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5 letras de Bob Dylan que merecem um Nobel

Não entendeu por que ele ganhou o Nobel da Literatura? A gente explica em 5 canções.

Por Helô D'Angelo Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 13 out 2016, 17h30

Cinquenta e seis anos de carreira, 69 álbuns – e letras que exploram direitos civis, a condição humana, religião, política, o lado filosófico da passagem do tempo. Além disso, ele escreveu 12 livros e tem troféus do Globo de Ouro, do Oscar, do Grammy e do Pulitzer repousando em sua casa, na praia de Malibu, Caliórnia. Agora, Bob Dylan acrescenta mais uma conquista em seu currículo, aos 75 anos: o Nobel da Literatura (aparentemente, o único prêmio que Dylan não tem é o Troféu Imprensa, do SBT – estamos de olho, Silvio!)

Bom, para muita gente, essa última honra nem precisava ser justificada. Mas não faltou quem achasse a nomeação sem sentido – afinal, o vencedor não deveria ser um escritor? A explicação da Academia Sueca, que seleciona os laureados, é que música é poesia, e poesia é literatura.

Polêmica à parte, conheça melhor 5 das obras primas de Dylan. Depois de ler, é difícil discordar de que, sim, o poetinha de Minnesota é digno de um Nobel:

1. Hurricane (1975)
“Here comes the story of the Hurricane
The man the authorities came to blame
For somethin’ that he never done
Put in a prison cell, but one time he could-a been
The champion of the world”

(Aí vem a história do Furacão/ O homem que as autoridades viriam a culpar/ Por algo que ele nunca fez/ Colocado numa cela de prisão, mas certa vez ele poderia ter sido/ O campeão do mundo)​

Na noite de 17 de junho de 1966, o pugilista Rubin Carter foi parado pela polícia em Paterson, Nova Jersey, nos EUA. Surpreso, ele descobriu que era considerado suspeito de três assassinatos que haviam acabado de acontecer – em outra parte da cidade. Depois de uma investigação nada minuciosa (que não encontrou provas a não ser um reconhecimento feito às pressas por uma das testemunhas), Carter foi preso por 15 anos. O detalhe: o cara era negro em um contexto de segregação racial nos Estados Unidos. 

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Ainda na prisão, Carter lançou o livro The Sixteenth Round, denunciando a injustiça a que fora submetido. A história comoveu Bob Dylan, que acabou escrevendo Hurricane depois de uma série de visitas a Carter. A canção narra, em quase 9 minutos, a prisão injusta do pugilista. A letra é ousada para o período. Em um dos versos, Dylan canta “If you’re black you might as well not show up on the street, ‘less you wanna draw the heat” (algo como “Se você é negro, é melhor não estar nas ruas, a não ser que queira chamar atenção para si”). Ousada e, mais importante, de uma poesia de dar inveja a Carlos Drummond de Andrade.  

Dylan não só escreveu e lançou a música, como também fez questão de cantá-la inteira em cada uma de suas apresentações na turnê Rolling Thunder, de 1975 – o que chamou a atenção do país inteiro para Carter. Isso facilitou, ao menos em parte, que seu caso fosse revisto e ele, enfim, acabasse inocentado, em 1988 – mesma época em que uma música inspirada em Hurricane não parava de tocar nas rádios brasileiras: Faroeste Caboclo, da Legião Urbana. Renato Russo dizia que Faroeste era a sua Hurricane.

Ouça:

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2. Like a Rolling Stone (1965)
“How does it feel
How does it feel
To be on your own
With no direction home
Like a complete unknown
Like a rolling stone”

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(Qual é a sensação/ Qual é a sensação/ De estar sozinho/ Sem saber o caminho de casa/ Como um completo desconhecido/ Como uma pedra que rola)

“Eu escrevi a música. Ela não falhou. Foi em linha reta”, disse Bob Dylan à revista Rolling Stone quando a música Like a Rolling Stone começou a fazer sucesso. Dylan tem razão: a canção, com mais de 50 anos, tem a força, e a métrica, dos melhores raps de todos os tempos, que só seriam compostos décadas depois. 

A história da música é tão intensa quanto a sua letra. Na época, Dylan estava voltando de uma turnê na Inglaterra e estava cansado – cansado da resposta do público às suas músicas, cansado de suas composições e sentindo, principalmente, que faltava alguma coisa. E essa coisa veio na forma de um “vômito” musical: Like a Rolling Stone, uma composição que, no começo, chegou a ter 10 páginas. Aos poucos (e a muito custo), Dylan foi diminuindo a coisa até chegar nas 8 estrofes que conhecemos hoje: uma canção que fala de alguém que perdeu tudo; alguém que antes estava no topo e, agora, é um completo desconhecido, “a complete unknown”. 

Like a Rolling Stone é importante para além de sua letra. Ela abriu as portas para toda a experimentação que a gente ouve na música atual, porque mistura elementos que ninguém pensava, na época, em misturar: órgão, violão e a voz arranhada de Dylan com um refrão que, no mínimo, incomoda qualquer ouvinte. “You used to laugh about everybody that was hanging out/ now you don’t talk so loud/ now you don’t seem so proud/ about having to be scrounging your next meal” (algo como “você costumava rir de todos que estavam de fora/ agora você não fala tão alto/ agora você não parece tão orgulhoso/ de ter que mendigar a sua próxima refeição”). Até porque ninguém sabe a quem é endereçada a música – então quem ouve é que toma as dores. 

