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1967 – O ano mais revolucionário dos Beatles

As 24 músicas do ano que virou a banda de ponta-cabeça. Uma por uma.

Por Alexandre Carvalho
Atualizado em 12 ago 2022, 18h30 - Publicado em 20 ago 2019, 18h24

Sgt. Pepper's

 

 

Quem toca o quê.

 

Férias. Era tudo o que os Beatles desejavam depois que deram um fim à maratona de apresentações ao vivo. Após merecido recesso, os rapazes enfim voltaram ao estúdio. E que volta! Juntaram-se para criar Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – referência inescapável quando se fala de vanguarda no rock’n’roll. No auge da criatividade, a banda foi ao limite na transformação de suas músicas em superproduções, levando semanas para concluí-las – encorpando tudo com novas camadas sonoras conforme as ideias iam se sobrepondo. Um Everest musical em que “A Day in the Life”, ainda assim, conseguiu se sobressair. Na edição de 2010 da revista Rolling Stone sobre as 100 melhores canções dos Beatles, essa composição de duas partes ficou em primeiro lugar.

A inspiração da letra – na parte de Lennon – foi o noticiário local: o acidente de trânsito que matou um jovem playboy, herdeiro da cervejaria Guinness, e a apuração de que haveria 4 mil buracos nas ruas da cidade de Blackburn. John conectou essas manchetes desconexas numa letra ambígua, que remetia às drogas. Algo que ficou explícito quando Paul surgiu com o trecho “I’d love to turn you on” (eu adoraria deixar você ligadona).

Fab four se divertindo.
“I’d love to turn you on.” (John Downing/Getty Images)

Lennon sentia grande potencial na música, mas também que faltava algo que preenchesse o meio. McCartney então chegou com uma nova canção, absolutamente distinta da original – a não ser no conceito de “um dia na vida” e na ligação com drogas. Deu match. A descrição de uma correria matinal de Paul, que chega a um ônibus e “entra num sonho”, como um interlúdio entre as reflexões de Lennon sobre as notícias. Uma canção dentro da canção.

Para os adornos, McCartney sugeriu a George Martin o uso de uma orquestra sinfônica tocando música de vanguarda no fechamento de cada metade da canção – aventura cara até para a poderosa EMI. Decidiram então usar só metade da formação tradicional. O produtor topou. E os 41 musicistas contratados viveram uma experiência inédita em suas carreiras. “John teve a ideia de criar um crescendo, uma espiral de som, começando a passagem com todos os instrumentos em suas notas mais baixas e subindo até as mais altas”, explicou Martin.

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A sensação era de estar chacoalhado por um furacão, que interrompe seu volteio de repente – primeiro para o entreato de McCartney, depois para um final apocalíptico. E como último ato de um disco revolucionário – trata-se da última faixa do lado B –, a ideia foi martelar um único acorde de piano extremamente alto, sustentado ao longo de 53 segundos. John, Paul, Ringo e o assistente Mal Evans tocaram o acorde em sincronia, em três pianos, gravados em volume máximo por Geoff Emerick. Tão alto que até o ruído do ar-condicionado foi registrado. “Pode não ter sido o fim do mundo, mas soava como se fosse”, definiu o engenheiro de som dos Beatles

Quem toca o quê.

 

Lucy O’Donnell, entrevistada na BBC em 2007, tinha lembranças de um dia letivo importante para o rock, 40 anos antes. “Me lembro de Julian e eu jogando tinta um no outro. Julian fez um desenho e naquele dia seu pai apareceu com um chofer.” O menino estava ansioso para mostrar sua pintura: uma menininha flutuando bem alto, no meio de estrelas. “É a Lucy no céu com diamantes”, explicou. Lennon, o pai, achou que seria um ótimo título para uma canção.

Então ele e Paul começaram a planejar uma música com esse nome, reunindo imagens inspiradas em Alice Através do Espelho, de Lewis Carroll. McCartney inventou “flores de celofane”; Lennon, “a garota com olhos de caleidoscópio”. A canção acabou barrada nas rádios – suas iniciais seriam uma apologia ao LSD. John jurou que não: a inspiração foi o desenho infantil. Para que o estilo lúdico da letra contaminasse a interpretação, o vocal de Lennon foi desacelerado, de modo a soar mais alto e mais fino – “Lucy tem mais variações de velocidade de fita que qualquer faixa do álbum”, explicou George Martin. Outra contribuição marcante é o som de sino obtido no órgão tocado por Paul, que faz a introdução. “Imagine-se num barco, num rio”, sugere a voz sobre as notas cheias de efeito do teclado. Pura hipnose. E o ouvinte embarca no sonho surrealista de John, sob um céu de marmelada.

