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Pirataria para salvar o capitalismo

Para o economista (e dj) inglês Matt Mason, jovens rebeldes e idéias copiadas podem reinventar a economia

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 31 out 2008, 22h00

Tarso Araújo

Tapa-olho, espadas, bandeiras negras e navios de canhões em riste. Esqueça esses adereços. Os piratas mudaram de armas e estão trabalhando ali na esquina perto da sua casa, vendendo os filmes do próximo verão a preço de dvd virgem. Estão mais fortes do que nunca em nossa cultura do “copie e cole”. Sua influência vai muito além dos oceanos e coloca em xeque os maiores impérios comerciais do mundo globalizado. É sobre isso que fala o inglês Matt Mason no livro “O Dilema do Pirata” (The Pirate’s Dilema, sem previsão de lançamento no Brasil). Ele mistura o que aprendeu fazendo remixes em rádios piratas e clubes londrinos na adolescência com a sua experiência como economista para mostrar que a pirataria é um caminho sem volta. Num texto cheio de histórias saborosas, ele revela como a contracultura, o punk e o hip-hop forjaram uma aliança com as novas tecnologias da informática e da comunicação para mudar para sempre as regras do jogo capitalista. E conclui: isso é bom para todo mundo. Os piratas nos fornecem novos canais de distribuição e consumo, e forçam as empresas a trabalhar duro em busca de produtos que nos agradem mais. De seu apartamento em Nova York, onde vive há 3 anos, Mason explicou como a pirataria pode mudar (aliás, já está mudando) o mundo para melhor.

Muitas indústrias querem prender os piratas. Não tem medo ser preso?

Não, porque teriam de prender todo mundo que pratica pirataria. E acho que não querem mandar todos os garotos que estão baixando músicas para a cadeia. Tudo o que fazemos, desde encaminhar um e-mail com uma imagem até tirar uma foto com uma TV no fundo, pode representar violação de direitos. Mas as pessoas a quem me refiro como piratas são aquelas que usam informação de formas realmente não convencionais.

São os jovens, principalmente?

Sim, porque download, software livre, creative commons e o movimento contemporâneo da pirataria fazem parte da cultura jovem. É coisa de gente nova, muito insatisfeita e muito apaixonada pelo que faz, e que quer mudar o mundo e fazer as coisas do seu jeito. A cultura jovem é como um experimento social, em que sempre há novas abordagens para operar o mundo real, fora do mainstream. Se essas idéias são boas, e fazem sentido para muita gente, elas se espalham. É da juventude que vêm as respostas sobre como competir e sobreviver quando a informação não é mais limitada pelas velhas leis de propriedade intelectual.

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Então a pirataria e a cultura jovem estão ajudando o capitalismo a se renovar?

Sim. O dinheiro continua fluindo, mas de um jeito diferente. As pessoas podem gastar menos com cds, mas elas estão ainda mais apaixonadas pela música e ainda gastam dinheiro com ela, com camisetas, shows etc. Vejo a pirataria como parte natural do capitalismo, que de tempos em tempos o faz mudar.

Por que você entende a pirataria como um velho ingrediente do capitalismo?

Existem vários exemplos disso. Quando os EUA foram fundados, a política oficial do governo era não reconhecer nenhum tipo de propriedade intelectual, patentes, marcas nem nada. Então começaram a construir suas indústrias contrabandeando o know-how da Revolução Industrial européia. Isso é uma das razões que os levaram a se industrializar tão rapidamente. A fama de contrabandistas dos americanos era tão grande durante o século 19 que os europeus passaram a chamá-los de jankes, uma palavra holandesa usada para se referir aos antigos piratas que, na pronúncia inglesa, acabou virando yankees. Se você for buscar na história de muitas indústrias, também verá a pirataria como um ingrediente realmente importante.

Por exemplo?

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Quando Thomas Edison inventou o fonógrafo, os músicos que ganhavam dinheiro tocando ao vivo acusaram-no de roubar seu trabalho e fazer pirataria. Segundo eles, a invenção iria acabar com os músicos e, conseqüentemente, com a música. Exatamente o que alguns artistas dizem hoje sobre o download de músicas. A indústria fonográfica realmente começou a vender seus primeiros discos sem pagar nada aos músicos, até que se criou um sistema para a cobrança de royalties e a indústria se desenvolveu. Mais tarde, Edison criou a tecnologia para produzir filmes e exigiu de quem quisesse usá-la o pagamento de uma licença. Para escapar do pagamento, um grupo de cineastas piratas saiu de Nova York para o oeste para produzir seus filmes sem pagar a licença, até que a patente expirasse. Esses produtores pioneiros criaram os primeiros estúdios de Hollywood. E entre eles estava ninguém menos do que William Fox, fundador da Fox Filmes.

Mas hoje as grandes empresas temem ser des-truídas pela pirataria.

Claro, porque empresas e artistas estão sendo desafiados a se desenvolver, compartilhar e distribuir informação. Se a única coisa que uma empresa faz contra os piratas é processá-los, então o problema de verdade é que ela não tem mais um modelo de negócios competitivo. Toda empresa pode ter seu negócio virado do avesso pela pirataria, mas todas também podem competir com ela. Então, em vez de parar com a pirataria, elas têm de aprender a pensar e agir como os piratas.

Como é possível competir com a pirataria?