Ouça:

 

 

3. Subterranean Homesick Blues (1965)
“Look out kid
It’s somethin’ you did
God knows when
But you’re doin’ it again
You better duck down the alley way
Lookin’ for a new friend”

(Cuidado, criança/ É algo que você fez/ Deus sabe quando/ Mas você fará de novo/ É melhor você se encolher na rua/ E procurar por um novo amigo)

Meses antes de Like a Rolling Stone, a música Subterranean Homesick Blues já fazia um sucesso imenso – o próprio John Lennon havia dito que a canção era tão comovente que fazia ele se perguntar se alguma vez na vida ele conseguiria ser completo como Dylan.

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A letra é um caos: exatamente como no final dos anos 1960, tem muita coisa acontecendo nas estrofes de Subterranean Homesick Blues. Mas quem quer consegue entender: a música faz referências à entrada das drogas recreacionais no país, ao conflito de gerações, à contracultura, aos movimentos por direitos civis, à guerra do Vietnã e à Guerra Fria. Ou seja: é uma geração inteira descrita em 71 versos rápidos.

Subterranean Homesick Blues é um clássico da música americana, e tem tudo a ver com a cultura do país: foi inspirada no romance de Jack Kerouac, The Subterraneans (de 1958), sobre a cultura Beat (autores do pós-Guerra que questionavam a literatura tradicional). A canção também teve como inspiração o rock dos anos 40, como a guitarra de Chuck Berry, e é uma paródia musical de Taking It Easy, de Woody Guthrie e Pete Seeger, que diz: “Mom was in the kitchen preparing to eat / Sis was in the pantry looking for some yeast” (algo como “mamãe estava na cozinha se preparando para comer/ a irmã estava na despensa procurando a levedura”). Dylan é tão gênio que percebeu as mudanças de uma época para a outra e conseguiu traduzir tudo em música. 

Ouça e veja o vídeo:

 

 

4. Blowin’ in the Wind (1962)
“Yes, and how many times must cannonballs fly
Before they’re forever banned?
The answer, my friend, is blowin’ in the wind
The answer is blowin’ in the wind”

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(Quantas vezes as bolas de canhão precisam voar/ Antes que elas sejam banidas para sempre?/ A resposta, meu amigo, está soprando no vento/ A resposta está soprando no vento)

Uma música sobre paz em tempos de guerra: essa é a cara do Bob Dylan. Blowin’ in the wind foi lançada bem no meio da guerra do Vietnã, quando a opinião pública americana já começava a questionar os motivos da guerra – e a pedir que o governo trouxesse de volta seus soldados. Na canção, Dylan se pergunta até quando as guerras precisarão acontecer, e diz que a resposta está soprando no vento – o que pode tanto significar que a solução é tão simples quanto uma brisa, ou tão impossível de agarrar quanto ela. 

A sacada para a letra veio de um trecho da autobiografia do cantor Woody Guthrie, Bound for Glory. Na passagem, Guthrie compara sua sensibilidade política às folhas de jornal voando pelas ruas e vielas de Nova York. Se a letra veio das leituras de Dylan, a melodia não foi ideia dele: ela é uma adaptação de um antigo hino afro-americano, chamado No More Auction Block (algo como “chega de leilões de escravos”), do século 19 – e o próprio Dylan admite ter se inspirado na melodia para criar Blowin’ in the wind

Ouça Blowin’ in the wind:

 

 

5. The Times They Are a-Changin’ (1964)
“Come gather ‘round people where ever you roam
And admit that the waters around you have grown
And accept it that soon you’ll be drenched to the bone”

(Se juntem aqui, pessoas, de onde quer que venham/ E admitam que as águas ao redor de vocês subiram/ E aceitem que logo vocês estarão imersos até os ossos)

Essa é uma das canções mais incisivas e impactantes de Dylan. Ela não faz crítica social, como Hurricane ou Blowin’ in the wind, mas consegue acessar qualquer pessoa por uma razão muito simples: ela fala do tempo, que não poupa ninguém – escritores, críticos, senadores, pais, mães e qualquer um que esteja “imerso nas águas do tempo”. 

Dylan escreveu essa canção para que ela fosse um “hino de mudanças”, como ele mesmo definiu – e, apesar de a letra tratar das mudanças e do tempo implacável, a melodia é inspirada em antigas músicas escocesas, como Come All Ye Bold Highway Men. Assim como outras canções de Dylan, The Times They Are a-Changin’ também tem relação com os movimentos pelos direitos civis que, na época, estava bastante alinhado ao folk, estilo de Dylan. 

The Times They Are a-Changin’ se tornou um ícone da música atual até hoje na cultura pop: já foi recitado por Steve Jobs na reunião anual de acionistas da Apple de 1984 (ano de lançamento do McIntosh, a máquina que, acredita Steve, mudaria o mundo (o que de certa forma aconteceu mesmo). Em 2009, quase meio século após seu lançamento, virou música-tema do filme Watchmen. Uma música imortal – igual seu autor: 

 

 

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