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Detectores funcionam?

Cientistas já acreditaram que a verdade está no batimento do coração, no suor das mãos ou na coloração das bochechas. Mas o fato é que nenhum aparelho ainda consegue identificar mentirosos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 11 Maio 2012, 22h00

Ana Paula Severiano

Seus problemas acabaram: no site Mercado Livre, aparelhinhos digitais que prometem detectar mentiras são vendidos por 100 reais. Basta ligar o brinquedo e desatar a falar. O gadget que analisa a voz da pessoa pode ser usado para incrementar o jogo da verdade ou causar polêmicas entre casais na mesa do bar. “João, você foi mesmo jogar futebol ontem à noite?” Soa engraçado e sem fundamento, mas o princípio dessa traquitana é o mesmo usado nos antigos modelos de detecção de mentiras desenvolvidos por pesquisadores desde o final do século 19.

A maioria dessas máquinas inventadas até agora são polígrafos – equipamentos que, com base na ideia de que a fisiologia do corpo é alterada quando se mente, medem informações como pressão arterial, batimentos cardíacos, respiração, suor e tom da voz. Assim, bastaria identificar o padrão normal e o padrão de “fraude” para todas as variáveis, aplicar o teste e bater o martelo.

Na teoria, é incrível e, nos tribunais, seria tão impactante quanto foram os testes de DNA. Na prática, estamos longe disso. A comunidade científica tem questionado nas duas últimas décadas a eficácia dos polígrafos. É que as alterações medidas por ele podem ser provocadas por outros fatores. Além disso, não há uma tabela com valores de referência fixos que possa classificar um sujeito como mentiroso. Em outras palavras, um culpado que conseguir manter a calma ao mentir pode ser absolvido, enquanto um inocente ansioso se enrosca.

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O primeiro golpe contra o equipamento veio em 1988, quando o Congresso dos EUA proibiu seu uso por empresas privadas – o teste estava sendo usado em larga escala no recrutamento de empregados. No ano anterior, de quase 2 milhões de americanos submetidos ao teste, 300 mil foram vítimas de falsas acusações por culpa da máquina. Mas o aparelho caiu de vez 10 anos depois, quando foi barrado seu uso como prova nos tribunais dos EUA. Em uma fala a senadores americanos em 1997, o agente especial do FBI e doutor em fisiologia Drew Richardson deixou claro: “O valor diagnóstico desse teste não é maior do que o de uma consulta astrológica ou uma leitura de folhas de chá”.

Mas essa não foi a primeira tentativa frustrada. Desmascarar mentirosos incomoda filósofos, juristas, cientistas, poetas e gente comum desde a Antiguidade. Na China de 1000 a.C., pedia-se aos suspeitos de crimes que mascassem pó de arroz e depois cuspissem. Quanto mais seca a maçaroca, mais culpa no cartório. É que mentirosos ficariam com a boca seca devido ao medo de ser descobertos. O mesmo fundamento estava por trás do teste medieval no qual o sujeito tinha que comer queijo com pão de cevada. Se engasgasse, estava condenado.

Já o grego Erasístrato (310 a.C.-250 a.C.), fundador da escola de anatomia de Alexandria, foi o primeiro a estudar o ritmo das batidas do coração e concluiu que este acelerava quando os pacientes mentiam.

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O último episódio desse enigma é o uso de ressonância magnética funcional (fMRI, na sigla em inglês), que seria capaz de mapear alterações na atividade cerebral quando uma pessoa estivesse mentindo. Mas, como em todos os métodos anteriores, ainda não foi comprovado que ele funciona.

Tá quente, tá frio
Segundo Paul Ekman, quem está com medo de ser pego fica com as mãos frias, pois a circulação nos membros superiores diminui e se concentra nas pernas, preparando-o para a corrida. Se, ao contrário, estiver invocado e com raiva de suas acusações, as mãos estarão quentes, pois os braços estão se aquecendo para um combate físico.

Polígrafos – O coração não engana?
Criadores – Seu precursor é o médico italiano Cesare Lombroso, mais conhecido por relacionar traços físicos com a propensão ao crime. Em 1895, publicou estudos ligando a aceleração do coração à mentira. Daí foi só transformar a teoria em máquina. William Moulton Marston – psicólogo de Harvard e cartunista – acoplou o medidor de pressão ao polígrafo enquanto, nas horas vagas, criava a Mulher Maravilha. Já a medição da atividade eletrodermal (quanto mais a mão suar, mais corrente passa) veio em 1930 com Leonarde Keeler, chefe de polícia de Los Angeles.

