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Super homens sob medida

Atacar o câncer, eliminar a hipertensão, escolher o sexo e até mesmo a cor dos olhos do bebê não é ficção científica. Essas são mudanças nos genes feitas pelo homem que devem alterar os rumos da evolução

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h47 - Publicado em 1 fev 2013, 22h00

Mirella Nascimento

Troca de genes doentes por genes saudáveis para curar tumores. Bebês livres de doenças antes mesmo da gravidez. Seres humanos mais bonitos, resistentes, inteligentes e de vida longa, com capacidades que ainda nem podemos imaginar. Descobertas da ciência indicam que, num futuro não tão distante, será possível mexer tanto no código genético, antes e depois do nascimento, que teremos muito mais pessoas com habilidades consideradas sobre-humanas, como as que você conheceu ao longo desta revista. Daqui a algumas gerações, essas mutações podem até se tornar um padrão perpetuado pela nossa espécie.

Essa evolução de laboratório deve acelerar – e muito – o processo mais natural. Harvey Fineberg, presidente do Instituto de Medicina, nos Estados Unidos, e especialista em ética médica, afirma que o homem vai acelerar o processo natural de evolução, comprimindo em 1000 anos (ou mesmo em 100) um processo que normalmente levaria 100 mil anos para acontecer. É o que ele chama de neoevolução. Em uma conferência, no ano passado, Fineberg fez uma série de questionamentos que dão o que pensar. “Você pode mudar as células no seu corpo. Mas se você pudesse mudar as células de seus filhos? E se você pudesse mudar o esperma e os óvulos, ou mudar um óvulo recém-fertilizado e dar a seu filho uma chance melhor com uma vida mais saudável – eliminar os diabetes, eliminar a hemofilia, reduzir o risco de câncer? E então, essa mesma tecnologia, esse mesmo motor da ciência que pode produzir as mudanças para prevenir doenças, também nos permitirá adotar superatributos, hipercapacidades. Por que não ter um músculo de contração rápida, que lhe permitirá correr mais rápido por mais tempo? Por que não viver mais?” Enquanto grande parte dessas questões parece muito distante de nossa realidade, clínicas espalhadas pelo mundo – inclusive no Brasil – já permitem que pais com histórico de doenças genéticas escolham fecundar apenas embriões que não carreguem os mesmos defeitos no seu DNA. Em diversos países, dá até para escolher o sexo do bebê – por aqui, a prática é proibida pelo Conselho Federal de Medicina. Mas se já é possível escolher embriões mais saudáveis do que outros antes mesmo da gravidez, também dá para mexer em genes das nossas células adultas para tratar doenças causadas por mutações genéticas. Será o começo da profecia de Fineberg?

Em 1990, pesquisadores do National Institutes of Health, nos Estados Unidos, fizeram a primeira terapia gênica autorizada em Ashanti DeSilva, uma menina de 4 anos que sofria de sérios problemas de imunidade causados por um gene defeituoso. Sem a produção da enzima chamada adenosina deaminase (ADA), o sistema imunológico de Ashanti não funcionava e ela era vulnerável a infecções, ficando doente com facilidade. Os pesquisadores removeram células da paciente e, no laboratório, as infectaram com retrovírus portador do gene normal para a tal enzima. Ao longo de quatro meses, a garotinha recebeu quatro infusões das próprias células tratadas geneticamente e começou a se sentir melhor. Após cinco anos de um rigoroso acompanhamento e de doses de reforço do vírus terapêutico, Ashanti deixou para trás a história de uma criança sempre doente que não podia sair de casa.

A terapia gênica funciona como uma espécie de correção de genes defeituosos. Algumas células do corpo do paciente recebem vírus fabricados em laboratório contendo genes saudáveis que vão tratar os genes alterados que causam a doença. O DNA aprende a ler esse novo código carregado pelo vírus e volta a fabricar as proteínas certas. No caso de células cancerosas, elas são reprogramadas para morrer.

Vinte e dois anos depois do caso pioneiro da garotinha Ashanti, 64,7% dos mais de 1,7 mil protocolos clínicos de terapia gênica no mundo são de tratamento contra diferentes tipos de câncer, conforme listagem do Journal of Gene Medicine. A maior parte deles está sendo feita nos Estados Unidos (64%), seguido por Reino Unido (11,3%) e Alemanha (4,5%). “A terapia gênica foi inicialmente concebida como um método de tratamento para doenças genéticas causadas por um único gene defeituoso, mas a maioria está voltada ao tratamento do câncer porque é uma das doenças que mais matam no mundo – e que tem um grande mercado”, diz Eugenia Costanzi-Strauss, geneticista responsável pelo Laboratório de Terapia Gênica, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).

