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É feio criança mentir?

Não. Crianças mentem não só para fugir de castigos mas também por educação. Afinal, feio mesmo é dizer a verdade que os outros não querem ouvir

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h45 - Publicado em 8 mar 2013, 22h00

Maurício Horta

Crianças são educadas para serem ao mesmo tempo honestas e educadas. Só que, para serem educadas, precisam às vezes esconder seus verdadeiros sentimentos e opiniões sobre os outros. “Por exemplo, ao encontrar uma pessoa com uma deformidade física, crianças aprendem a não olhar fixamente para a deformidade nem comentar sobre ela, mas a agir e conversar normalmente”, diz Kang Lee, professor de psicologia da Universidade de Toronto. Isso serve apenas para poupar os sentimentos dos outros e alimentar relações sociais amigáveis, e não para tirar vantagem – como quando se esconde algo que fez de errado ou quando se espalha uma fofoca falsa.

Mas ninguém nasce sabendo em que situação elas devem mentir por educação. “Uma criança na pré-escola vai ficar confusa se for castigada por ter mentido sobre ter comido todos os biscoitos que sua avó acabou de assar e se for castigada de novo por ter sido honesta ao dizer que não gostou da blusa de tricô que ela ganhou”, diz Robert Feldman, professor de psicologia da Universidade de Massachusetts e autor de The Liar in Your Life (“O Mentiroso na Sua Vida”, sem versão brasileira).

Para analisar a capacidade que crianças têm de usar essas pequenas mentiras sociais, Kang Lee e Victoria Talwar, da Universidade MacGill, fazem desde 2002 uma série de experimentos. Em um deles, um pesquisador mostrava desenhos a crianças de 3 a 6 anos. Depois, pedia que os avaliassem, ora com o autor perto delas, ora sem o autor. As crianças de 3 anos foram sinceras ao criticar ou elogiar os desenhos, independentemente de o autor estar ali ou não. Já os de 5 e 6 anos elogiaram mais quando o autor estava presente. Isso mostrou que, nessa idade, crianças já têm a habilidade social de esconder suas opiniões para agradar o outro.

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Em 2011, a dupla canadense fez um experimento mais completo: deu a 323 crianças de 3 a 11 anos um presente bem sem graça – uma barra de sabão branco para as crianças de até 6 anos e uma mola colorida para as mais velhas. Depois, perguntaram a elas se gostaram do presente.

O quanto elas mentiram? Muito. Num grupo de crianças que não foram orientadas pelos pais a mentir, 68% disseram que gostaram do presente meia-boca. Num segundo grupo, que recebeu instrução para mentir, isso subiu para 87%. Não houve diferença entre meninas e meninos. Todos foram igualmente mentirosos. E educados.

Os pesquisadores encontraram uma única variável importante: a idade. Quanto mais velha a criança, mais ela mentiu. E não foi só isso. Os mais velhos não apenas disseram que gostaram do presente como também passaram a inventar razões para terem gostado. “Várias crianças espontaneamente disseram ao adulto que o seu pai estava muito feliz pelo sabão porque tinha acabado em casa ou que eles colecionam sabão”, afirmam os pesquisadores.

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Empatia

Mas será que crianças mentem por educação porque seus pais lhes ensinaram a fazê-lo ou porque querem preservar os sentimentos dos outros – ou seja, já tinham a capacidade de se colocar no lugar dos outros? Isso depende da idade. Até os 10 anos, crianças avaliam o certo e o errado conforme as regras dadas por figuras de autoridade, como pais e professores. Quanto pior o castigo por quebrar uma regra, mais a criança vai levá-la à risca. Por isso crianças não veem problema numa mentira impune, embora pais digam que não devam mentir.

Isso muda a partir dos 10 anos e ao longo da adolescência. Em vez de se focar nas regras dadas por uma autoridade, a criança passa a levar mais em consideração as intenções da outra pessoa. Enquanto uma criança pequena diz que gostou do sabão branco porque aprendeu que se deve agradecer presentes, por pior que eles sejam, um pré-adolescente vai agradecer porque quem o presenteou o fez com boas intenções.

Para conferir essa hipótese, que fora formulada ainda em 1932 pelo suíço Jean Piaget, a equipe de Kang Lee conferiu num experimento com 103 crianças de 7 a 11 anos o que achavam de mentiras por polidez e mentiras para tirar vantagem. Pesquisadores contaram-lhes 4 histórias: nas duas primeiras, uma criança recebia da professora uma maçã azeda. Numa dizia que não tinha gostado da fruta e, na outra, mentia. Nas duas últimas histórias, uma criança estragava livros da biblioteca. Numa, confessava a transgressão e, na outra, ocultava.

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No caso do vandalismo, a maioria disse que contar a verdade era melhor do que mentir. Já na história do presente ruim, a maioria achou que contar a verdade não era nem bom nem mal. É nesse ponto que chegamos a Piaget. Entre as crianças de 7 anos, apenas 60% acharam que a criança disse ter gostado da maçã azeda para não ferir os sentimentos da professora (e outros acharam que foi para evitar o castigo). Já no grupo das crianças de 11 anos, isso subiu para 100%. Na pré-adolescência, internalizamos que a dissimulação não é apenas bem-vinda para a boa educação. É necessária.

Mentirosos são rejeitados?
Só se não souberem mentir. A dissimulação é uma habilidade social. Se bem empregada, trará popularidade, e não rejeição

O rancor contra mentirosos é uma estratégia evolutiva tão importante quanto a mentira. Mas isso não significa que qualquer mentiroso vai ser malquisto. Pelo contrário, descobriu o psicólogo Robert Feldman num estudo comparando popularidade e capacidade de mentir. Feldman dividiu 32 estudantes de 11 a 16 anos em dois grupos – os mais e os menos populares, segundo relato de pais e professores – e lhes passou uma tarefa. Eles deveriam beber refrescos doces ou azedos e fazer de conta que gostaram, mesmo quando a bebida era intragável. O teste foi filmado e depois mostrado para um júri que devia identificar quando os estudantes fingiam ou de fato gostavam da bebida. Independentemente de idade e de gênero, os estudantes com maior talento para mentir foram exatamente os mais populares. Quais as razões? Talvez pessoas mais populares, por terem mais amigos, tenham mais oportunidades de interagir socialmente e, assim, exercitar a mentira. Talvez a forte autoconfiança as deixe mais relaxadas para a dissimulação. Mas, para Feldman, a melhor explicação é que não há uma barreira entre mentira e habilidade social. “Quase por definição, pessoas com habilidades sociais são diplomáticas, polidas e sabem agradar o outro. Essas 3 qualidades podem envolver a distorção do que a pessoa realmente pensa. Ou, às vezes, mais do que uma distorção.” Ou seja, para ser popular é necessário dissimular.

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Quanto mais nova, mais intransigente
Porcentagem de crianças que consideram todo tipo de mentira errado

5 anos – 92%

8 anos – 88%

11 anos – 28%

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12 anos – 20%

15 anos – 5%

FONTE: Candida Peterson, Universidade Murdoch.

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