Luiz Barco
Muitos estudantes de Música sentem verdadeira aversão pela Matemática – ou, pelo menos, pelo que lhes é oferecido na escola como sendo Matemática. Para eles, deve ser uma surpresa saber que o grande filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) disse uma vez: “A Música é um exercício de Aritmética secreto e aquele que a ela se entrega às vezes ignora que maneja números”. E é assim: ao acionarmos as teclas – de um piano moderno, por exemplo, estamos, a rigor, teclamos sobre logaritmos.
A música tem ligações muito fortes com a Matemática. Uma delas diz respeito ao efeito produzido sobre nossos ouvidos por um determi-nado som. O efeito depende sobretu-do da altura do som (ou, como pre-ferem os físicos, da sua freqüência, que é o número de vibrações, por segundo, do objeto que produz o som). Assim, fica claro que a cada som corresponde um número e a cada número, conseqüentemente, corresponde um som. Outra daquelas ligações aparece quando ouvimos dois sons simultaneamente. Isso equivale a perceber dois números, ou seja, uma relação. Ouvir o dó e o sol de uma mesma escala equivale a perceber a relação 2/3 (dois para três), que é a relação das freqüências desses dois sons.
Admite-se que um ouvido bem treinado pode distinguir, dentro de uma oitava, até no máximo 54 sons. Mas usar todo esse potencial seria pouco prático. Pense comigo: um piano de oito oitavas teria de possuir 432 teclas. Assim, parece que aquestão inicial, na história da Música, foi o momento em que se escolheram alguns poucos sons, entre esses 54 que são possíveis. Foi uma responsabilidade muito grande, a desses primeiros teóricos que decompuseram a oitava. Talvez nenhuma outra arte tenha dependido de uma única decisão tão importante – e, como sempre, coube aos gregos tomá-Ia. Eles desenvolveram a gama grega musical ao mesmo tempo em que desenvolviam a Matemática.
Já passaram 2.500 anos e a gama diatônica, ou de Pitágoras, continua sendo utilizada. Outras foram desenvolvidas, como por exemplo a dos físicos, ou de Zarlino, e a temperada, imortalizada pelo compositor alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750). Elas não são perfeitamente equivalentes, do ponto de vista físico; mas na prática são utilizadas como se fossem. Uma mesma notação serve para todas elas. Tomemos a corda que produz o som fá. Os 2/3 dessa – corda produzem o dó (a quinta de fá, na escala comum), os 2/3 dessa o som sol (a quinta de dó) e assim por diante. De quinta em quinta teremos fá-dó-sol-ré-Iá-mi-si. Continuando o processo teremos os sustenidos e bemóis. Nem todas da mesma oitava, é claro. Reduzidas à oitava inicial, elas aparecerão na ordem conhecida: dó-ré-mi-fá-sol- lá-si.
O princípio da gama dos físicos, ou de Zarlino, é diferente. Dois sons são mais agradáveis ao ouvido quanto mais harmônicos comuns tiverem. Os harmônicos de um som são aqueles sons que correspondem ao seu dobro, triplo, quádruplo etc. Alguns intervalos dessa gama coincidem com os da gama grega, outros estão bem próximos. Elas apresentam doze intervalos, ligeiramente desiguais. Já a gama temperada tem doze intervalos iguais. Nela, a potência doze de cada intervalo é igual a dois. Em outras palavras, o intervalo fundamental é a raiz duodécima de dois e as freqüências das doze notas estão em progressão geométrica. Os chamados graus de tonalidade da escala cromática não são eqüidistantes, nem pelo número de vibrações nem pelo comprimento de onda dos sons, mas representam os logaritmos de base dois dessas grandezas. A gama temperada é, pois, uma concepção matemática muito mais complicada. Bach só pôde usá-la com sucesso porque, já antes dele, o matemático escocês John Napier (1550-1617) havia criado os logaritmos.
Agora, voltando aos estudantes do começo deste artigo: talvez eles pudessem aprender os logaritmos com mais facilidade e prazer se a aula fosse dada no departamento de Música, ao som de um piano bem afinados.