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A pesquisadora explica que o surgimento de um tumor precisa de 5 a 10 mutações genéticas, que surgem ao longo da vida. “A alteração surge na divisão celular. São células que não param de se dividir, que não querem morrer, querem continuar jovens”, diz. Para poder combater esse ciclo de divisão celular, é preciso primeiro investigar o perfil da célula e dessas mutações. Depois, há diferentes estratégias para manipular os genes doentes no tratamento da doença.

A mais comum é depositar, por meio daqueles vírus criados em laboratório, genes próprios das nossas células para combater os tumores. Segundo Eugenia, metade dos tumores humanos tem mutação num mesmo gene, que atua como um “guardião do genoma” em organismos saudáveis – quando há uma alteração na célula, a proteína identifica o problema e faz com que a célula morra. Na terapia gênica, devolve-se a proteína saudável à célula cancerosa e ela trata de combater a divisão celular, fazendo uma espécie de programa interno de morte. “Se a célula não morrer, ela fica mais sensível à quimioterapia, e o tratamento continua dessa forma”, diz.

Além do câncer, o combate a outras doenças apresenta avanços em experimentos de terapia gênica. Em 2010, uma equipe de pesquisadores das universidades de Washington e da Flórida, nos Estados Unidos, anunciou ter feito um macaco daltônico enxergar todas as cores. Nas universidades americanas do Texas, da Califórnia e da Pensilvânia, estudos com ratos de laboratório tiveram sucesso no tratamento de depressão, obesidade e calvície, respectivamente.

De carecas a pacientes de câncer, o formato está sendo experimentado em diversos tratamentos. E, atualmente, o método não está limitado à complementação de um gene defeituoso e tratamento de uma anomalia genética, diz Eugenia. Segundo a pesquisadora da USP, ensaios de transferência gênica têm sido utilizados em procedimentos de reposição de fatores de crescimento e hormônios, processos de regeneração de tecidos para o tratamento de doenças cardíacas e intervenção no mecanismo de autoimunidade para o tratamento de artrites, entre outras.

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Curado antes de nascer?

Em teoria, é possível manipular por meio de terapia gênica os genes de células somáticas (a maior parte das células do nosso corpo) ou de células germinais (óvulos, espermatozoides e embriões). Até hoje, as terapias realizadas em humanos foram feitas nas células somáticas, quando a manipulação gênica fica restrita às células do paciente e a correção não é transmitida aos descendentes. No caso de doenças hereditárias, há a mesma possibilidade natural de transmissão do gene defeituoso para o filho, que terá de ser diagnosticado e tratado como seu pai.

A terapia gênica germinal, que substituiria os genes defeituosos antes do início da gravidez, geraria novos indivíduos saudáveis, mas o método ainda não é aceito eticamente em seres humanos justamente pela possibilidade de passar o gene terapêutico para os descendentes, explica Eugenia Costanzi-Strauss. E ainda há riscos de problemas operacionais, como a alta taxa de mortalidade, desenvolvimento de tumores e másformações e alterações de embriões potencialmente normais.

Enquanto não é aceita a manipulação dos embriões a fim de curar doenças genéticas antes da gestação, já é possível escolher um embrião mais saudável entre aqueles criados durante a fertilização in vitro. Por meio do Diagnóstico Pré-Implantacional (DPI), testes conseguem escanear o DNA dos embriões antes mesmo de serem implantados no útero da mãe em busca de doenças e anomalias genéticas.

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“Já é possível identificar centenas de doenças dessa forma, mas a busca é feita com base no histórico da família. Cada tipo de doença tem um tipo de busca. Isso tudo é aplicável se sabemos o que se está procurando”, diz Thomaz Gollop, professor de ginecologia da Faculdade de Medicina de Jundiaí. Só são implantados no útero os embriões que não apresentarem as doenças procuradas. A limitação é que mapear todo o DNA em busca de mutações é caro e trabalhoso, por isso os testes são feitos focados nas anomalias com maior chance de ocorrência de acordo com o perfil dos pais. Mas uma técnica chamada karyomapping, anunciada em 2008 pela equipe de pesquisadores do London Bridge Centre, na Inglaterra, promete funcionar como um “teste universal” de doenças genéticas. Com um microchip, não seria mais necessário saber qual doença se está procurando, pois o mapeamento detectaria a presença de qualquer uma das cerca de 15 mil doenças que o DNA pode carregar.

Do doping genético a super-humanos

Entre mapear todas as possíveis doenças genéticas que um embrião pode carregar a moldar seres humanos mais bonitos ou com maiores capacidades físicas ou mentais há um longo caminho a ser percorrido pela ciência. Um dos grandes desafios é descobrir exatamente quais genes ou combinações genéticas influenciam ou determinam habilidades e características físicas.

