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13 motivos para assistir Cara Gente Branca — e entender mais sobre racismo

Racismo reverso, solidão, colorismo, blackface: tudo o que a série da Netflix quer que você saiba sobre o assunto

Por Otávio Cohen
Atualizado em 11 mar 2024, 15h10 - Publicado em 9 Maio 2017, 17h07

Atenção: esse post pode conter spoilers sobre a primeira temporada da série

13 motivos para assistir Cara Gente Branca — e entender mais sobre racismo

Cara gente branca. Vocês precisam assistir a Dear White People (ou Cara Gente Branca, em português), cuja segunda temporada estreou na Netflix no dia 4 de maio. Se você ainda não sabe nada sobre o tema, não precisa ter medo do título. Baseada num filme de 2014, a série conta a história de Sam White e outros jovens negros numa universidade majoritariamente branca, nos EUA. Depois de uma festa blackface (calma, a gente já explica) organizada por um grupo de alunos brancos, várias tensões raciais se desenrolam no ambiente acadêmico. São 10 episódios, cada um sobre um personagem (o melhor da primeira temporada foi dirigido por Barry Jenkins, que também assinou a direção do vencedor do Oscar Moonlight). Dear White People é sobre racismo. Mas também é muito mais.

Separamos aqui 13 assuntos importantes que o seriado toca — e que todo mundo deveria saber sobre racismo.

1. Negro não é fantasia de carnaval

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A apropriação cultural, um tema já bastante controverso aqui no Brasil, ganha uma outra abordagem nos primeiros episódios de Dear White People. Ela vem na forma de uma festa em que diversos estudantes brancos “celebram” a negritude pintando suas caras de marrom e se vestindo como ícones da cultura popular negra, só que de maneira exagerada e estereotipada, como a moça que coloca uma peruca rosa como Nicki Minaj e o pessoal que tira uma foto com armas, imitando poses de rappers — famoso “blackface”. Acontece que os negros não precisam de uma homenagem dessa. Elementos culturais importantes para povos específicos não podem simplesmente virar fantasia de festa. É um tanto hipócrita pintar o rosto de marrom e usar uma peruca crespa para estar na pele de de um negro quando a sociedade contribui o tempo todo para a manutenção do racismo e para que essas características e tantas outras sejam associadas a coisas ruins. Para quem ainda tem dúvidas, fica o ensinamento: cor de pele não é fantasia.

2. Negros não são os únicos que sofrem racismo. Outros grupos também sofrem…

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No episódio mais intenso de Dear White People (o capítulo 5), um grupo de negros passeia despretensiosamente por festas e outras reuniões sociais no campus. Uma participante do grupo é uma garota asiática, que se une a eles graças a um “inimigo comum” (o branco). A série não mostra episódios de racismo contra a moça. Ela se junta ao grupo naturalmente, sem muita contextualização — e de repente todo mundo entende o motivo. Algo parecido acontece em Orange Is the New Black, quando a descendente de japoneses Soso passa a fazer parte do grupo das presidiárias negras na quarta temporada. Cara Gente Branca  ainda não contou a história da moça asiática, mas admitiu sem nenhum esforço que ela também sofre com a lógica da exclusão.

3. … mas brancos, não

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Racismo reverso não existe. Simples assim. Não adianta se vitimizar por ter sido chamado de “branquelo” ou “alemão” a vida inteira. O peso das palavras diante do contexto histórico é incomparável. Em Dear White People, os alunos brancos da universidade ficam chocados quando Sam faz generalizações e considera todos eles racistas. Então, contra-atacam pintando a pele de marrom e parodiando os negros. Não deveria ser óbvia a diferença entre as duas coisas? A piada com a pele clara de um branco pode até causar desconforto. Mas ser branco nunca fez com que alguém fosse impedido de entrar em uma loja cara, por exemplo. Também nunca fez com que cabelos lisos fossem chamados de “ruins”. Assim como nenhum jogador de futebol nunca foi punido por dizer “seu loiro albino!” para ofender um adversário. O racismo contra negros é estrutural: segundo o IBGE, em 2015 os trabalhadores negros ganharam, em média, 59% do rendimento dos brancos — e uma mulher negra recebe cerca de 39% do salário de um homem branco. Ele tira até mesmo anos de vida da população preta, que vive 6 anos a menos. O racismo é um conjunto de mecanismos que faz com que os negros sofram todos os dias, a toda hora. Cara gente branca, não existe piada de branquelo que faça com que você saiba o que os negros sentem no dia a dia.

4. Apesar disso, branco também é “raça”

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Primeiro, é bom lembrar que, de acordo com a ciência, não existem raças. Mas, como a cor da pele define a vida das pessoas, é comum vermos essa palavra sendo usada para identificar pessoas com características físicas parecidas. Só que tem um porém. Existe uma predisposição de uma pessoa branca em se considerar “o padrão, o normal” e achar que só leva o nome de “raça” aquilo que é exótico ou diferente dela. Dessa maneira, convencionou-se falar sobre a raça negra, sem que os brancos se dessem conta de que a pele clara também não é universal. Aliás, o próprio conceito de “raça negra” carrega controvérsias, já que a composição étnica da população negra é variada. Por que é que, quando a pessoa branca vai falar sobre os antepassados, diz que é descendente de italiano, ou português, ou polonês, e quando vai falar de pessoas de pele escura, simplesmente diz que elas vieram da “África”?

