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Em prol da “família”, Rússia despenaliza violência doméstica

Para o Kremlin, conflitos familiares não são necessariamente violência doméstica. Mesmo assim, uma em cada três russas são violentadas dentro de casa

Por Pâmela Carbonari Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 11 mar 2024, 13h20 - Publicado em 27 jan 2017, 20h14

No Brasil, em briga de marido e mulher não só se pode meter a colher, como se deve. Por aqui, é assegurado na Constituição o direito de uma mulher não ser agredida. Desde 2006, com a Lei Maria da Penha, violência doméstica e familiar tornou-se crime, quem bater em mulher é preso e não tem a possibilidade de sair da cadeia se pagar fiança. E para fazer a denúncia, basta estar a par da agressão – vítimas, familiares, amigos ou até vizinhos podem acionar o 180 (disque-denúncia de violência contra a mulher). Em pouco mais de 10 anos, o serviço já ultrapassou 5 milhões de ligações.

Mas na Rússia, a partir de hoje, o ditado popular brasileiro se aplica. Em uma votação na Duma (Parlamento local), o país aprovou com 380 votos favoráveis e 3 contra uma medida que despenaliza a violência doméstica. Essa foi a terceira e última leitura do projeto – elaborado por Olga Batalina, do partido Rússia Unida (RU), sigla com a maior representatividade na Duma.

A mudança abranda o que pode ser considerado violência doméstica pela legislação russa. A nova lei define que agressões que não causem danos à saúde da vítima, não deixem marcas e que não se repitam mais que uma vez ao ano não vão ser tratadas como crime.

As punições para casos que se encaixem nesses critérios serão: pagamento de uma multa de aproximadamente 500 dólares, passar 15 dias em “prisão administrativa” ou prestar serviços comunitários. Para que alguém seja acusado criminalmente, é preciso que a vítima prove que teve ossos quebrados, pancadas na cabeça ou que as ofensas sejam frequentes.

O assunto está em voga desde o ano passado, quando o governo descriminalizou a agressão física. Na época, a Duma acho melhor isentar abuso doméstico da mudança e puni-lo com, no máximo, dois anos de prisão, para casos motivados por ofensas raciais – mesmo assim, 90% das pessoas que faziam as denúncias acabavam não indo para os tribunais. A violência doméstica continua a ser esquecida pelos tribunais russos, que só condenam 10% dos poucos casos que são denunciados.

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LEIA: Como silenciamos o estupro

Nesta sexta, o país despenalizou a violência doméstica com o argumento de que interferir em questões familiares é uma forma de “destruir a família russa”. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, anunciou que conflitos dentro de casa “não necessariamente configuram violência doméstica”. O presidente da Duma considera a preocupação do Conselho da Europa inaceitável e o presidente Vladimir Putin apoiou a decisão. Em uma recente coletiva de imprensa, Putin afirmou que “a descarada ingerência na família pela justiça é intolerável”.

De acordo com pesquisas locais, 60% da população aprova essa redução do castigo para conflitos “leves” dentro das famílias. Segundo a revista The Economist, a alta taxa de aprovação pode ser explicada pela falta de confiança no corrupto sistema judiciário do país e no receio de que, assim como aconteceu durante a União Soviética, o estado cerceie a privacidade dos cidadãos ao ter muito poder sobre a vida privada das pessoas.

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No entanto, não é como se a Rússia fosse uma nação que tratasse bem suas mulheres: o país tem a quarta maior taxa de homicídios femininos do mundo. Pelas estimativas do Ministério Interior, 600 mil sofrem violência doméstica todos os anos e 40 mulheres por dia morrem vítimas de seus maridos ou companheiros. Enquanto isso, o Anne Centre, centro de prevenção à violência doméstica, afirma que uma em cada três russas apanham dos parceiros e que 40% de todos os assassinatos acontecem dentro de casa.

Com os recentes posicionamentos do governo, as estatísticas tendem a se assemelharem às de quando a Rússia era governada por Ivan, O Terrívelno século 16 – para se ter uma ideia, o czar espancou um filho até a morte e mandou matar a esposa ao suspeitar que ela tivesse um amante. Ou seja, a decisão de hoje simboliza um atraso de cinco séculos para as mulheres russas.

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