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Criatura – É essa geringonça em que vários aparelhos normalmente usados na medicina são conectados ao investigado. Na versão analógica, canetas vão rabiscando a folha em branco com 3 linhas – uma para frequência respiratória, outra para pressão arterial e batimentos cardíacos e a última para atividade eletrodermal. Nos equipamentos digitais, o princípio é o mesmo: quando o sujeito mente, as variantes se alteram. Durante o teste, um operador treinado entrevista o sujeito por cerca de uma hora, ouve sua versão da história, depois elabora perguntas que podem ser respondidas com “sim” ou “não”, algumas relacionadas à acusação e outras de controle. Por fim, o operador analisa os dados e dá o veredicto. Seus defensores (e vendedores) garantem 90% de eficiência.

Defeito de fabricação – Não é só a mentira que causa essas alterações fisiológicas. O que o polígrafo faz é medir estresse. Em um relatório de 2003, o Conselho Nacional de Pesquisa dos EUA concluiu: “Ele mede uma variedade de processos psicológicos e fisiológicos, incluindo alguns que podem ser conscientemente controlados e afetam o teste”. Manuais disponíveis da internet dizem que basta morder a língua ou fazer cálculos mentais difíceis no momento da pergunta-controle para enganar a máquina.

Soros da verdade – Tomou, falou
Criador – Um físico do Texas chamado Robert House – e depois uma legião de cientistas.

Criatura – Em fevereiro de 1922, House achou ter descoberto uma substância que arrancaria a verdade de qualquer um: o hidrobromido de escopolamina, conhecido por apagar memórias dolorosas. Assim começou uma corrida ao ouro que trouxe à tona substâncias como o LSD (usado pela CIA durante a Guerra Fria), o pantotal sódico e o amital sódico.

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Defeito de fabricação – A maioria dessas substâncias são barbitúricos, que causam letargia e deixam o interrogado mais à vontade para falar. Mas isso não quer dizer que o que ele falar é verdade. Muito pelo contrário – ele tenderá a falar o que o interrogador quiser, tal como um bêbado que não é necessariamente sincero quando diz que ama todo mundo.

Ressonância magnética funcional – Instantâneos cerebrais
Criador – A tecnologia surgiu no final dos anos 1990, para analisar disfunções neurológicas e mapear o cérebro. Até que o neurocientista da Universidade da Pensilvânia Daniel Langleben começou a testá-la para detectar mentira de seus pacientes – usuários de heroína e crianças hiperativas.

Criatura – Como em uma ressonância magnética comum, a pessoa vai a um centro de diagnósticos, deita-se numa cama e entra num tubo. Lá dentro, tem que responder a perguntas: algumas genéricas e outras relacionadas à acusação. A máquina registra quais partes do cérebro trabalham enquanto a pessoa responde e enquanto está em repouso. Para Langleben, 3 áreas específicas do córtex ficam mais ativas – ou seja, têm mais fluxo de sangue oxigenado – quando alguém raciocina para dar uma resposta que não é verdadeira.

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Defeito de fabricação – O número de testes para detectar mentiras ainda não é suficiente para legitimar sua eficácia e até agora tem causado desconfiança nas cortes americanas. O próprio Langleben enfatiza a necessidade de mais pesquisas. Segundo ele, a estimativa de precisão com base em dados laboratoriais varia de 76% a mais de 90%, “um forte indicativo para testes mais extensivos”. Mas duas empresas já vendem o serviço nos EUA. Na No Lie MRI sai por 5 mil para julgamentos ou por 2 mil para “uso individual”.

Não minta pra eles
Cientistas promoveram um difícil processo seletivo para encontrar pessoas dotadas com o superpoder mentirômetro.

Os norte-americanos Maureen O’Sullivan e Paul Eakman detectaram um grupo de privilegiados chamados de “magos da verdade”. De um universo de mais de 15 mil pessoas, eles encontraram 47 indivíduos com a capacidade de identificar pelo menos 80% das mentiras nos vídeos a que assistiram. “O grupo tem entre 25 e 75 anos, embora a maioria seja de meia-idade. Incluem extrovertidos e introvertidos, liberais e conservadores, crentes e ateus, heterossexuais e homossexuais, homens e mulheres, e pessoas de muitas etnias. Alguns são intelectuais com vários títulos, outros concluíram o ensino médio”, diz O’Sullivan. Sim, você pode ser um deles.

Mapeando a mentira
Mentira e verdade são mediadas por uma rede semelhante de neurônios nos lobos frontal e parietal. Mas a mentira usa mais a memória intensiva, caracterizada por atividade maior no córtex inferolateral. Veja as áreas mais ativadas em sua massa cinzenta.

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