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Para os brancos, ter pele clara é tão “padrão”, que é possível que passem a vida sem perceber que há pouquíssimos ou nenhum negro nos seus locais de estudo, de trabalho ou de lazer. Para um negro antenado, fazer essa contagem assim que chegamos em um novo ambiente — e nos deparar com a mesma conclusão: quase não há gente como a gente — é algo automático. Ao colocar o personagem Gabe como um peixe fora d’água entre os negros, Dear White People faz questão de mostrar qual é a sensação enfrentada diariamente por um negro que decide ocupar um espaço que historicamente não lhe pertence.

5. O colorismo existe

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Cara Gente Branca mostra que não existem apenas diferenças de privilégio entre brancos e negros — que são gritantes. Dentro da comunidade negra, que é muito diversa, também há quem se dê melhor do que outros. No Brasil, cuja história é marcada por miscigenação, falar de colorismo é ainda mais delicado — e, por isso mesmo, mais importante. Por aqui, mais de 40% da população se identifica como “parda”. A autodeclaração implica uma série de fatos. Um deles é a vontade do brasileiro de se sentir mais branco. “Mulato”, “moreno”, “escurinho”, e tantos outros, são termos criados para abarcar pessoas negras de pele mais clara, que por algum motivo, não desejam se identificar totalmente com a negritude. Ver as tensões raciais que existem dentro da comunidade negra em Dear White People ajuda a olhar para o Brasil com uma nova perspectiva.

Uma das relações mais interessantes da série é entre Coco e Sam. Ambas são negras. Mas Coco tem a pele mais escura, e as situações pelas quais passou na vida por causa disso fizeram com que ela criasse mecanismos de defesa para lidar com a sociedade. A série dá a entender que Sam, graças à pele mais clara e os olhos verdes, sentiu menos racismo. Assim, Coco acaba sendo criticada por outros negros como arrogante e reprodutora de racismo. Pois é: como se não bastasse sofrer mais comparada com suas amigas brancas, a personagem também se sente inferior dentro da moradia negra da universidade. Isso é o colorismo.

6. E existe também uma coisa chamada “solidão da mulher negra”

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Além de Coco ter sofrido mais racismo do que Sam, ela também aparece sendo deixada de lado por homens — tanto negros (como Troy), quanto brancos (em uma festa feita especialmente para calouros conhecerem veteranos). Isso mostra que a cor da pele interfere inclusive nas relações amorosas. Se um homem negro está dividido entre uma mulher branca e uma mulher preta, grandes são as chances de que ele escolha a branca. Se ele se vê entre duas moças negras, de tons diferentes de pele, possivelmente escolherá a mais clara também. Esse fenômeno é conhecido como “solidão da mulher negra”, e é mensurável. Segundo o último Censo, em 2010, 52,2% das mulheres vivia fora de uniões estáveis, em “celibato definitivo”. Ao passo de que 60,1% dos homens negros casados ou em uniões estáveis não tinham parceiras negras. Vale a pena tentar entender um pouquinho melhor aqui.

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SPOILER FORTE

Isso para não dizer sobre a dificuldade que é para uma mulher negra se relacionar com um branco. No fim da temporada, Gabe termina com Sam porque não está disposto a aguentar toda a confusão que pode vir junto com o namoro. Mais uma vez, arte imita vida.

FIM DO SPOILER FORTE
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7. Há muitas formas de ser negro

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Logo no primeiro episódio, Dear White People mostra que há muitas maneiras de ser um ativista negro. Há a turma de Kelsey (a moça do cachorrinho), de pouca atitude política. Há os que, como Troy (o filho do reitor), se alinham às estruturas de poder, e tentam antes ocupar cargos de confiança para só depois fazer mudanças “de dentro”. Há os que são tidos como radicais por causa de seus métodos de protesto e luta, grupo que inclui Sam, Reggie e Joelle. Mas, mais do que divergências políticas e variados tons de pele, a série mostra que há diversas negritudes possíveis. São vários exemplos que fogem dos estereótipos de negros em séries e filmes. Essas histórias poderiam facilmente fazer parte de uma série que não discute raça, feita com atores brancos.

8. O racismo está em tudo. Mas racismo não é tudo

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O ponto alto de Cara Gente Branca é a humanização de seus personagens. Ao mostrar histórias universais que, por acaso, estão entrecortadas por questões raciais, a série faz com que seus personagens tenham uma base mais verossímil. Ser um negro despreocupado também é um ato de revolução. Ouvir Taylor Swift (ou qualquer artista branco e apolítico) não deveria ser motivo de vergonha para uma pessoa negra. Passar 24 horas sem pensar na causa, na luta, no protesto, no movimento, na tensão e na polícia não deveria ser apenas um privilégio só das pessoas brancas. Por esse lado, é ótimo vermos na tela pessoas negras que, pelo menos durante uma parte do dia, estão mergulhadas em banalidades.

