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Pirataria e cinema: há algo de podre em Hollywood

A pirataria já arrasou a indústria fonográfica e agora pode fazer o mesmo com o cinema. Os estúdios reagem com continuações e fórmulas manjadas. Mas a coisa não anda. E agora pedem socorro à Internet

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h46 - Publicado em 31 Maio 2008, 22h00

Texto Alexandre Versignassi e Karin Hueck

Hollywood está uma festa. Homem de Ferro rendeu US$ 400 milhões em bilheteria no mundo em menos de um mês. Indiana Jones promete ir mais longe ainda. Sem falar que, no ano passado, os grandes estúdios tiveram um faturamento recorde nos EUA: US$ 9,6 bilhões. Para os chefes dos departamentos financeiros dos estúdios, nada poderia parecer melhor. O problema começa quando um elemento importante entra na equação: você.

É que, mesmo com todo o oba-oba, o cinema está perdendo espectadores. Nos EUA, que servem de termômetro para o resto do mundo, as bilheterias das salas venderam 199 milhões de ingressos a menos que em 2002 – a renda só não caiu por causa de aumentos no preço dos bilhetes. Hoje, veja só, o grande negócio de Hollywood nem é a venda de entradas, mas a de dvds. Os estúdios ganham quase 3 vezes mais com elas do que no caixa dos multiplex da vida.

Mas apostar a vida em dvds é um problema: a pirataria cresce. Em alguns países ela é tão forte que mal existe mercado para dvds originais. É o caso da China e do México, em que 90% dos discos que existem no mercado são piratas (por aqui são 59%). Nos EUA, a festa do dvd durou até o ano passado. Mas acabou a empolgação: em 2007 as vendas recuaram pela primeira vez. E daqui para a frente a tendência é continuar ladeira abaixo. Um futuro sombrio espreita a indústria do cinema. E isso tem tudo a ver com o tipo de filme que os estúdios preferem fazer hoje – não é à toa essa enxurrada de continuações, como Indiana Jones, Hulk, o próximo Batman que vem aí…

Para entender isso, vamos examinar a queda de outra indústria: a musical.

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Enxugando gelo

Você conhece alguém que há anos não compra um cd? Nós também. Muita gente não vê sentido em gastar dinheiro com discos agora que dá para baixar de graça quase toda música já gravada. Fazer isso é ilegal? Sim. Mas isso não impediu que as vendas de cds nos EUA desabassem de 712 milhões de unidades em 2001 para 89 milhões no ano passado.

O que as gravadoras mais fizeram nesse tempo todo foi combater a pirataria com braço forte, chegando ao ponto de processar moleques por terem baixado músicas em sites de troca de arquivos. Mas essa estratégia se mostrou tão eficaz quanto enxugar gelo. A pirataria continuou firme e agora o comércio de cds está virando um negócio de nicho, voltado para pouca gente, como aconteceu com os discos de vinil. Que descanse em paz.

O destino do dvd, agora, não parece mais promissor. Um estudo feito em 2003 pela gigante das telecomunicações AT&T concluiu que 95% dos longas-metragens produzidos por Hollywood na época já tinham dado a volta ao mundo pelos cabos da internet (e dali para os dvds piratas) antes mesmo de estrear nas salas de cinema, geralmente vazados por algum funcionário de estúdio ou jornalista que teve acesso ao filme.

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Sem falar que, mais um pouco, até o camelô vai ficar obsoleto. Hoje, com uma boa conexão de banda larga (2 megabytes) dá para baixar um longa em poucas horas. Em lugares como o Japão e a Coréia do Sul, onde a banda é larga mesmo (50 megabytes), a demora cai para menos de 10 minutos. Os coreanos, por exemplo, já baixam um filme por semana, em média. Apesar de não ser muito prático levar a pipoca para a frente do computador, qualquer micro de hoje permite gravar um dvd para assistir no conforto da TV da sala. E, para os mais sofisticados, existem aparelhos que mandam o filme direto do pc para a televisão, como o Apple TV.

Um problemão para a indústria. Mas, em vez de arranjar uma solução criativa para enfrentá-lo, empregaram a velha (e fracassada) tática da indústria do disco: torcer o nariz para a internet e partir para a briga. Todos os esforços foram concentrados na tentativa de destruir a pirataria. Vale até contratar seguranças com binóculos de visão noturna nas pré-estréias, para pegar quem estiver gravando o filme com câmeras digitais. O cerco fechou tanto que, para assistir Indiana Jones antes da estréia, jornalistas tiveram de passar por detectores de metal. Nada mais legítimo, afinal, estamos falando sobre defender propriedade intelec- tual. Mas o gelo não enxuga: os filmes, mais hora, menos hora, fluem para a rede. E continuam a ameaçar o negócio responsável pelo grosso do faturamento da indústria.

E agora, Hollywood? Gastar bilhões fazendo filmes se existe a possibilidade de ninguém mais pagar para assisti-los em casa?

Menos risco, mais repetição

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Não é à toa que muitas pessoas da indústria estão pra lá de pessimistas. Uma delas é George Lucas, o pai de Star Wars (e, com isso, dos blockbusters): “As primeiras vítimas serão os filmes de orçamento alto. Eles vão acabar”, disse à revista Wired em 2006.

Mas o que os grandes estúdios têm feito é justamente o contrário: injetar mais dinheiro em cada filme. Hoje eles fazem menos produções do que antes (veja no gráfico aqui embaixo) e gastam mais em cada uma. Em 2001, por exemplo, a média era de US$ 78,5 milhões por filmagem. Hoje está em US$ 106,6 milhões. Na prática, produziram menos filmes baratos e concentraram a grana nas megaproduções. Muita gente acha que esse movimento é motivado por uma crise criativa. Não é verdade. Trata-se de uma conseqüência da crise.

