Luiz Barco
Numa noite qualquer do longínquo ano de 1637, o advogado francês Pierre de Fermat, matemático amador, lia o livro Arithmetica, escrito pelo grego Diophantus de Alexandria, e encontrou um método simples para determinar números positivos inteiros gue satisfaçam a equação xl + 1= r. Por exemplo, se x é igual a 3, y igual a 4, então z é igual a 5. Faça os cálculos, como no quadro à esquerda.
Movido por súbita inspiração, Fermat anotou na margem da pá$ina que lia: “E impossível dividir um cubo em dois cubos, ou uma biquadrada em duas biquadradas, ou, em geral, qualquer potência em duas potências de igual valor. Descobri uma prova verdadeiramente maravilhosa disso para cujo desenvolvimento, entretanto, esta margem é muito pequena. O que o advogado queria dizer, com essa linguagem algo complicada, é que não há números inteiros que satisfaçam a equação X” + y” = Zl1, quando n é inteiro e maior do que 2.
Desde então, matemáticos profissionais e amadores, da mais variada qualificação, vêm tentando sem sucesso descobrir que prova seria essa – ou então mostrar que ela não existe. O matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783) mostrou a impossibilidade para n igual a 3 ou 4. O alemão de origem francesa Peter Gustav Lejeune Dirichlet provou-a para n igual a 5. Mais tarde outro matemático alemão, Ernst Eduard Kummer (1810-1893), exibiu a Dirichlet o que imaginava fosse uma demonstração perfeita da conjectura de Fermat. Mas Dirichlet apontou-lhe logo um erro que comprometia todo o trabalho. Kummer, é verdade, não Çtesistiu e, embora não chegasse à solução do problema que lhe interessava, acabou, com seu esforço, criando a teoria dos “números ideais”, uma fértil e fundamental conquista da Matemática no século XIX.
No começo do século XX foi oferecido, na Alemanha, um prêmio de 100 mil marcos para quem apresentasse uma demonstração correta para a conjectura de Fermat. Uma verdadeira onda de soluções, a maioria bizarras e ingênuas, caiu sobre o comitê de julgamento, entre 1908 e 1911, quando então o prêmio foi revogado. Mas a procura da solução nunca parou. Mais recentemente, o uso de computadores de alta velocidade já provou que ela é verdadeira para n até o valor 150000.
Em fevereiro passado, finalmente, o brilhante matemáticp japonês Y oi chi Miyaoka, da Universidade de Tóquio, apresentou num seminário no Instituto Max Planck, na Alemanha, um trabalho contido em menos de uma dúzia de páginas manuscritas. Ele expôs, em argumentos altamente técnicos, idéias que complementam trabalhos de vários outros matemáticos, russos em particular, ligando campos diferentes como a teoria dos números, a álgebra e a geometria. Não havia ali nenhuma referência direta à conjectura de Fermat, mas os especialistas capacitados a entender o pesado linguajar de Miyaoka enxergaram, no seu trabalho, a derrubada da última cidadela que guarnecia o mistério aparentemente invencível.
Houve grande emoção no mundo matemático, naturalmente demonstrada de forma contida. Revistas especializadas chegaram a noticiar o grande feito e até a imprensa leiga deu repercussão à novidade, Em abril passado, porém, a revista inglesa New Scientist anunciou que Miyaoka, alertado por alguns colegas, entre eles Gerd Feltings, da Universidade de Princeton (como ele especialista em Geometria Diferencial), reconhecia a existência de falhas em seu trabalho.
Isso significa que a conjectura de Fermat continua à espera de demonstração. Talvez tenha sido melhor assim, pois é evidente que as idéias desenvolvidas por Miyaoka e vários dos que o precederam na busca dessa solução transcendem, em muito, a importância da própria conjectura. Eu acredito que assim como está, ainda sem solução, ela continuará sendo terreno fértil de onde brotarão outras idéias, outras teorias que enriquecerão bastante nosso conhecimento da Matemática.