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E se as empresas controlassem nossa vida?

Companhias estimulam suas funcionárias a congelar óvulos para adiar a maternidade. Ficção? Não. A medida, adotada pelo Facebook e pela Apple, nos fez questionar: a que ponto poderia chegar a influência do mundo corporativo em nossa vida privada?

Por Amarílis Lage
Atualizado em 31 out 2016, 19h08 - Publicado em 26 jun 2015, 14h30

Quarenta anos. Tenho um bom emprego, comprei um bom apartamento, dirijo um bom carro. Casei com uma mulher maravilhosa. Qualquer pessoa que me olhar neste restaurante pode assegurar que sou bem-sucedido. Olha o terno sob medida, o relógio de grife, o jeito como pronuncio boeuf bourguignon. Por que, então, me sinto tão triste?

“Ouviu, querido? Tenho uma novidade incrível para contar! Mas você está no mundo da lua. O que houve?

– Ah, tive algumas reuniões e passei no médico”

– Já entendi. Não conseguiu emagrecer, né? Você precisa se empenhar, ou vamos perder o bônus de Natal.

Dez quilos. Mas nem dieta, nem exercícios, nem medicamentos parecem funcionar. Sei que, por causa disso, tem gente na empresa que me considera preguiçoso, descontrolado. Acham que os gordinhos são menos produtivos, epouco importam meus resultados. E quer saber? Eu estou feliz com meu corpo. Nem pensaria em emagrecer se não fosse esse bendito Programa Corporativo de Reeducação Alimentar.

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– Temos tudo aqui dentro da empresa: academia, nutricionista, endócrino… O que acontece, querido?

– Você acha que não me esforço? Poxa” Eu não demonstro comprometimento com a empresa? Mandaram parar de fumar, de beber, e eu obedeci. Parei até o futebol!

– E foi ótimo, não foi? Lembra que você vivia machucado? Querido, é tudo para o seu bem.

Cinco anos juntos. E às vezes sinto que somos desconhecidos. Parecíamos tão compatíveis segundo o Programa Corporativo de Saúde Afetiva. Não por acaso, nos colocaram no mesmo projeto. Passamos horas e horas extras discutindo dezenas de planilhas – juntos, era até divertido. Aí veio aquela viagem a trabalho, um drinque a mais no lobby do hotel. E a confirmação do que dizem os headhunters: funcionários casados saem menos à noite, seexpõem a menos riscos, dificilmente pedem demissão.

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– Não quero parecer ingrato, mas” Parece que a empresa controla tudo na vida da gente.

– Você acha? Bem, às vezes tenho vontade de tomar um chá diferente sem ser demitida… Mas sei que não podemos comprar nada da concorrência.

Cem mil. Com esse dinheiro, poderia abrir meu próprio negócio. Um food truck, talvez? Vou a Nova York, visito umas lanchonetes, volto com a receita do hambúrguer perfeito. Com fritas, milkshake e cheesecake. Já escolhi o nome: Liberty! Seria incrível…

– Estive pensando” Pode parecer loucura, mas: e se a gente começasse a empreender?

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– De jeito nenhum! Querido, sei que você está chateado porque tem de emagrecer. Mas sejamos pragmáticos. Se não fosse pelo Programa Corporativo de Financiamento Imobiliário, não teríamos um apartamento.

– Sim, mas tivemos de comprar do lado da empresa!

– O que é ótimo, pois assim a gente chega todo dia na hora, descansado, etrabalha mais feliz. Você preferiria perder horas no trânsito? E digo mais: senão fosse pelo Programa Corporativo de Lazer, não teríamos passado a lua de mel em Paris. A empresa pagou tudo!

– Claro que pagou. Passamos metade do tempo visitando fornecedores para uma filial na França.

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– Querido, o problema está na forma como você interpreta as coisas. Você sesente controlado. Já eu me sinto privilegiada. Por exemplo: a companhia exige que eu esteja sempre com uma boa aparência. Por isso, oferece manicure, cabeleireiro e maquiador de graça. Eu adorei ficar loira! Posso escolher, sim.

– Isso não é totalmente verdade. Você queria muito ser mãe, lembra? E a empresa a obrigou a congelar seus óvulos para não perder uma promoção.

– É sobre isso que eu queria falar com você, querido! Por isso fiz questão de vir aqui, para um jantar especial. Recebi hoje um telefonema do Programa Corporativo de Planejamento Familiar: sou uma das funcionárias autorizadas a engravidar neste ano! Não é lindo?

Dez horas. Pelo celular, chega o aviso do Programa Corporativo de Qualidade do Sono – hora de ir pra cama, onde serei atacado pela insônia. Um filho!? Ela já escolheu o nome, a decoração do quarto, a escola” E me fala sobre o Programa Corporativo de Orientação Vocacional, que prepara os filhos dos funcionários para um futuro cargo na empresa. Que pai não ficaria tranquilo com isso?

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– Ouviu, querido? Não é lindo?

– Lindo, querida… Garçom, me vê um cheesecake?

– Desculpe, senhor, não posso. Precisa perder peso. É a orientação da empresa. Aceitaria um abacaxi?

Um aperto dolorido no peito” Acho que vou marcar uma consulta com o cardiologista da firma amanhã.

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