Luxúria
Infidelidade, sexualidade extrema, apego aos prazeres da carne - é possível descobrir se há ou não pecado do lado de baixo do equador?
Cristiane Lisbôa
Nossos ancestrais nem imaginavam, mas, desde a primeira vez em que um deles propôs variar a posição só para experimentar, o sexo ganhou uma proporção muito maior que a inicial – fazer outros de nós. É claro que não evoluímos para ver filmes pornô, comprar vibradores ou pagar por sexo. A chave é uma só: a busca pelo prazer. “Afinal, que tipo de vantagem reprodutiva assistir a filmes de pessoas bonitas fazendo sexo poderia acarretar?”, diz o professor de filosofia e neurociência da ESPM-SP Pedro Furtado Calabrez. O especialista lembra que, em algum momento da evolução humana, os indivíduos que sentiam mais prazer com o sexo procriaram mais – porque o processo envolvido lhes era mais, digamos, agradável. “E um vídeo de pessoas fazendo sexo atrai a atenção do ser humano por ser um subproduto desse processo evolutivo”, diz. Uma espécie de emulação mental de uma necessidade biológica cujo prazer está atrelado ao sucesso reprodutivo de nossos ancestrais.
E onde entra a luxúria nessa história? O conceito diz que o pecado é sobre se deixar dominar pelas paixões carnais. E o que pode ser mais carnal que o sexo? A dúvida mesmo é definir: o que é além da conta ou o que pode ser considerado anormal entre quatro paredes?
Soneto da infidelidade
Um dos maiores tabus sexuais é a fidelidade. Biologicamente falando, o ser humano não foi feito para ser exclusivo – um homem pode engravidar uma mulher diferente a cada ejaculação e a mulher ovula mensalmente, o que, se dificulta as coisas para espalhar os genes, também permite que a cada nove meses dê à luz um bebê de pai diferente. A vantagem biológica é que assim é possível espalhar nossa carga genética por aí – e criar descendentes. Mas, apesar de natural, com exceção de algumas culturas ao redor do mundo, desde muito cedo somos incentivados a acasalar com um único parceiro. “Quem determina que a infidelidade está errada é a nossa cultura. A fidelidade é uma criação do homem. Não significa que seja algo ruim. Antropólogos constataram que, depois do contato com o homem branco, o indígena, que antes achava natural ter vários parceiros, passou a sentir ciúme”, diz o neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto, do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Homens e mulheres traem. Mas, ao que parece, eles têm a desculpa ideal para isso. Alguns pesquisadores defendem que a culpa da infidelidade é da testosterona. Em níveis baixos, o hormônio masculino diminui a libido. Quando um paciente recebe o hormônio e normaliza seu nível no organismo, volta a ter desejo sexual. “Isso nos faz pensar que níveis mais altos de testosterona provoquem maior apetite sexual, principalmente nos homens”, diz Gomes Pinto. Já a pesquisadora Madalena Pinto, professora de química orgânica e química farmacêutica e medicinal na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, em Portugal, afirma que homens com menor tendência para o casamento, ou com maior tendência para o adultério, ou ainda com maior propensão para o divórcio demonstram um nível médio e alto de testosterona.
Um estudo feito em 2009 coloca mais lenha na teoria. A antropóloga Alexandra Alvergne, da Universidade de Montpellier, na França, avaliou homens da zona rural do Senegal: 21 polígamos com filhos, 32 pais monogâmicos e 28 homens solteiros sem filhos. Os homens com filhos tinham menores níveis de testosterona que os solteiros. E, entre os homens que eram pais, os que tinham maior nível de testosterona investiam menos tempo na família.
