é ouvir o que os adolescentes contam voluntariamente, descobriu o psicólogo sueco Hakan Stattin, da Universidade de Örebro, em suas pesquisas com adolescentes. Monitorar os filhos ou colocá-los contra a parede não aumenta em nada o quanto eles sabem de fato. E há duas possibilidades para isso. Se os pais forçarem a barra na supervisão, os filhos se sentem invadidos e acabam despistando os pais. Se os pais fizerem interrogatórios quando os filhos já tiverem se metido em encrenca, eles acabam mentindo para evitar um provável castigo. É um beco sem saída. E será que o instinto paterno permite perceber quando um filho conta a verdade? Nem adianta perguntar isso ao pai – em geral, ele se informa em segunda mão, perguntando para a mãe do filho. Já as mães tendem a desconfiar mais do que o necessário. Num estudo com mães e filhos, Nancy Darling descobriu que elas identificam 71% das situações em que os adolescentes mentem. Mas isso não acontece por terem um bom radar. Na verdade, acontece o contrário. Sabe aquelas situações em que você não concordou com as regras de seus pais, mas mesmo assim as obedeceu? Pois bem, em 62% dessas situações as mães injustamente achavam que os filhos escondiam uma transgressão. E mais. Em 35,9% das situações em que mães achavam que seus filhos concordavam com elas, na verdade eles discordavam e, em 32,3% dos casos em que elas achavam que os filhos discordavam, na verdade eles concordavam. Ou seja, em cerca de um terço das questões, elas não fazem ideia do que de fato se passa na cabeça – e na vida – dos filhos.