John Lennon
“Picture yourself in a boat on a river.” (Mirrorpix/Getty Images)

Quem toca o quê.

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O tema surgiu quando McCartney se lembrou de um baterista, Jimmy Nicol, que tocou com os Beatles em shows de 1964, quando Ringo teve amigdalite. Perguntado sobre como estava se saindo, Nicol sempre respondia: “está melhorando a cada momento”. Apesar de a canção ser de Paul, John ajudou com alguns versos. “I used to be cruel to my woman / I beat her and kept her apart from the things that she loved” era Lennon admitindo que agredia a esposa, Cynthia.

Quem toca o quê.

Outra das crônicas da vida cotidiana escritas por Paul, falando de um personagem interessado numa guarda de trânsito. A música é marcada pelo coro, que se repete bastante entre os versos do vocal principal, e sons criados na hora, como os Beatles soprando papel higiênico enfiado em pentes de cabelo. Destaque também para o solo de piano, ao estilo cabaré,
de George Martin.

Quem toca o quê.

A sugestão de fazer um álbum conceitual nasceu de Paul, que achou interessante a ideia de um disco todo simulando o show de uma banda fictícia, de nome comprido como os novos grupos americanos (a exemplo do Big Brother and the Holding Company, que acompanhava Janis Joplin). Na introdução desta música de abertura, sons de uma orquestra aquecendo.
No meio e no fim, overdubs de aplausos. Tudo para transportar o ouvinte ao início de uma apresentação memorável.

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Beatles
It’s been 52 years ago today. (Mark and Colleen Hayward/Getty Images)

Quem toca o quê.

Esta faixa tem uma construção mais simples: além do básico guitarra-baixo-bateria, só foge do convencional na inclusão de um cravo, tocado por George Martin. O arranjo é jazzístico, enquanto a letra de Paul associa tapar buracos no teto à carpintaria de um ambiente mental, no qual o artista possa estar livre para a criação.

Quem toca o quê.

A seção instrumental que começa com 1:01 de música é das criações mais psicodélicas do grupo. George Martin fez gravações de um antigo órgão a vapor, tocado em circo, cortou a fita e misturou tudo, fazendo com que os sons fossem para frente e para trás.

Quem toca o quê.

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Embora Paul houvesse idealizado que todos os Beatles tivessem alter egos na banda do sargento Pimenta, o desânimo dos outros em seguir com a ideia fez com que o plano só fosse até a segunda música. E assim apenas Ringo, o vocal da canção seguinte à abertura, ganhou um papel para interpretar: Billy Shears, o inseguro que consegue seguir com a vida graças à ajudinha dos amigos. A faixa toca em questões ingênuas, que combinam com a figura dócil do baterista.

E seu tema é metalinguístico: o menos cantor do grupo conta com o apoio dos companheiros para não cantar fora de tom. Tantos acertos tornaram “With a Little Help…” a mais popular das músicas de Ringo com – ou sem – os Beatles.

Quem toca o quê.

Esta canção é o lamento de John a respeito do quanto a vida familiar o aborrecia. O título foi inspirado num comercial de TV que, para ele, representava esse cotidiano caseiro, sem novidades. Era o dos Corn Flakes, da Kellogg’s, que dizia: “Bom dia, bom dia. O melhor para você toda manhã”.

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Se Sgt. Pepper’s era o simulacro de uma apresentação ao vivo, nada mais lógico que finalizá-lo com agradecimentos da banda. “Esperamos que vocês tenham gostado do show” é um dos versos novos na repetição do tema de abertura – uma reprise mais roqueira.

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Num tributo ao tipo de jazz antigo de que seu pai gostava – Jim McCartney tinha sua própria banda de ragtime em Liverpool –, Paul compôs ainda adolescente esta divertida canção de cabaré sobre a graça do envelhecimento. E os Beatles a apresentavam nos shows de Hamburgo e também no Cavern Club. “Costumávamos tocá-la ao piano quando os amplificadores quebravam”, revelou John. Para compor um clima de vaudeville – tipo de teatro que incorpora dança e música – George Martin compôs um arranjo para um trio de clarinetes.