E os infiéis podem até culpar a genética pelas puladas de cerca. A neuropsiquiatra americana Louann Brizendine, autora das obras The Female Brain e The Male Brain, afirma que há um gene que pode estar relacionado à infidelidade. “É o chamado gene receptor da vasopressina”, diz. O teste foi feito em roedores, com perfis diferentes de maridos. A ratinha da espécie arganaz-do-campo não tem do que se queixar: o macho é monogâmico, tem laços a vida inteira com apenas uma fêmea e uma versão mais longa do gene receptor de vasopressina. Já o seu “primo” arganaz montanhês é um bon vivant: não cria laços. Na pesquisa, observou-se que o ratinho tem uma versão menor do gene receptor. Para provar a teoria, os cientistas injetaram o gene monogâmico no cérebro dos ratos infiéis, que se tornam roedores de uma rata só. Ainda não foi testado em humanos – mas alguém duvida que seria um sucesso entre os ciumentos?
Até aqui, parece que mulher não trai. Não é bem assim. A pesquisadora Kristina Durante, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, afirma que mulheres jovens se sentem mais atraentes quando seu nível de estradiol, hormônio feminino que entra em cena na ovulação, está mais alto do que o comum. E trocam de parceiro com muito mais facilidade. “Mulheres com alto nível de estradiol mostraram maior probabilidade de flertar, beijar ou ter um caso mais sério com alguém diferente de seu parceiro fixo”, afirmou a pesquisa publicada no Royal Society Journal Biology Letters.
No estudo, 52 estudantes universitárias entre 17 e 30 anos que não usavam pílulas anticoncepcionais tomaram duas doses de estradiol, fazendo o nível do hormônio feminino aumentar. Na sequência, os pesquisadores pediram que avaliassem a si mesmas e às outras. As mulheres que registravam um maior nível de estradiol foram consideradas muito atraentes por elas mesmas e também pelas outras mulheres. Ou seja, prontinhas para sair por aí praticando a antiga arte da luxúria.
Para Gomes Pinto, entretanto, o componente mental é determinante para a mulher. “Pensamentos, sonhos e desejos mentais explicariam melhor o comportamento mais promíscuo de certas mulheres”, afirma o neurocirurgião.
Desejo na cabeça
E isso tudo não significa que, sob o ponto de vista neurológico, cabeça de homens e de mulheres sejam completamente diferentes. “Anatomicamente, há diferença de tamanho e peso do órgão, ele é discretamente maior e mais pesado nos homens. Neurologicamente, as diferenças ocorrem por diferentes hormônios que se relacionam com as diferentes gônadas (ovário e testículo) e com o corpo”, explica Fernando Campos Gomes Pinto.
David Buss, professor da Universidade do Texas e um dos pioneiros em Psicologia Evolucionista, afirma que homens desejam por volta de 20 parceiras sexuais diferentes ao longo da vida. As mulheres, apenas cinco – lembre-se, isso é uma média mundial. “Quando um homem vê uma mulher, desencadeia um interesse que é sempre sexual, porque assim como em qualquer espécie o interesse do acasalamento está sempre por trás da intenção”, diz Márcia Lorena Chaves, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e chefe do serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Mas não é qualquer mulher que vai interessar a qualquer homem. Existem muitos estudos que tentam entender que características atraem uns aos outros. Com a função de estimular a procriação, o desejo sexual incita no cérebro uma emoção tão primária quanto o medo e a raiva.
Independentemente de sermos primitivos, cerebrais e mais guiados por instintos do que somos capazes de assumir, existem também questões culturais e emocionais que deixam as escolhas e os desejos ainda mais confusos. Mas Freud explica. “A escolha de parceiros, segundo o pai da psicanálise, se daria de acordo com basicamente dois tipos de motivações inconscientes: buscamos alguém que represente figuras que nos dão proteção, que nos atrairia porque vai nos proteger e proteger nossos filhos. Ou alguém que satisfaça nosso narcisismo, pois se escolheria uma pessoa tendo em vista o que se é, o que se foi ou o que se gostaria de ser”, diz Clarice Tesch, do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre.
Para a neurociência, o processo do desejo é bem mais simples. Quando o homem observa quadris e coxas, não está em busca de celulite ou depilação em dia, mas sim repetindo um comportamento ancestral: uma análise indireta da bacia da mulher para avaliar se ela tem condições de procriar. Da mesma forma, a mulher, quando observa a força muscular, o porte físico e, sim, a condição financeira do homem, está analisando o poder de defesa que o candidato tem para oferecer a ela e aos futuros rebentos – ainda que o sexo, no caso, nada tenha a ver com fazer filhotes.
