Dona Carmo não é personagem inventada: ela existe, é saudável e bondosa. Como ia fazer o supletivo, me procurou e aí foi a grande surpresa! Ela resolve, como poucas vezes tenho visto, os problemas de aritmética. No início, a professora de Dona Carmo do curso preparatório não entendeu como ela podia resolver “de cabeça” os problemas que lhe eram dados. Na seqüência, tentou ensinar equações, como uma “tradução” para o matematiquês dos problemas escritos em português. A idéia não é de todo má, mas ocorre que para cabeças não algebrizadas, como a de Dona Carmo, essa passagem é um pouco mais delicada que uma simples tradução.
Há um problema bem simples que ilustra o argumento: numa sala há bancos e pessoas. Se 12 pessoas se sentarem em cada banco, sobrarão 4 lugares no último banco, mas, se somente 10 pessoas sentarem em cada banco, então 196 pessoas ficarão em pé. Quantos bancos e quantas pessoas há na sala?
Propus esse problema, entre outros, para jovens que daqui a algum tempo serão professores de matemática, jornalistas, publicitários, dentistas etc. A grande maioria disse algo assim: se existem ‘x’ bancos e colocamos 12 pessoas em cada um, exceto no último, onde ficarão somente 8 pessoas, para que sobrem os quatro lugares vazios, teremos (x – 1) bancos com 12 pessoas em cada um e um último com 8 pessoas, ou seja, o número de pessoas é: 12 (x – 1) + 8
Mas, se colocarmos 10 pessoas em cada banco, teremos 10x pessoas sentadas, com mais as 196 em pé: 10x + 196.
Daí vem a equação: 12 (x – 1) + 8 = 10x + 196. Sem grandes atropelos chega-se a x = 100. Isto é, existem 100 bancos nessa grande sala. Com 10 pessoas em cada um dos 100 bancos acomodamos 1 000, e ainda sobram 196 em pé. Logo, 1 196 é o número total.
Lembrei-me de como dona Carmo achou a solução e não pude deixar de ficar triste com a escola. Ela fez assim:
“Ora, professor! Se em cada banco eu coloco 10 pessoas, sobram 196 em pé, e se peço para duas se levantarem do último banco para que ele fique com 8, como interessa à primeira distribuição, então vão sobrar (em pé) 198, as quais, de duas em duas, devem completar as 12 pessoas em cada um dos bancos. Como 198 dividido por dois dá 99, posso dizer que temos 100 bancos (um com 8 pessoas e 99 com 12). Já encontrei o número de bancos. É só fazermos as outras contas para chegar ao total de 1196 pessoas”.
Fiquei triste quando, ao elogiar a beleza da solução, ela completou: “Pois é, professor, mas o senhor precisa me ensinar a resolver esses problemas com o ‘xis’, pois a professora disse que o meu jeito é tentativa e adivinhação, e isso não é matemática”.
Tenho certeza de que a professora pressionada por um currículo a vencer não pensou muito para fazer tal comentário. Torço para que, agora que já venceu o supletivo, dona Carmo possa ter voltado a pensar livremente.