Érica Montenegro
Esqueça a briga pelo controle remoto e a fila para disputar o buquê de noiva. Ignore a passeata do orgulho gay e o Dia Internacional da Mulher. Abstenha-se de qualquer papo cujo objetivo seja discutir a relação a dois e deixe de lado aqueles livrinhos que promovem a conciliação entre o universo feminino e o masculino. Afinal, na sociedade do sexo único, todo mundo nasce igualzinho e ninguém faz sexo. As pessoas se auto-reproduzem.
Para garantir a sobrevivência da espécie o novo humano seria fisicamente parecido com a mulher. Isso porque o aparelho reprodutor delas é mais completo que o deles: além do útero, onde o feto se desenvolve, elas têm glândulas mamárias, que garantem alimento ao recém-nascido. “E são os hormônios femininos que permitem a gestação”, diz Carlos Alberto Petta, professor de ginecologia da Unicamp. Mas, no lugar de um óvulo ou um espermatozóide com 23 cromossomos, o novo humano teria um “nóvulo” com 46 cromossomos. Com a carga genética completa, ele não precisaria de um parceiro para lhe fecundar e os seres simplesmente não fariam sexo.
O presidente da Associação Médica Brasileira de Sexologia, José Carlos Riechelmann, acredita que as mudanças seriam ainda mais radicais no assunto comportamento. Palavras como casal e amor não constariam do dicionário dessa sociedade. É que, em última instância, ao procurarmos uma namorada, nosso objetivo é levar nossa carga genética adiante. Mensagens apaixonadas e flores não passam de um ritual para apagar a luz e rolar na cama. O ser de sexo único não entraria nessa porque não precisaria de um parceiro para ter filhos. Diga aí, que tal a vida sem sexo, comédia romântica e jantar à luz de velas?
Além de chato, isso pode ser perigoso. Os seres auto-suficientes estariam em perigo de extinção por causa de sua pequena variabilidade genética. O sexo com fins reprodutivos é uma poderosa ferramenta evolutiva. É que a reprodução sexuada garante a troca de genes entre os parceiros e, portanto, permite a variabilidade genética de seus descendentes. “Sem sexo, os seres seriam clones uns dos outros e estariam extremamente frágeis às alterações do meio”, esclarece Nilda Maria Diniz, professora do Departamento de Biologia da Universidade de Brasília (UnB). Então, trate de conciliar as diferenças…
Mais Eva do que Adão
O humano de sexoúnico seria parecido coma mulher de hoje
Nem tão feminina
Nós não teríamos o hormônio testosterona, abundante nos homens e que, nas mulheres, está ligado à libido sexual. Assim, o ser de sexo único teria poucos pêlos e voz fina. Já o corpo seria musculoso, resultado das atividades físicas diárias
Coisa da sua cabeça
O ciclo reprodutivo seria muito parecido com o que conhecemos. Tudo começaria com o hipotálamo e a glândula hipófise liberando hormônios que seriam levados pela corrente sanguínea até o “clonário”
Casa de clone
No lugar de dois ovários, um “clonário”. Ali se desenvolveriam as células reprodutivas. Elas já estariam “fecundadas” quando atingissem a maturação
Ponto Zero
Sem precisar copular, o novo ser humano não teria necessidade de prazer sexual. Não haveria clitóris, zonas erógenas ou ponto G
No automático
Se não houvesse um anticoncepcional para impedir a auto-reprodução, teríamos um filho por ano. O remédio poderia atuar no hipotálamo, impedindo o início do ciclo gestacional, ou no “clonário”, impedindo que o “nóvulo” se desenvolvesse
Sem Y
O “nóvulo” teria 46 cromossomos e nenhum Y. Sem muitas trocas genéticas seríamos clonezinhos de nossas mães. Quer dizer, pais. Quer dizer, pães. Enfim, do(a) nosso(a) gerador(a)