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Onda de bitcoins começa a causar problemas a quem compra

Além de atraso em transferências e limitação de saques por empresas intermediadoras, sites podem estar usando a moeda em esquema de pirâmide

Por Marília Almeida, de Exame.com
Atualizado em 20 dez 2017, 12h24 - Publicado em 20 dez 2017, 12h17

As moedas virtuais, como os bitcoins, estão ficando cada vez mais conhecidas no país. Mas, junto com a maior procura, começam a surgir problemas – e as reclamações se espalham na internet.

Além de atrasos para retirada, depósito, cadastro e transferência do dinheiro aplicado em grandes empresas intermediadoras da compra e venda de moedas virtuais, não param de pipocar pela rede sites suspeitos, que podem estar utilizando criptomoedas como fachadas para esquemas de pirâmide financeira.

Nos últimos vinte dias, aumentaram as reclamações contra as duas maiores empresas desse segmento no Brasil: Mundo Bitcoin e Foxbit, segundo levantamento feito pelo site Reclame Aqui.

Ambas as plataformas tinham, desde o início de novembro, até 15 reclamações por dia registradas no site de queixas dos consumidores. Mas esse número disparou desde o final do mês passado.

O recorde de reclamações por dia contra a Mercado Bitcoin foi de 192 registros, em 13 de dezembro. Já contra a Foxbit, o pico de queixas foi em 8 de dezembro, com 50 reclamações em 24 horas.

A negociação de moedas virtuais funciona assim como o investimento em ações. O cliente cria uma conta em uma empresa de intermediação, transfere o dinheiro para ela e, a partir do momento que o valor estiver disponível, pode fazer operações de compra e venda online.

É no meio desse processo que as pessoas estão enfrentando dificuldade. Segundo o Reclame Aqui, a maior parte das queixas registradas envolve a demora na transferência e depósito de dinheiro para as empresas intermediadoras e também limitações de saques.

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Pessoas chegaram a relatar que o dinheiro transferido para algumas dessas companhias estava “congelado” por mais de uma semana – ou seja, o valor demora para entrar na conta e, enquanto isso, os clientes ficam impedidos de negociar as moedas virtuais.

Segundo informações disponibilizadas pelas próprias empresas, a Mercado Bitcoin reúne quase 700 mil usuários em sua plataforma, enquanto a Foxbit anuncia ter 200 mil.

Em nota, a Mercado Bitcoin afirmou que nas últimas semanas houve um aumento “exponencial” dos valores das moedas Bitcoin, Litecoin e Bitcoin Cash, o que gerou um crescimento “vertiginoso” nas solicitações de clientes.

Enquanto em 2016 foram negociados 105 milhões de reais na plataforma, neste mês a média diária negociada na plataforma atingiu 120 milhões de reais, segundo a empresa.

“Esse aumento extremo do volume de negociação das moedas no site (mais de 600%) nos levou a realizar uma atualização para otimizar o desempenho das operações, realizada no dia 14, o que manteve o bom funcionamento da plataforma”, disse.

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A Mercado Bitcoin aponta que empresas intermediadoras estrangeiras também saíram do ar por conta do aumento da busca pela moeda e que continua investindo em infraestrutura e equipe. “Nosso time já cresceu 6 vezes esse ano.”

O site EXAME também procurou a empresa Foxbit, mas ela não havia se posicionado até a publicação da reportagem.

Alerta contra golpes

O site Guia Bitcoin publicou uma lista com sites suspeitos de estarem usando a popularidade do bitcoin para atrair pessoas para negócios fraudulentos.

A lista vem se provando verdadeira: dos cerca de 100 sites listados, sete já saíram do ar após a verificação de irregularidades. A página no Facebook “Desvendando Pirâmides Financeiras” também vem monitorando sites que transacionam a moeda.

Algumas páginas chegam a comercializar moedas virtuais falsas, caso da Kriptacoin, que foi alvo de uma operação policial em setembro e seus sócios respondem a um processo judicial por fraude e outros crimes.

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Segundo a polícia, a valorização da moeda seria provocada pelos próprios donos do esquema. Conforme foi acabando o dinheiro para pagar os compradores, os acusados passaram a limitar saques, argumentando que as plataformas estavam em auditoria porque tinham sofrido um ataque de hackers.

A estimativa é de que 40 mil investidores tenham sido lesados, segundo o promotor do Ministério Público Federal de Brasília, Paulo Roberto Binicheski. “Em apenas uma das contas dos sócios chegaram a ser movimentados 15 milhões de reais. Algumas pessoas chegaram a investir 200 mil reais no esquema, outras venderam casa e carro para participar.”

Para ter o dinheiro de volta, os compradores devem aguardar a sentença dos dirigentes do negócio, que pode demorar anos para sair. “Além disso, há o risco de parte do valor ter sido gasto pelos criminosos ou ter sido desviado. Apenas o dinheiro encontrado é rateado entre as pessoas lesadas como indenização.”

Quais são os seus direitos?