“Do ponto de vista técnico, o maior desafio é saber o que o genoma está dizendo sobre a saúde e as características da pessoa. Já é fácil identificar uma série de anomalias e doenças genéticas, mas ainda não os genes ligados a coisas menores”, afirma a geneticista Lygia da Veiga Pereira, do Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias, da USP. Ninguém vai deixar de fecundar um embrião porque tem um gene ligado à hipertensão, mas, se a pessoa nasce sabendo dessa possibilidade, pode ter um acompanhamento médico para evitar complicações no futuro. “É a forma ideal de usar esse tipo de informação”, diz.

Mas já tem gente de olho nessas características “menores” não para evitar um infarto na velhice, mas para superar adversários no meio esportivo. Foi o que alertaram Theodore Friedmann, Olivier Rabin e Mark S. Frankel – pesquisadores da Universidade da Califórnia, da Agência Mundial Antidoping (Wada, sigla em inglês) e da Associação Americana para o Avanço da Ciência, respectivamente – em um artigo publicado na revista Science em 2010 sobre doping genético.

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Para o trio, a combinação dos avanços ligados ao mapeamento do genoma e da terapia gênica pode resultar na modificação de genes com impacto na velocidade, nos músculos e na resistência de esportistas, por exemplo. E a própria Wada já estaria trabalhando no desenvolvimento de técnicas para detectar modificações genéticas em atletas de competições internacionais, como os Jogos Olímpicos. Para esses especialistas, os primeiros super-humanos podem surgir no mundo dos esportes.

Saindo dos laboratórios, todas as possibilidades já apontadas pelos atuais estudos indicam um futuro com grandes possibilidades genéticas. Quando a karyomapping estiver acessível, poderemos escolher apenas embriões livres de doenças para a gestação. No dia em que for autorizada a terapia gênica germinal, embriões doentes podem ser curados antes de irem para o útero da mãe, levando para seus descendentes genes corrigidos e saudáveis. Quando for possível mapear os genes responsáveis por força, resistência, inteligência e outras habilidades, a manipulação deles vai gerar novas capacidades para a nossa espécie. E ninguém sabe qual o limite para esses super-humanos e que outros avanços científicos eles serão capazes de produzir.

Ciborgues: o futuro da evolução?
Quando não há genética, há tecnologia para criar um super-humano

Se a genética não ajuda, a tecnologia está aí para isso. Foi ela que fez de Neil Harbisson o primeiro ciborgue reconhecido oficialmente por um governo. Nascido com uma deficiência que o faz enxergar o mundo em preto e branco, o britânico de 29 anos desenvolveu, ao lado de outros pesquisadores, um olho eletrônico que o permite identificar tons de cores por meio de notas musicais, o eyeborg. Em 2004, ele andava por aí com uma webcam sustentada por uma espécie de arco na cabeça e ligada a um notebook de 5 quilos acomodado em uma mochila nas suas costas, além de fones. Hoje a câmera parece um pen-drive sobre sua testa e é ligada a um chip localizado em sua nuca (por enquanto, externamente). Os fones foram dispensados depois que o som passou a ser transmitido pelo osso. O reconhecimento do ciborgue veio do governo britânico, que, depois de resistir, foi convencido por laudos médicos de que o eyeborg não é um dispositivo qualquer, mas parte do organismo de Neil. Assim foi aceita no passaporte a foto do britânico com seu olho eletrônico à mostra. Para defender os direitos dos ciborgues – seguimos falando sério, não é ficção -, Neil criou a Cyborg Foundation, com sede em Barcelona, Espanha. Para ter uma noção de como é o dia a dia de um ciborgue, saiba que Neil já foi barrado no cinema porque pensavam que ele iria filmar a película com seu eyeborg. A fundação divulga outros projetos que podem tornar um humano em um ciborgue. Conheça mais sobre alguns deles:

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Eyeborg
O olho eletrônico permite identificar 360 tonalidades de cores transmitindo notas musicais diferentes para cada uma delas. Quando Neil mira uma menina loira, enxerga seus cabelos cinza, mas escuta apitos em sol e assim sabe que não se trata de alguém grisalho. Ele teve de decorar a que nota cada cor se refere.

Earborg
É a mesma lógica do eyeborg, só que ao contrário. Pessoas surdas podem carregar uma pequena tela ou usar óculos eletrônicos para perceber, por meio das cores, sons e vozes diferentes.

Fingerborg
Uma câmera acoplada em uma prótese na mão permite fotografar com o dedo. Para baixar as fotos, basta conectar o dedo ao computador. Trata-se de um projeto biônico, e não cibernético. Mas os pesquisadores trabalham para que o ato de fotografar possa ser acionado apenas pelo pensamento.

Myborg
Adam Montandon, que ajudou Neil na criação do eyeborg, desenvolveu uma jaqueta com sensores que permitem detectar luz, distâncias de objetos e movimentação às suas costas. É uma roupa à prova de stalkers.

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