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Super-heróis também fazem sacanagens

Quando até os heróis resolvem pisar na bola e passam a achar que esse negócio de ser bonzinho não está com nada

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h48 - Publicado em 2 fev 2013, 22h00

José Lopes

Ninguém mais se surpreende com um herói meio malvadão hoje em dia. Você sabe do que eu estou falando: aquele justiceiro torturado por seus demônios internos, de voz rouca, uniforme sombrio e disposição para matar um ou outro de seus inimigos de vez em quando, só pra ninguém ficar achando que ele é um banana. Essa figura virou um clichê tão grande que pouca gente se dá conta de que ela só se tornou comum tarde na história dos quadrinhos.

Aliás, a predominância e o sucesso comercial desse tipo de “superanti-herói”, como podemos classificar a categoria, ajudaram a marcar até as grandes “eras” nas quais os estudiosos costumam dividir a história dos quadrinhos de super-heróis nos Estados Unidos. As duas primeiras, a Era de Ouro (1938-1950) e a Era de Prata (1956-1970), foram marcadas pelos protagonistas mais ingênuos e “bonzinhos” (embora alguns personagens, como o Homem-Aranha, já começassem a mostrar sinais de complexidade). A fase seguinte da saga dos quadrinhos, previsivelmente batizada de Era de Bronze (1971-1985), passou a dar mais destaque às grandes mancadas dos super-heróis.

Em parte, isso provavelmente aconteceu por causa da diminuição no otimismo a respeito dos próprios Estados Unidos. No fim dos anos 1960, problemas como o risco da guerra nuclear, a intervenção militar desastrada dos americanos no Vietnã, conflitos raciais e abuso de drogas pareciam mostrar que, muitas vezes, os super-heróis tradicionais eram só a voz do poder. E justificava o aparecimento de superpoderosos dispostos a desafiar a autoridade e as regras sociais mais conservadoras.

Parte das mancadas super-heroicas que você confere a seguir tem a ver com essas transformações, mas nem todas derivam da ascensão da Era de Bronze. De vez em quando, os personagens “puros” da Era de Prata podiam ser completamente sem noção – ao menos para a sensibilidade do século 21. Sem mais delongas, confira algumas superescorregadas marcantes da história.

1. RICARDITO, 15 ANOS, DROGADO E PROSTITUÍDO

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Tá, esquece a parte do “prostituído”, foi só pra efeito dramático. Ricardito, ou Roy Harper, para quem não sabe (e provavelmente muita gente não sabe, nesse caso…), era o parceiro mirim do Arqueiro Verde (Oliver Queen), um dos heróis clássicos da DC Comics durante as eras de Ouro e Prata. Em agosto de 1971, numa das capas mais audaciosas da história dos quadrinhos de super-heróis, o arqueiro adolescente aparece… se preparando pra enfiar uma dose de heroína na veia. Com o braço estendido e tudo. Diante dos olhares atônitos do Arqueiro Verde e de seu parceiro, o Lanterna Verde (Hal Jordan) – nessa época, os dois personagens verdinhos dividiam a mesma revista nos EUA. Tirem as crianças da sala. Ou não: apesar de chocante, a história, assinada por Dennis O¿Neil e Neal Adams, fazia parte de uma série de narrativas nas quais a dupla de roteiristas tentava tornar as histórias de super-heróis mais “socialmente relevantes”. Tanto era assim que o texto da capa dizia: “A DC ataca o maior problema da juventude: as drogas!” O propósito da imagem chocante, assim, era supostamente educativo.

Adicionando um bom nível de dramalhão mexicano à situação, a trama mostrava como o Arqueiro Verde e o Lanterna Verde eram atacados por uma gangue de assaltantes armada com bestas (um tipo mais sofisticado de arco). A dupla percebe que as flechas lançadas pelas bestas eram idênticas às do Arqueiro Verde. Investigando o caso, os dois descobrem que a gangue é formada por viciados em drogas, cujos roubos os ajudam a sustentar o vício.

Surpresinha básica: os heróis encontram Ricardito entre os viciados. No início, eles acham que o garoto está apenas infiltrado para tentar pegar os bandidos, mas acabam flagrando Ricardito usando heroína. Fica claro, então, que ele estava mesmo roubando as flechas do Arqueiro Verde e levando-as para o bando.

Começa então a choradeira. Ricardito confessa que se sentia abandonado pelo Arqueiro Verde e que, diante de tantas mentiras que a geração de seu mentor contara – sobre a Guerra do Vietnã e a segregação racial nos EUA, por exemplo -, não tinha visto motivos para acreditar nos supostos perigos das drogas.

No fim das contas, o rapaz consegue largar o vício, não sem antes presenciar a morte, por overdose, de um de seus companheiros de gangue. Os heróis “verdes” descobrem, então, que o verdadeiro vilão da história é o presidente de uma empresa farmacêutica, responsável pela distribuição do perigoso narcótico.