9. As palavras importam, sim

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Um dos momentos mais tensos de Dear White People começa quando um rapaz branco (desses que até têm amigos negros, sabe?) fala a palavra proibida. Em português, a palavra “nigger” não tem um equivalente com o mesmo peso histórico e a mesma carga ofensiva quando dita pela boca de uma pessoa branca. Nos EUA, usava-se nigger para falar de escravos como se eles não fossem humanos. Em contrapartida, temos diversos termos que escondem significados terríveis, que só reforçam estereótipos. Quando você diz a palavra “mulata”, provavelmente pensa numa moça linda, de corpo escultural, seminua, de sorriso aberto, pele clara, simpática e agradável. Por mais positivo que alguém diga que essa representação é, ela é nociva e tem raízes no racismo. Afinal, se existe o termo “mulata”, é para diferenciar a negra “agradável” das outras, “feias, da pele escura, nariz largo, cara fechada”, que são escondidas.

10. Negro não está aqui para te agradar…

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Na série, Troy é um homem negro distinto, de corpo musculoso, que a todo momento compromete as lutas de seus companheiros em nome de uma posição de poder. O drama dele é maior: no fundo ele só busca o carinho do pai, outro homem negro que provavelmente também se comprometeu para chegar onde está. Troy, ao mesmo tempo, prova e contradiz o estereótipo do homem negro hipermasculino e hipersexualizado. Por um lado, ele é um predador sexual, que tem diversas parceiras ao longo dos episódios. Por outro, também é o mesmo que não vira as costas para o companheiro de quarto que confessa ser gay. Troy faz campanha para ser presidente do corpo de alunos, mas vota em seu concorrente, admitindo por um segundo que nem deseja tanto assim aquele cargo. Dear White People fala muito bem sobre as expectativas que se cria a respeito da pessoa negra. Troy e Coco têm vários amigos brancos e são mais “aceitos” que os outros personagens negros. Isso porque não mostram agressividade, não se alinham a discursos radicais e evitam situações problemáticas. Ou seja, eles são acolhidos entre os brancos porque não oferecem perigo. É fácil para qualquer pessoa negra se identificar com a situação. Recorrentemente, somos considerados agressivos demais se levantamos a voz. Podemos até falar de racismo, mas só se falarmos com calma, cheios de dedos e “bom-humor”.

11. … e nem para te assaltar

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Do outro lado do estereótipo, está o negro barulhento, combativo, sempre pronto para a discussão, e que usa a violência como argumento. Em Cara Gente Branca, o maior exemplo dessa tipificação nociva é Reggie — justamente o personagem que é um gênio da programação, um potencial Mark Zuckerberg de pele escura (a comparação é dita na série). Sem dar muitos spoilers, podemos dizer que Reggie enfrenta mais de uma situação em que uma pessoa branca espera que ele seja violento, só porque é preto.

12. Negro tem mais chance de ser preso. E de morrer

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Sabe quando você, pessoa branca, sente medo ao andar sozinha na rua à noite? Negros também sentem isso. E não é só o medo do assalto ou do estupro. É medo da polícia, mesmo. Os dados falam mais alto. A população prisional brasileira é majoritariamente negra (são 67% de presos de pele escura, contra 32% de brancos e 1% de amarelos). É óbvio que isso tem a ver com a nossa sociedade, já que a maioria pobre também é negra. Mas pode perguntar àquele seu amigo negro. Ele provavelmente já foi (ou conhece alguém que tenha sido) confundido com um assaltante, já evitou o olhar torto de um policial na rua ou de um segurança de loja chique. A cena mais emocionante de Dear White People é uma situação dessas, que deixa os brancos chocados e os negros tristes. Para muita gente, nada disso é novidade.

13. É importante ocupar os espaços

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Ao longo de Dear White People, o personagem Gabe — o único branco entre os principais — tenta, cheio de boas intenções, participar do debate racial na universidade. Mesmo que ninguém o impeça de frequentar a moradia estudantil negra, a opinião dele é desconsiderada por causa de sua pele branca. Mais uma vez, vemos como a voz da minoria (nesse caso, Gabe) é silenciada pela estrutura hegemônica (nesse caso, o movimento negro). É só inverter a situação para vermos como se sente um negro que é, por exemplo, o único em sua sala de aula. Ser o único o tempo todo tem um peso insuportável, pois faz com que toda opinião que você emita tenda a ser usada como uma generalização da maneira como todos os negros pensam. Se a voz da pessoa negra pode defender milhares de posições (como a série mostra bem), talvez a grande lição de Dear White People seja dizer que a pessoa negra não precisa ficar calada só porque foi assim que ela se acostumou em meio à sociedade racista. Vamos ocupar o espaço sem nos deixar convencer de que, algum dia, ele foi menos nosso.

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