Paul McCartney
“Many years from now.” (Manchester Daily Express/Getty Images)

John e Paul

Uma edição de 1967 do tabloide Daily Mirror anunciava o sumiço de uma adolescente de classe média alta: Melanie Coe, de 17 anos, havia deixado um bilhete de despedida e fugido de casa. Paul McCartney achou nessa reportagem o tipo de matéria-prima ideal para suas crônicas da vida privada. E pensou que o desconsolo dos pais daquela menina merecia um tratamento delicado: apenas voz e um arranjo de cordas, em que se destacava uma harpa.

McCartney queria na época que suas composições estivessem à altura da sofisticação de Pet Sounds, a obra-prima dos Beach Boys. E fez questão de mostrar “She’s Leaving Home” pessoalmente a Brian Wilson, líder da banda americana. Pegou um avião e tocou a canção ao piano, explicando que a faixa teria um jogo vocal em que John faz comentários cantados ao tema principal, como no coro grego. Brian Wilson chorou. E teve um colapso nervoso pouco depois – jamais poderia superar os Beatles.

George Harrison solo

O mergulho existencial de George Harrison na filosofia indiana, que já aparecia em “Love You To”, do álbum Revolver, aqui domina a composição completamente. De uma forma que entusiasmou o produtor dos Beatles desde o primeiro momento, quando ouviu apenas voz e violão – antes que virasse um ritual com direito a incenso no estúdio e artistas contratados que nem falavam inglês. “Fiquei deslumbrado”, disse George Martin. “George [o Harrison] adorou tocar com aqueles músicos [indianos] e foi fascinante ver como suas ideias cresciam.”

Nenhum dos outros Beatles participou da gravação. No lugar deles, artistas do Círculo de Música Asiática, tocando instrumentos exóticos para a cultura ocidental, como swarmandal, um tipo de cítara que acompanha a música clássica vocal indiana, e a tabla, para a percussão. Na letra, de inspiração budista, Harrison explica a seus fãs que as pessoas se escondem atrás de um muro de ilusão – e que a vida flui, como diz o título, dentro de você ou sem você.

Meditação
George com o gênio da cítara Ravi Shankar (1920-2012). (Michael Ochs Archives/Getty Images)

 

Magical

Quem toca o quê.

Criada para ser a faixa título do filme maluco que os Beatles estavam produzindo, a canção remete à inventividade do álbum anterior, Sgt. Pepper’s, com overdubs de trompetes lembrando uma fanfarra e sons de trânsito tirados de uma coleção de efeitos sonoros. Mas a referência às drogas fica bem mais explícita: “Roll up for the mystery tour”, Paul explicaria, significava “enrole um baseado para uma viagem misteriosa”. Nem precisava explicar.

Quem toca o quê.

Paul compôs a canção pensando nos homens sábios que, por alguma postura não convencional – como ficar meditando sozinho no alto de uma colina –, eram vistos como tolos. Um exemplo, para ele, era o guru indiano da meditação transcendental Maharishi Mahesh Yogi.

Quem toca o quê.

Criada pela necessidade de um tema incidental para o filme Magical Mystery Tour, esta é a única música instrumental de toda a discografia dos Beatles. Pelo menos do que eles gravaram e lançaram enquanto grupo. Paul McCartney surgiu com a ideia de tocarem algo bem simples, um blues de 12 compassos, e eles foram improvisando juntos no estúdio. Por isso, a autoria é repartida entre os quatro – uma raridade no cancioneiro do grupo.

Quem toca o quê.

O título da canção era o nome de uma rua de Los Angeles onde havia um chalé no qual George Harrison se hospedou em agosto de 1967. A combinação, logo na chegada, era de que o assessor de imprensa dos Beatles fosse encontrá-lo. Mas ele se atrasou. Uma demora sem maior importância… se não inspirasse o refrão “Please don’t be long” (por favor, não demore).

Quem toca o quê.

