Suzana Herculano-Houzel*
Se você ainda pensa que a adolescência é aquela fase indesejável da vida em que o comportamento desanda porque o cérebro, pronto após as modificações da infância, é inundado por hormônios, pense de novo. Descobertas recentes da neurociência mostram que se trata, na verdade, de um período de grande reorganização cerebral, em que os hormônios são responsáveis apenas por uma pequena parte do comportamento – o interesse sexual, e ainda assim somente porque mudanças no cérebro o deixam sensível aos tais hormônios.
Tudo começa com alterações no hipotálamo, que disparam o estirão de crescimento e mais tarde provocam o amadurecimento sexual tanto do cérebro quanto do corpo, por meio da liberação dos hormônios sexuais. No início da adolescência, o sistema de recompensa, que nos faz sentir prazer e querer mais do que é bom, perde mais de um terço da sua capacidade de ativação. Resultado: o tédio, quando nada do que antes era bom nos satisfaz. Apesar de ser ruim a curto prazo, o tédio tem um papel importantíssimo: ele nos faz abandonar os brinquedos da infância e começar a procurar novas atividades.
Nessa fase surge também o gosto por correr riscos. É aqui, aliás, que as drogas costumam entrar na vida dos jovens: como elas ativam diretamente o sistema de recompensa, oferecem o prazer instantâneo que o cérebro tanto procura. O problema é que se o sistema, ainda em formação, continuar a se desenvolver com elas, será muito difícil largar o vício.
A seguir, entre 12 e 15 anos, o córtex pré-frontal passa a exercer com crescente autonomia suas funções adultas: permitir o raciocínio abstrato, aguçar a memória e a concentração e controlar os impulsos – por exemplo, fazendo o adolescente segurar o ímpeto de xingar a mãe ou cometer outra besteira impulsiva.
Somente no final da adolescência é que amadurecem as regiões do córtex que permitem um comportamento sensato e responsável, graças à capacidade de raciocínio conseqüente e de utilização das emoções na hora de tomar decisões. São as regiões do córtex órbito-frontal, responsáveis inclusive pelo arrependimento e sua antecipação. Só então o adolescente passa a considerar sozinho as conseqüências dos próprios atos ANTES de agir. É nessa época também, no final da adolescência, que o chamado Circuito Social do cérebro amadurece e permite que o adolescente se torne uma pessoa sociável, empática, solidária, capaz de se colocar no lugar dos outros e usar essa informação na hora de agir.
O autoconhecimento que a neurociência hoje traz para o adolescente pode ajudá-lo a conhecer e aceitar seus limites. É importante saber que é normal – e desejável – precisar de estímulos novos, e procurá-los na literatura, no cinema, na música, no esporte, nas amizades; que usar drogas na adolescência é uma péssima idéia porque o sistema sobre o qual elas agem está em uma fase crítica de sua formação; que a impulsividade é natural e passageira, e que ainda NÃO somos capazes de encontrar sozinhos todos os fatores, ou ao menos os mais importantes, para pesar na hora de tomar decisões – porque as partes necessárias do cérebro ainda não estão prontas.
E é importante saber que, mesmo assim, é preciso que o adolescente tome suas próprias decisões, porque é só assim que se aprende – e os pais e outros adultos confiáveis são ótimos consultores nessas horas, porque seu cérebro já aprendeu a enxergar todas as conseqüências possíveis dos seus atos. A adolescência é uma fase de aprendizado intenso, em que – ainda bem – o jovem tem direito a vários erros no caminho.
* neurocientista, autora de O Cérebro em Transformação (Objetiva, 2005)