Vai depender de cada negócio. Veja o exemplo da Novo Nordisk (indústria farmacêutica dinamarquesa). Eles levaram remédios para o mercado tailandês, onde as pessoas não tinham poder aquisitivo para comprá-los. Quando surgiu uma concorrência pirata, colocando os remédios a preços mais acessíveis, a empresa começou a distribuir seus remédios de graça. Decidiram que isso era a coisa certa a fazer porque beneficiava o público e, logo, seria também uma excelente propaganda. Nos EUA, a indústria farmacêutica gasta milhões de dólares com propaganda e ainda assim o público tem a percepção de que ela é uma coisa do mal. Mas, quando a Novo Nordisk aprendeu a jogar com a pirataria num mercado local, adquiriu imediatamente, no mundo todo, a imagem de uma empresa ética, com responsabilidade social. Foi um grande negócio para ela. Aqui em Nova York, se eu sei que essa empresa fornece remédios a quem não pode comprá-los, talvez me disponha a pagar um pouco mais por seus produtos em uma próxima vez.

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Então a pirataria é um parâmetro a ser seguido?

Nem sempre. Quando alguém produz pastas de dentes contaminadas com chumbo, não está trazendo benefício para ninguém: nem para o consumidor nem para a marca. Mas, se ela traz algum tipo de benefício para a sociedade, as empresas têm de pensar: o que podemos fazer para atrair os clientes, apesar da pirataria? O que podemos fazer para que as pessoas procurem os cinemas, mesmo com o download e os dvds piratas? Quando elas respondem a essas questões, o público sai ganhando.

Aqui no Brasil, a pirataria pode ter sido boa propaganda, porque o maior blockbuster do cinema brasileiro em 2007, Tropa de Elite, foi também um dos filmes mais pirateados da nossa história…

Aqui em Nova York, a gente compra um dvd em Chinatown [bairro nova-iorquino] por US$ 5, bem antes do lançamento oficial. Apesar disso, o último verão foi o mais lucrativo da história de Hollywood. Eles entenderam que as pessoas estão comprando uma experiência completa, que é estar numa sala de cinema. O iTunes é um exemplo perfeito de como a pirataria faz com que as empresas se esforcem para oferecer algo a mais. Ele não vende músicas, simplesmente. Os consumidores sabem que podem conseguir o mesmo produto de graça, mas com risco de baixar um vírus no seu computador. Então o que o iTunes oferece aos compradores é comodidade, confiança e paz de espírito.

Você distribui a versão eletrônica de seu livro de graça. Foi fácil convencer a editora?

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Não, mas no fim eles concordaram. Afinal, era isso ou a obscuridade. O mercado de livros não é mais um mercado de massa. Nos EUA, enquanto cerca de 200 mil livros são lançados por ano, o americano lê em média um livro por ano – e esse número está caindo. Diante dessa estatística, quanto mais leitores você tiver, melhor. Inclusive porque, para a maioria das pessoas, uma versão eletrônica ainda não substitui um livro impresso.

Eu, por exemplo, baixei o livro, mas acabei imprimindo várias páginas…

E deve ter gastado mais dinheiro com tinta do que comprando na loja… [risos]. Quando se coloca um livro na internet, geralmente acontece uma de duas coisas: ou ninguém lê o livro, e você não ganha dinheiro algum, ou acontece como o caso do Paulo Coelho, autor de O Alquimista. Ele contou recentemente que estava colocando seus livros para download no Bit Torrent (site de compartilhamento de arquivos) sem o consentimento de seus editores. Quando descobriram, acabaram fazendo um acordo para distribuir os seus livros na internet, porque a versão online de O Alquimista em russo fez as vendas da edição impressa pular de 1 000 unidades por ano para 1 milhão, em 3 anos. Hoje ele vende 10 milhões de livros por ano na Rússia.

Quer dizer que você pirateou Paulo Coelho?

Sim, de certa forma. E é isso que todos nós fazemos desde que nascemos: copiar os outros. Seres humanos aprendem a fazer tudo por imitação – a falar, a se comportar. Mas nas últimas décadas surgiu a internet, a maior máquina copiadora de todos os tempos. Uma ferramenta tão poderosa que afeta profundamente toda nossa forma de fazer negócios. Nem sempre as cópias vão nos trazer algo de positivo. Esse é o dilema do pirata. Mas, quando soubermos distinguir as boas e más oportunidades e soubermos tirar o melhor proveito desse novo cenário, as coisas vão melhorar para todos.

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Para entender o defensor dos corsários

Leia aqui alguns trechos pirateados do livro de Matt Mason

Por um mundo melhor

“Alguns atos de pirataria são simplesmente roubos. Mas, embora propriedade intelectual pareça certo e pirataria claramente errado, o oposto também pode ser verdade. Várias formas de pirataria podem transformar a sociedade para melhor.”

Free TV

“Quando surgiram as primeiras empresas de TV a cabo, elas não pagavam as emissoras para distribuir seu conteúdo. Por mais de 30 anos elas operaram como uma rede primitiva de troca de arquivos ilegal, até que o Congresso decidiu que deveriam pagar.”

Contra a censura

“Quem você acha que está combatendo a censura do governo chinês? Quando Pequim baniu o filme Memórias de uma Gueixa, em 2006, por considerá-lo “socialmente degradante”, os piratas venderam milhões de cópias e furaram a Grande Muralha.”

Pirataria bíblica

“Existem várias idéias que consideramos originais e que são na verdade versões de outras pessoas. Nem o Velho Testamento é uma exceção. Estudiosos acreditam que suas histórias são inspiradas em mitos pagãos de culturas mesopotâmicas.”

Matt Mason

• Nas horas vagas, ele escuta hip-hop e house nas rádios piratas de Londres.

• Vive no Brooklin, em Nova York, desde 2005, com sua sócia, Emily, e a “filha” Lily, uma buldogue francesa de 5 meses.

• Para Matt, o que dá mais saudade de Londres é a efervescência musical da capital britânica.

• Torce para o Chelsea, clube vizinho de sua casa na infância, treinado por Felipão. Adora futebol, mas não entende muito do esporte: para ele, Wayne Rooney é melhor do que Pelé e Maradona.

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