“Give Peace a Chance”, “Power to the People”… John sabia inventar títulos de canções que parecessem slogans – e que cairiam bem em manifestações. “All You Need Is Love” é, entre essas suas músicas ativistas, a mais bem-sucedida. Sua mensagem pacifista, irresistível aos jovens da contracultura – já inconformados com a Guerra do Vietnã –, ganhou repercussão ainda maior quando os Beatles apresentaram a música no programa Our World. Era o primeiro evento transmitido ao vivo via satélite para o mundo todo – na verdade, para 26 países. Japoneses, australianos e escandinavos, entre outros povos, ouviram ao mesmo tempo John Lennon garantir: “tudo o que vocês precisam é de amor”.

Quem toca o quê.

Assim como John fez com “Strawberry Fields Forever”, Paul recorre a memórias da infância em Liverpool, apresentando pessoas e lugares que encheram seus olhos e ouvidos quando menino. Na nostalgia do artista, personagens banais ganham tons surrealistas, como o barbeiro que exibe fotos “das cabeças que ele teve o prazer de conhecer” – em vez de estilos de corte de cabelo. E a passagem que conta de uma enfermeira que vende papoulas como se estivesse atuando numa peça é de uma poesia otimista: “de alguma forma, ela está”, concede Paul. O solo de trompete piccolo, tocado por David Mason, virou marca registrada do “som Beatle”.

Penny Lane
“Is in my ears and in my eyes.” (Christopher Furlong/Getty Images)

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McCartney compôs esta canção à moda antiga para uma cena do filme Magical Mystery Tour em que os Beatles descem a escadaria de um salão de baile. No estúdio, o grupo recebeu a visita de Brian Epstein – o último encontro antes da morte do empresário.

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“Eu sou o homem-ovo (…) Eu sou a morsa.” À estranheza da letra vanguardista de Lennon, cheia de nonsense e neologismos, o arranjo responde com o duelo entre violinos, violoncelos, trompetes e clarinete contra uma cacofonia de overdubs – que inclui até um trecho de Rei Lear, de Shakespeare, captado do rádio.

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Foi a primeira faixa gravada nas sessões de Pepper’s. E inspirou o conjunto da obra. “À frente de seu tempo, complexa tanto na concepção quanto na execução (…) essas coisas serviram de modelo do que viria a se tornar Sgt. Pepper’s”, escreveu George Martin. Mas a canção ficou de fora. A gravadora queria um single, e os Beatles entregaram a melhor música que tinham. Por ter acabado de sair em compacto, sua estreia em álbum foi adiada para Magical Mystery Tour.

No estúdio, levou quase um mês. No dia seguinte a cada sessão, os Beatles voltavam com novas propostas, empolgados. Tanto que a versão definitiva é magia de estúdio: John não se decidia entre um take mais básico e outro cheio de sonoridades psicodélicas. Na dúvida, pediu para o produtor mixar os dois – ainda que estivessem em tons e tempos diferentes. Os primeiros sons são de flauta (do teclado Mellotron, tocado por Paul) e John começa cantando o refrão, convidando-nos ao jardim de um orfanato próximo à casa onde viveu na infância. Mas que na criação reverbera o universo de Alice no País das Maravilhas: multicor, misterioso e cheio de surpresas. George toca guitarra slide e harpa indiana. Trompetes e violoncelos dão acompanhamento orquestral. E um final falso antecede a cacofonia. “Para mim, é a faixa mais original e inventiva da música pop”, definiu Martin. Não sem razão.

Strawberry Field
Orfanato de Strawberry Field, em Liverpool: John pulava esta cerca para brincar no jardim interno. (Epics/Getty Images)

Quem toca o quê.

Em meio a tantas canções extraordinárias, este jogo de palavras simples foi escolhido para ser single dos Beatles – e chegou ao número um das paradas tanto nos EUA quanto na Inglaterra. Paul a compôs enquanto demonstrava – a um assistente de Brian Epstein – como era fácil para ele inventar uma música do zero.

Quem toca o quê.

Assim como fizeram em “A Day in the Life”, Lennon e McCartney costuraram duas canções para formar uma peça única – e que soa coesa. A parte que fala sobre “beautiful people” é de John – mas ele não se refere à riqueza, e sim aos hippies da Costa Oeste dos EUA. Paul contribuiu com o tema que dá título à canção – e que seria uma crítica a Brian Epstein, que vivia se lamentando apesar de ser cheio da grana. Mick Jagger faz backing vocals aqui, enquanto Brian Jones toca oboé.

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