A lógica é a seguinte: “Com os grandes blockbusters, como um Speed Racer, a experiência de assistir na tela grande é mais intensa”, diz Márcio Gonçalves, diretor do braço latino-americano da Motion Pictures Associaton (MPA), que reúne os maiores estúdios dos EUA. “No caso dos filmes médios a diferença entre assistir no cinema ou em casa não é tão grande. Aí o efeito da pirataria é mais nefasto. E o risco de perder dinheiro aumenta.” O americano John Malcom, um diretor global da MPA, vai pela mesma linha: “Há filmes que não estão sendo feitos por causa da pirataria. São produções mais criativas, menos convencionais, ou seja, mais arriscadas. Ninguém vai querer investir em uma idéia ousada que pode não dar retorno”.

Se a idéia é essa, também não basta só fazer filmes caros e pronto. A indústria é cheia de fiascos milionários, como Pluto Nash (2002), uma hecatombe que custou US$ 100 milhões e rendeu US$ 4,4 milhões. O jeito, então, é apostar em filmes em que as pessoas já confiam por antecipação. Em “marcas” hiperfamosas. Então tome Indiana, Superheróis, o próximo Arquivo X, o filme baseado em O Alquimista, do Paulo Coelho, ou seja: continuações, adaptações de quadrinhos, da TV e de best sellers mundiais. Em 2006 e 2007, por exemplo, foi uma média de 12 produções nessa linha no top 40 de bilheteria, o habitat natural dos filmes de grande orçamento. É o dobro do que havia nos anos 80 e 90.

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O motivo? Aversão ao risco: “As seqüências, por exemplo, rendem 3 vezes mais que os outros filmes, em média”, diz Abraham Ravid, professor de finanças das Universidades Cornell e do Estado de Nova Jersey, que fez um estudo sobre a economia das continuações.

De fato: dos 5 filmes mais vistos em 2007, 4 eram continuações. A fome é tanta que foi só Homem de Ferro quebrar a barreira dos US$ 100 milhões de faturamento no fim de semana de estréia para os produtores anunciarem um Iron Man 2 para 2010.

Mas aquela estatística incômoda continua valendo: mesmo com uma enxurrada de continuações, remakes e afins no ano passado, o número total de espectadores continuou menor que no início da década. E fica a questão: as superproduções são o único caminho para a indústria?

Talvez não. Nos últimos anos, alguns filmes menores, com enredos originais, têm se provado bom negócio. É o caso de Juno que, com um orçamento de US$ 7,5 milhões, acabou rendendo US$ 227 milhões este ano. E de outros filmes com orçamento abaixo de US$ 10 milhões, como Pequena Miss Sunshine (que arrecadou US$ 100 milhões), ou de Meu Casamento Grego (US$ 350 milhões). Esses números não são à toa. Mostram que há (bastante) público sedento por variedade – e que existe um mercado a ser explorado por aí.

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“Se existirem 1 milhão de pessoas interessadas em pesca no gelo, já vale a pena fazer um filme para elas”, disse à revista The Economist Jeremy Zimmer, fundador da United Talent Agency, uma agência que reúne produtores, atores, diretores e todo o tipo de figurinha importante da indústria do cinema. A fórmula, nesse caso, são filmes de nicho, com custo menor e sem a pressão de terem de faturar quantias estratosféricas – porque, afinal, também custaram pouco. Assim, Hollywood poderia voltar a investir em tramas originais. Quem sairia lucrando é o espectador.

Outra mostra do que as pessoas querem é justamente a queda das superestrelas. Se na década de 1990, o comum era pagar US$ 20 milhões para Jack Nicholson, Julia Roberts e companhia atuarem, hoje está cada vez mais difícil um ator receber tanto dinheiro. Juno, por exemplo, foi estrelado pela ilustre desconhecida Ellen Page. Já Leões e Cordeiros, com Robert Redford, Tom Cruise e Meryl Streep, passou despercebido em 2007.

Tudo isso deixa claro que as coisas estão mudando. E a mais recente dessas transformações pode ser a mais decisiva para a sobreviência do cinema.

Aconteceu o seguinte: Hollywood acabou de abrir uma brecha para a internet. Não se trata de afrouxar a briga contra a pirataria, claro. Mas de tentar transformar o download pago de filmes num negócio tão grande quanto era o dvd até ontem. O maior passo nesse sentido foi no começo de maio, quando 6 grandes estúdios (Sony, Paramount, Fox, Warner, Universal e Disney) fecharam um acordo com a Apple: agora todos os lançamentos dos grandes estúdios vão estar prontos para download no iTunes no dia que o dvd sair. Cada um vai custar US$ 15 (contra US$ 20 de um dvd físico). E dá para alugar também: você paga US$ 3 por um arquivo que se autodestrói 24 horas depois de assistido.

Vai funcionar? De novo, a indústria fonográfica serve de parâmetro: a loja virtual iTunes, que comercializa músicas online, já é a maior vendedora de música dos EUA – deixou até a megarrede de supermercados Wal Mart para trás.

E dá para acontecer a mesma coisa com os filmes? A aposta é promissora. Primeiro, porque a imagem dos filmes piratas nem sempre tem uma qualidade que preste – baixando as versões legalizadas direto da fonte, esse problema acaba. E não falta gente disposta a pagar por isso. Segundo uma pesquisa recente nos EUA, o maior impedimento para que as pessoas pagassem para baixar filmes pela rede era a baixa oferta de títulos oficiais para download.

Caso tudo dê certo, pode ser o começo do fim da crise. Se a coisa vai fazer com que os estúdios arrisquem mais em vez de se fiar em uma continuação atrás da outra? Aí só o tempo vai dizer. Enquanto isso, topa um cinema?

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