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2. LANTERNA VERDE, MESTRE DAS PIADINHAS RACISTAS

Aproveitando que a gente já estava falando de parceiros juvenis e Lanterna Verde mesmo, é hora de relembrar um dos episódios mais politicamente incorretos da história dos quadrinhos. Tudo começou em 1960, quando a DC resolveu seguir a regra de quase todos os heróis da época e dar um jovem companheiro para Hal Jordan. O herói resolveu revelar sua identidade secreta para um mecânico esquimó (?!) que trabalhava com ele – na vida civil, Jordan era piloto de testes.

O primeiro indício de que isso era uma ideia de jerico é o fato de que, como esquimó, o rapaz era membro da “raça amarela”. E a única fraqueza do anel do Lanterna Verde é a incapacidade de afetar a cor… amarela.

Como se não bastasse essa piadinha besta, o apelido dado pelo herói ao garoto (cujo nome verdadeiro era Thomas Kalmaku) resvalava ainda mais no racismo. Ele era chamado de Pieface (Cara de Torta), uma expressão que podia ser tanto uma referência ao rosto largo típico dos esquimós quanto significar algo como “cara de bobo”. Nem um pouco simpático.

Em 1989, durante uma história que recontava as origens do Lanterna Verde, o pessoal da DC tentou remendar o apelido de má fama com outro trocadilho não muito esperto. “Um esquimó de verdade, hein?”, pergunta Jordan quando conhece o garoto. “O único esquimó que eu já tinha visto era o sorvete Eskimo (que, em inglês, é conhecido como Eskimo Pie, ou “torta esquimó”). Que tal se eu te chamar de Cara de Torta?” É, manda ver, grande ideia, Hal.

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3. PROFESR XAVIER, MANIPULADOR E PEDÓFILO

Parecem acusações pesadas demais contra o mentor dos mutantes do bem da Marvel? Pois é meio complicadinho negá-las.

Durante a primeira encarnação da equipe dos X-Men, na década de 1960, o Professor X tinha a desagradável mania de fingir que tinha perdido seus incríveis poderes mentais só para ver que bicho dava. Sua intenção era “testar” o que seus alunos fariam na ausência da ajuda de seu mentor. Diante de um atônito Ciclope, que perguntou: “Mas por quê, senhor?”, ele deu a simpática resposta: “Lembre-se. Isto aqui é uma escola. E você não consegue se formar em nenhuma escola sem passar pelo seu exame final. Bem, todos vocês acabam de fazer a sua prova final… exatamente como eu planejei!” (diálogo de uma história dos X-Men de 1964).

De quebra, numa edição de 1968, ele forjou sua própria morte e ficou meses desaparecido, deixando os X-Men desesperados e à mercê de inimigos como Magneto. Ele justificou o sumiço como necessário para que, em segredo, ele preparasse sua equipe para resistir a uma invasão alienígena. Custava ter avisado os garotos?

Mas a coisa fica feia mesmo quando, naqueles convenientes balõezinhos de “pensamentos”, o bom professor confessa seu amor por Jean Grey. É, aquela que na época era apenas sua aluninha adolescente. Alguém devia avisar o Charlie que isso dá cadeia. Mas, de novo, os roteiristas da Era de Prata mostram a completa falta de bom-senso que às vezes tomava conta deles. O que Xavier pensa sobre toda a questão fica resumido nestas frases: “Eu nunca poderei contar a ela (sobre seu amor)! Não tenho o direito de fazer isso! Não enquanto sou o líder dos X-Men e estou confinado a esta cadeira de rodas!”

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Por sorte, praticamente não se falou mais nisso nas histórias dos mutantes por décadas. Foi só nos anos 1990 que a paixão mal resolvida do professor por Jean se tornou um dos fatores para que ele pirasse, dando origem ao vilão Massacre.

4. BATMAN MANDA O ROBIN PRO ORFANATO

Sabe aquela dublagem apócrifa e cheia de palavrões de um dos episódios da antiga série de TV do Batman que acabou ganhando notoriedade no YouTube? Quem já viu esse clássico sabe que, em dado momento, o Cavaleiro das Trevas ameaça o Robin: “Mal-agradecido. Vou te colocar num colégio interno”. Pois bem, foi praticamente isso que acabou acontecendo numa história publicada em 1963 e pelo motivo mais bizarro do mundo: o desejo de vingança do Batman contra o Superman.

Explica-se: na narrativa em questão, um daqueles exercícios de “o que aconteceria se” que os autores de quadrinhos tanto apreciam, o jovem Bruce Wayne cresceu achando que o responsável pela morte de seu pai tinha sido… o Superboy. O Menino de Aço até faz uma visita à Mansão Wayne para dizer que ajudaria a encontrar o assassino, mas Bruce não se convence.