Ou seja, nesta montanha-russa comandada pelo cérebro, na qual química, educação, cultura, religião e escolhas se misturam, não parece haver pecado. Será que estamos perdoados?
Demônio – Asmodeus
O demônio que faz as menininhas literalmente virarem a cabeça em possessões malignas é o representante do mais carnal dos pecados. Asmodeus é famoso na tradição cristã por destruir casamentos e forçar maridos e mulheres a cometerem adultério. Mesmo sendo feio como o diabo: o capeta da luxúria costuma ser retratado com três cabeças (ogro, carneiro e touro), pés de galo, asas e cauda de serpente. O bonitão ainda cavalga um dragão e cospe fogo.
Quando o prazer vira um vício
Michael Douglas e Tiger Woods que o digam. Sexo pode viciar, sim. A explicação está no cérebro, que pega um recurso natural prazeroso e hiperestimula esse processo, tornando-o um círculo vicioso, segundo o neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto, do Hospital das Clínicas da USP. O prazer sexual é entendido pelo cérebro como uma recompensa. Mas nem sempre a causa está apenas nos mecanismos que geram o prazer. Pacientes com lesão bilateral dos lobos temporais (com destruição bilateral das amídalas) podem apresentar hipersexualidade, alteração conhecida como Síndrome de Kluver-Bucy. O neurologista Carlos Rico, representante dos Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa) no Brasil, afirma que os casos de dependência variam, mas que prejudicam a vida do paciente. “O comportamento pode ir da promiscuidade óbvia envolvendo vários parceiros a atos solitários como masturbação compulsiva, voyeurismo, exibicionismo, ou à entrega obsessiva à fantasia ou à sedução amorosa”, diz. Estima-se que entre 3% e 6% da população mundial seja dependente do sexo.
Assim você me mata
Como o corpo de homens e mulheres reage aos impulsos da atração
1. A menina mais linda
No corpo do Homem – Dá um olhar geral para o todo. Só depois foca em seios, nádegas, olhos.
No corpo da Mulher – Prende-se a um detalhe. Queixo, olhos ou mesmo o intelecto. Se o homem demonstrar inteligência pela conversa, pode desencadear desejo.
No cérebro – Estímulos externos reais, como beleza, cheiro e voz, e estímulos internos, ligados a memórias afetivas, determinam o interesse.
2. Nossa, nossa
No corpo do Homem – Olhos. Depois de olhar atentamente e gostar do que viu, o cérebro do homem começa a fantasiar detalhes do ato sexual com intensidade.
No corpo da Mulher – Pele e ouvidos. A mulher passa a fantasiar o ato sexual apenas a partir do momento em que existe contato com a pele do outro. E caso o que ela esteja ouvindo seja interessante.
Em ambos – Durante o flerte, o coração acelera e a respiração fica ofegante. O corpo libera noradrenalina e testosterona, ligados ao desejo, e a dopamina, ao prazer. O sangue vai para lábios e genitais, aumentando a sensibilidade.
3. Ai, se eu te pego
No cérebro de ambos, o hipotálamo, que rege nossas emoções mais primitivas, motiva para o ato sexual.
No corpo da Mulher – A vagina fica lubrificada e ocorre o entumecimento da genitália, inchada por receber mais sangue.
No corpo do Homem – Inicia-se o processo de ereção.
4. Delícia, delícia
Ativação dos gânglios da base e do tálamo. A consciência fica menos alerta e mais envolvida na aura de sensualidade. Homem e mulher focam apenas na busca pelo prazer. Ativação do centro do prazer no hipotálamo e orgasmo (clímax).
Tem gosto para tudo
Pedofilia
Desejos ou atos sexuais com crianças. É comum entre pessoas da mesma família.
Zoofilia
Quando uma pessoa se sente atraída ou pratica relações sexuais com animais.