As moedas virtuais não são reguladas pelo Banco Central e nem se caracterizam como um valor mobiliário, ou seja, saem do escopo de atuação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Mas isso não isenta essas plataformas de seguirem regras e leis, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Se houver falha na prestação de serviços, os usuários têm, sim, direito a ser ressarcidos. É o que diz o advogado especialista em direito digital Alexandre Atheniense. “Os sites recebem uma remuneração para prestar o serviço. Portanto, há uma relação de consumo.”

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Como o negócio é totalmente digital, os usuários das plataformas têm em sua defesa os termos de serviço disponíveis nesses sites, que costumam estabelecer prazos para conclusão das operações. Como precaução, devem guardar o documento assim que contratarem o serviço, já que os termos podem ser facilmente modificados, alerta Atheniense.

“Caso o site não ofereça os termos de prestação de serviço, é melhor não fazer negócio”. O advogado ressalta que cláusulas do termo de serviço que não estejam de acordo com o CDC podem ser consideradas nulas.

Enquanto falhas na prestação do serviço podem ser resolvidas com ações judiciais e reclamações em órgãos de defesa do consumidor, o problema da falta de regulação do mercado é maior quando os sites anunciam bitcoins como investimento e prometem rentabilidades altas, de 1% ao dia, por exemplo.

Mas, constatado que o negócio tem características de pirâmide ou se assemelha a uma fraude, ele pode virar caso de polícia. É o que ocorreu com a Kriptacoin.

Binicheski, do MPF de Brasília, lista alguns sinais indicativos de que a aplicação na moeda pode ser uma fraude. “Primeiramente o comprador deve verificar se a moeda está listada no CoinMarketCap. Se não estiver lá, há uma grande probabilidade de que seja falsa”.

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Outro sinal de que a criptomoeda pode ser falsa é quando o site for o único a transacioná-la. “O mercado das moedas digitais é descentralizado. Ou seja, elas são comercializadas por diversos sites. Não há restrições.”

Propaganda massiva e vídeos que mostram o sucesso que pessoas tiveram com aplicações também sinalizam que o negócio é uma roubada, completa o promotor. “Esses negócios criminosos também costumam ser dirigidos por sócios com antecedentes criminais. Checar esses dados é uma forma de se precaver.”

Além dos dados de quem dirige o negócio, é prudente checar as informações sobre a empresa: se o CNPJ informado é verdadeiro, se a sede da empresa realmente existe, qual o tamanho da estrutura da empresa e sua situação financeira.

Alguns sites são hospedados no exterior, o que pode tornar mais difícil receber alguma indenização em caso de comprovação do crime. Atheniense diz ter recebido nos últimos dois meses ao menos quatro pedidos de auxílio de investidores que aplicaram dinheiro em uma empresa com sede em Ohio, nos Estados Unidos. “De uma hora para outra, ela desapareceu.”

A CVM está de olho

Apesar de as moedas virtuais não serem consideradas um ativo mobiliário, a CVM conseguiu suspender uma oferta irregular relacionada ao bitcoin nesta terça-feira (19), pela primeira vez.

O site Hashcoin estava vendendo cotas de investimento em um projeto de mineração de bitcoin. Apesar de não ser um valor mobiliário, como uma ação ou debênture, por exemplo, essa oferta se enquadra no conceito mais amplo de valor mobiliário, regulado pela CVM desde 2001, explica Dov Rawet, superintendente de registro de valores mobiliários da autarquia.

O que importa, conta, não é o nome do investimento, mas sua estrutura. “Uma pessoa física anunciou em um site que os investidores que colocassem dinheiro em seu projeto de mineração receberiam dividendos e remuneração. Esses recursos serviriam para comprar computadores potentes e pagar a energia elétrica para minerar as moedas. Ele prometia que o ganho era mais certeiro com ele, que entende do mercado, do que se cada investidor fizesse o investimento e minerasse a moeda por conta própria.”

Qualquer anúncio que prometa remuneração a investidores e, para isso, basta que coloquem o dinheiro no projeto, sem mais nenhum esforço, pode ser considerado um contrato de investimento coletivo, não importa qual seja o ativo envolvido na operação, explica Rawet.

“O negócio poderia virar caso de polícia caso o dinheiro arrecadado sumisse com o seu sócio, ou ser utilizado para o que se propõe. Não sabemos. O fato é de que ele, primeiramente, precisa de autorização da CVM para fazer esse anúncio.”O superintendente declara que a CVM não é avessa a novidades se ela vier para o bem e para facilitar a vida dos compradores. Isso vale para o que ele chamou de “febre do bitcoin”.“Contudo, não podemos perder de vista que nosso papel é proteger os investidores não apenas de fraudes, mas ajudá-los a tomar uma decisão de investimento fundamentada, e não com poucas informações. Temos um arcabouço jurídico pronto. Quem se enquadrar nele, vai ter de segui-lo.”

Este conteúdo foi publicado originalmente em Exame.com

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