Fora esse “pequeno” detalhe, as trajetórias dos personagens são as mesmas. Enquanto o Superboy cresce e vira o Superman, Bruce Wayne assume a identidade de Homem-Morcego e combate o crime em Gotham City, ao lado de seu parceiro, o Menino-Prodígio, que ele acabou adotando após a morte dos pais do garoto.

Mas o grande objetivo do Batman desse universo alternativo é, claro, pegar o Superman de jeito. O problema é que, ao resmungar consigo mesmo sobre seu ódio contra o super-herói de Metrópolis, Batman acaba sendo entreouvido por Robin. O Cavaleiro das Trevas revela, então, todo o seu plano de vingança – e é totalmente rechaçado pelo Menino-Prodígio, que não consegue acreditar que o Superman seria capaz de cometer um assassinato.

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Fulo da vida, Batman não só dá uns tabefes em seu parceiro mirim como usa um aparelho hipnótico para apagar as memórias do garoto (!) e o manda para um orfanato (!!!) para evitar que o moleque coloque em perigo sua identidade secreta e seu plano.

E fica pior, minha gente: finalmente pronto para a vingança, Batman firma uma aliança com Lex Luthor para destruir o Homem de Aço. Só que, no meio do plano, o Homem-Morcego se dá conta de que, na verdade, o responsável pela morte do papai Wayne é ninguém menos que… Luthor, claro. Dã.

Batman, então, sacrifica a própria vida para impedir que Luthor matasse o Superman. Ninguém sabe se o coitado do Robin acabou conseguindo recuperar a memória ou ficou vivendo para sempre no orfanato.

5. SUPERMAN, PAPAI DO ANO – NOT!

É 1958, e Jimmy Olsen, o jovem repórter fotográfico do jornal Planeta Diário e grande amigo do Superman, está chateado. É que está rolando um piquenique de pais e filhos do jornal, mas Jimmy não pode participar da festa, já que é órfão. (Deixemos de lado o fato de que ele já está no fim da adolescência, mora sozinho e tem uma carreira – de repente no rapaz bateu uma vontade de voltar à infância.) Do nada, o Superman aparece e resolve fazer uma proposta inusitada para alegrar seu desconsolado amigo: o herói poderia muito bem ser “o pai adotivo oficial” de Jimmy!

Contando a coisa desse jeito, parece até mais uma daquelas histórias fofas, porém bobinhas, dos anos 1950, mas logo de cara o Homem de Aço começa a fazer coisas nada recomendáveis – como usar seus poderes para que ele e Jimmy ganhem na moleza as gincanas do piquenique.

E vai ficando pior. Jimmy passa a morar junto com o Superman numa casa que o herói alugou para os dois e, inesperadamente, sofre bullying. Primeiro o Homem de Aço dá uma arma laser na mão de Jimmy e, logo depois, chama a atenção dele por mexer no objeto sem permissão (sendo que, na verdade, a permissão tinha sido dada). Ele acusa Jimmy de bisbilhotar uma “sala secreta” da casa, de novo injustamente. E chega ao cúmulo de usar sua visão de calor para queimar o roupão (com o emblema do S!) que Jimmy mandou fazer para ele com todo o carinho como presente do Dia dos Pais.

Decepcionado, Jimmy consegue na Justiça o direito de cancelar a adoção. E só então o Superman revela o motivo de tanta maldade: sua máquina de profecias (sim, o Superman dessa época tinha isso, minha gente) revelara que o herói iria destruir seu próprio filho. Destratar Jimmy teria sido uma forma de induzi-lo a cancelar a adoção, para protegê-lo. Beleza, mas não dava pra simplesmente ter contado isso pro rapaz?

Mais mancadas clássicas

Machismo heroico
Em 1942, a Mulher-Maravilha foi aceita na Sociedade de Justiça (protótipo da Liga da Justiça), mas apenas na função de secretária do grupo, enquanto os outros heróis saíam para as batalhas.

Beijo em família
Ao tentar enganar Lois Lane, em 1960, Superman fez sua prima Supergirl se disfarçar de sua noiva e aproveitou para dar uns beijos na moça.

Heil, Homem-de-Ferro!
Em 2006, o alter ego do Homem-de-Ferro, Tony Stark, capitaneou um esforço para fazer um registro de todos os superpoderosos do Universo Marvel. Quem se recusava era mandado, sem julgamento, para um “campo de concentração” em outra dimensão.

Superzoofilia
Cometa, o Supercavalo, personagem criado em 1962, era o companheiro número 1 da Supergirl. O problema é que na verdade o bicho era um centauro da Grécia antiga, que se apaixonou pela heroína e fazia de tudo para tentar se transformar em humano e dar uns pegas na moça.

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