Voyeurismo
Quando uma pessoa precisa observar pessoas que estão tirando a roupa, nuas ou fazendo sexo, sem que elas saibam que estão sendo vistas.
Masoquismo
Ocorre quando a pessoa precisa sofrer, na esfera física ou emocional, para sentir prazer sexual.
Sadismo
É considerado sadismo quando uma pessoa precisa provocar, na esfera física ou emocional, sofrimento a outra pessoa, e só assim consegue sentir prazer sexual.
Frotteurismo
Quando um homem toca ou esfrega o pênis em outra pessoa completamente vestida, sem sua concordância, para ter prazer sexual. Muito comum em transportes públicos. É por isso que, em alguns lugares, há vagões de trem somente para mulheres.
Afinal, o que é normal?
O limite da perversão é ferir a si mesmo ou outra pessoa – e o sentimento de culpa depois do prazer
Se infidelidade é luxúria, perversão é inferno na certa. Mas o que é perversão? Para a neurociência, significa acionar o centro do prazer no cérebro, via desejos pouco ortodoxos do ponto de vista biológico e sociocultural, utilizando as mesmas vias neurais que são biologicamente utilizadas para o sexo e para a procriação, diz o neurocirurgião Fernando Campos Gomes Pinto. Mas o que é ortodoxo, ou melhor, normal na busca pelo prazer? A resposta é ainda mais complexa.
A perversão se manifesta em algumas pessoas induzidas por um pensamento específico – incomum ou que não seja o habitualmente aceito na sociedade – porque existe uma tensão produzida por hormônios e neurotransmissores que ativa o centro neural de recompensa. “E a partir daí um circuito que existe normalmente é usurpado e deturpado, conferindo prazer”, afirma o médico. Ao se submeter ao próprio desejo proibido, uma pessoa pode sentir muito mais prazer durante o ato do que em uma relação considerada normal. “Nossa mente funciona de acordo com o princípio do prazer e, com nosso amadurecimento, vamos aceitando que precisamos abrir mão de parte dessa busca pelo prazer e atender aos princípios da realidade”, diz a psicanalista Clarice Tesch, do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre. Além disso, a perversão é uma classificação discutível. “Em algumas culturas, a homossexualidade é considerada perversão, o que a psicanálise não classifica como tal, pois a orientação sexual não se baseia numa escolha consciente, mas numa rede de identificações inconscientes”, afirma. Na Grécia, o conceito de homossexualidade sequer era considerado. A poligamia, proibida no Brasil, é aceita oficial e extraoficialmente em mais de 50 países.
Ou seja, o que é normal para mim pode não ser para você. E o limite é ferir a si mesmo ou outra pessoa – sem autorização, que fique claro. No caso do perverso, ele está sempre em busca da satisfação do seu desejo, sem considerar a lei ou o outro. E, depois da satisfação do desejo, o lobo frontal volta a agir normalmente. A pessoa começa a fazer autojulgamentos e a pesar seus atos de acordo com seus valores, cultura, condição psíquica. Como vivemos em sociedade, dar vazão ao desejo pode significar entrar em conflito. E sentir culpa.
Reprimindo desejos
Envolvido com os mistérios do inconsciente, Freud estabeleceu uma relação entre desejo proibido e sexualidade. Para ele, toda criança tem desejos, que reprime ou sublima. Os pais e a sociedade vão mostrando o que pode e não pode ser feito e ela passa a ter noção do que é proibido ou permitido. Embora não sejamos capazes de controlar o desejo, somos aptos a dominar nossos atos. “Psicanalistas não consideram que possa haver uma fantasia perversa, já que fica na esfera da imaginação”, diz Clarice. A perversão seria a permanência de traços infantis numa mente adulta. Ou seja, todos podemos ter atitudes perversas.
Para saber mais
Kama Sutra
Vatsyayana, Editora Jorge Zahar, 2001
Affective Neuroscience: The Foundations of Human and Animal Emotions
Jaak Panksepp, Oxford University Press, 1998